Maurício Corrêa - Advogado
Outro dia fui visitar o Senado. Um batalhão de repórteres se entrincheirava nas portas do gabinete do presidente. Máquinas fotográficas e câmeras de televisão se espalhavam pelo chão à espera do ataque. Procurava alguém que estava no local onde se procedia à eleição dos dirigentes da CPI da Petrobras, que, afinal, se instalava. A sala estava apinhada de gente. Não tive ânimo de entrar. Voltei novamente para pegar meu carro. Antes, entretanto, não resisti à tentação de dar umas voltas pelos corredores da casa. Lembrei-me dos tempos em que tomei posse como senador por Brasília na histórica primeira vez em que a cidade pôde eleger seus representantes no Senado.
Naquela época, por tratar de um Congresso que votava e apreciava matérias com base no texto constitucional vigente, os parlamentares ainda tinham o principal encargo de elaborar o que viria a ser a Constituição do país. Cheio de entusiasmo, não medi esforços para dar conta de minhas obrigações. Apresentei 459 emendas ao projeto em exame, das quais 144 foram incorporadas à nova ordem constitucional. Fui um dos constituintes que mais teve emendas aprovadas e incorporadas à nova ordem constitucional. Naquele período, nada mais fiz se não desdobrar-me nas comissões e sub-comissões temáticas, e no plenário da Constituinte, além de participar dos trabalhos extraoficialmente discutidos nas diversas reuniões para as quais era convidado. Muitas disposições da Constituição nasceram dessas reuniões. Um desses grupos de estudos paralelos se chamava Hércules e era dirigido pelo então senador José Richa, já falecido.
Confesso que fui tomado de certa melancolia na caminhada feita pelos corredores do Congresso. Não sei se o nível de amor ao país dos parlamentares da atualidade seja menor do que dos congressistas daqueles tempos. Uma coisa parece certa. É que os desvios de conduta política de hoje se verificam com frequência preocupante. Nem sei se o padrão intelectual e de amor ao Brasil tenha mudado para pior. Tudo indica que sim. Penso não cometer exagero se disser que, atualmente, com merecidas exceções, as pessoas se candidatam na esperança de que, se eleitas, realizem negócios que engordem suas contas bancárias.
O exercício político é doação que se projeta para o bem do povo. Esse é o histórico de sua gênese. O grau de tolerância com que se tratam os ilícitos da vida política tem se mantido na razão direta do que seus agentes importem na esfera do poder. Se os personagens são úteis ao sistema, a regra é passar-lhes certificação de imunidade, nada fazendo para que seus atos sejam punidos. É o que se tem visto na crônica política, resultante da intimidade do poder. Opera-se o contrário apenas quando a marginalidade escapa do controle e resvale para os domínios da Justiça. Quase sempre isso não acontece.
Nem tudo felizmente está perdido. No que lhe compete fazer, por exemplo, o Tribunal Superior Eleitoral tem sido rigoroso no julgamento de políticos que praticam irregularidades, em suas várias modalidades, em campanhas eleitorais. O ex-governador da Paraíba, por exemplo, perdeu o mandato por práticas atentatórias à lei eleitoral durante as eleições passadas. Cometeu abuso de poder político e de poder econômico. O governador de Tocantins, da mesma forma, cassado em julgamento recente por idênticas condutas, deve em breve ser afastado do cargo. Aguarda-se somente o trânsito em julgado da decisão, para que a Assembléia Legislativa do Estado eleja o substituto. Outros governadores de estado estão na fila para serem julgados, como é o caso do governador de Roraima, que responde por atos similares aos que levaram o governador de Tocantins à cassação.
Tramitam no TSE processos que podem conduzir à cassação de vários deputados federais e senadores, por condutas contrárias à legislação eleitoral. A jurisprudência da Corte tem se aperfeiçoado no sentido de evitar que os cassados se beneficiem da benevolência dos múltiplos recursos processuais, tornando praticamente inócua a condenação. Também tem entendido que, salvo casos de inelegibilidade, o cumprimento das decisões cassatórias de mandatos se limitem à publicação do acórdão da decisão proferida e a uma única oposição de embargos declaratórios, se não acolhidos. Vê-se, assim, que a Justiça Eleitoral tem dado sua contribuição para que expedientes escusos adotados por boa margem de políticos sejam extirpados dos costumes eleitorais.
Na última vez que estive no Senado, uma grande saudade tomou conta de mim. Quando fui senador, convivi com três colegas que me impressionaram pela firmeza de caráter e de postura moral. Foram eles Luiz Vianna Filho, Afonso Arinos de Mello Franco e Virgílio Távora, todos falecidos. Além da capacidade intelectual de que eram dotados, primavam pelo respeito ético à coisa pública. É da imagem de um Senado de homens daquele calado que o país se ressente. Vale torcer para que, na renovação de seus membros do ano que vem, ele volte a ser o do feitio daqueles homens.
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