sexta-feira, julho 31, 2009

Tática de terra arrasada





Custa crer que o presidente do Senado, José Sarney, e o chefe da sua tropa de choque, Renan Calheiros, líder do PMDB na Casa, imaginassem que o PSDB desistiria das suas três representações contra o primeiro no Conselho de Ética diante da ameaça de levar o troco na mesma moeda. Não porque os tucanos sejam um modelo de desassombro, mas pela prosaica razão de que, a esta altura do ciclo de denúncias centradas na figura do oligarca maranhense, eles simplesmente não teriam condições de baixar as armas - a menos que não temessem uma desmoralização perante a opinião pública ainda mais completa que a de seus adversários.

Se assim é, a anunciada intenção da cúpula peemedebista de formalizar na próxima semana, quando termina o recesso de meio de ano, o que seria a primeira representação contra um senador tucano - no caso o líder do PSDB, Arthur Virgílio, por sinal membro do Conselho de Ética -, chega a ser pior do que uma chantagem, mesmo levando em conta a folha corrida dos seus autores. É uma retaliação que vai além das regras tácitas que costumavam governar as relações entre os partidos no que em outros tempos era comparado a um clube exclusivo dentro do Congresso Nacional.

Tanto assim que a decisão de representar - que não pode ser tomada por um parlamentar isoladamente, mas apenas por uma sigla - saiu a contragosto. O próprio Sarney precisou apelar ao presidente licenciado do PMDB, deputado Michel Temer, para que levantasse as resistências ao lance mafioso do olho por olho. Mais reveladora ainda é a tática de terra arrasada que ela embute. Se o Senado pudesse ser comparado a um templo filisteu, seria o caso de dizer que Sarney, ciente de que a sua posição se tornou insustentável, resolveu derrubar sobre todos as colunas da instituição. Nesse ponto é preciso distinguir as coisas.

De um lado, o extremo a que ele chegou com essa "operação mãos sujas", como a ela se referiu neste jornal a colunista Dora Kramer para assinalar que se trata do oposto da devassa da política italiana no início dos anos 1990, por iniciativa do Ministério Público. De outro, a efetiva necessidade de serem postos em evidência - e punidos - os atos de quaisquer senadores que configurem ofensa ao decoro parlamentar. A motivação espúria da "reciprocidade" de que fala, com o habitual cinismo, o senador sem-voto Wellington Salgado (PMDB-MG), um dos leões de chácara de Sarney, não pode ser invocada para absolver condutas antiéticas.

Para ficar no episódio do tucano Arthur Virgílio, o Senado pagou o salário de um seu assessor durante os 18 meses em que estudava teatro na Espanha. Denunciada a indecência, não lhe restou alternativa salvo começar a devolver os R$ 210 mil em gastos indevidos que ele tinha a obrigação de prevenir. (Meses atrás, o petista Tião Viana, que disputara a presidência do Senado com Sarney, se viu na contingência de fazer o mesmo depois da revelação de que a Casa bancara R$ 14,7 mil da conta do celular usado por sua filha em viagem ao exterior.) O ressarcimento é o mínimo que se exige.

Aqui e ali se ouve que a exposição dos abusos do Senado, por serem tão numerosos e por envolver, presumivelmente, tantos de seus integrantes, pode acarretar consequências incontroláveis. O presidente Lula disse ainda há pouco que o desgaste do Senado é capaz de "matar a instituição". O receio não se justifica, ao menos a julgar pelo retrospecto das crises vividas pelo sistema político desde a redemocratização do País, há mais de duas décadas. Além disso, se algo pode "matar" as instituições de governo aos olhos da sociedade é a leniência acumulada em face dos ilícitos de seus ocupantes.

Não há como silenciar, por exemplo, diante do perfil do Conselho de Ética do Senado. Levantamento publicado na edição de ontem do Estado mostra que, entre titulares e suplentes, 21 dos seus 30 membros ou são alvo de inquéritos no Supremo Tribunal Federal, ou são réus em ações penais, ou estão envolvidos em nepotismo, ou ainda têm parte com os atos administrativos secretos na Casa - cuja divulgação, aliás, aprofundou a crise da qual, por este e outros motivos, o senador José Sarney é o maior protagonista. É nesse deplorável colegiado que transcorrerão os próximos episódios da trama. Não será um espetáculo edificante.

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