terça-feira, julho 21, 2009

A importação de lixo

Quatro meses após a descoberta no porto seco de Caxias do Sul (RS) de 8 contêineres com lixo doméstico vindos do porto inglês de Felixtowe e três semanas depois da interceptação, no Porto de Rio Grande (RS), de outros 26 contêineres com o mesmo tipo de carga, num total de 670 toneladas, as autoridades alfandegárias do Porto de Santos encontraram, na semana passada, mais 25 contêineres com 300 toneladas de lixo doméstico, todos oriundos de portos europeus.

Em alguns contêineres, a carga veio descrita como polímeros de etileno para reciclagem. Em outros, veio descrita como resíduos plásticos. Mas, ao abri-los, inspetores alfandegários, fiscais da Receita Federal e técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ibama constataram que eles continham materiais altamente tóxicos e nocivos, como pilhas, sacos de supermercado, seringas usadas, embalagens de preservativos e cartelas com medicamentos vencidos, além de latas e vidros com resíduos de alimentos, fraldas usadas e restos de travesseiros. Um dos contêineres continha brinquedos quebrados com bilhetes recomendando a distribuição para "crianças pobres do Brasil" e advertindo para a necessidade de que precisavam ser lavados, antes de serem entregues.

A primeira providência tomada pelas autoridades federais, após a interceptação dos 25 contêineres com lixo no Porto de Santos, foi notificar a empresa transportadora e autuar a empresa brasileira responsável pela importação, aplicando-lhe uma multa de R$ 155 mil e fixando o prazo de dez dias para que devolva a carga ao país de origem. Ao mesmo tempo, a Polícia Federal (PF) determinou a abertura de uma investigação, para apurar se as empresas brasileiras envolvidas nesse tipo de operação comercial fazem parte de uma quadrilha internacional especializada em exportação de lixo, enquanto o Ministério Público Federal (MPF) exigiu que o Itamaraty interceda junto à chancelaria do Reino Unido para identificar as empresas britânicas que têm exportado lixo doméstico para o Brasil.

Na maioria dos países da Europa Ocidental, como é sabido, sai mais barato para as empresas mandar lixo doméstico para países pobres da África, Ásia e América do Sul, por meio de exportações fraudulentas, como as detectadas nos Portos de Rio Grande e Santos, do que investir em reciclagem, para atender às determinações legais. Desde que a União Europeia (UE) impôs uma rigorosa legislação de proteção ambiental aos 25 países-membros, criando em outubro de 2007 uma comissão para fiscalizar o cumprimento de seus dispositivos pelas pequenas e médias empresas europeias, esse tipo de expediente passou a ser utilizado em grande escala e o Brasil acabou sendo incluído no rol dos destinatários de todo tipo de lixo.

Por isso, as providências até agora adotadas pela Receita Federal, pela Anvisa e pelo Ibama com o objetivo de obrigar as empresas importadoras a devolver para a Inglaterra o lixo importado, apesar de importantes, não são suficientes. Os técnicos da Receita Federal, do Ibama e da Anvisa reconhecem que a implementação das medidas adotadas depende de procedimentos burocráticos complexos, tal o número de órgãos governamentais envolvidos. E as cúpulas do MPF e da PF afirmam que só poderão adotar providências legais e judiciais mais rigorosas depois de identificar os importadores, os intermediários, as transportadoras e os exportadores envolvidos no esquema, o que deve levar tempo. Até o momento, foram identificadas apenas duas empresas importadoras, ambas sediadas em Bento Gonçalves (RS). Enquanto isso, os contêineres com lixo doméstico importado retidos nos Portos de Rio Grande e de Santos e no porto seco de Caxias do Sul permanecerão lacrados em áreas isoladas. Devem permanecer assim até a sua devolução aos países de origem.

Diante da gravidade do problema, que põe em risco a saúde da população e desmoraliza a legislação brasileira de proteção ambiental, é preciso, além das medidas já tomadas, uma atuação mais firme do Itamaraty. A importação de lixo doméstico não é só um problema legal e policial. É, também, um problema diplomático.

Fonte: O Estado de S. Paulo.

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