Nem que a disposição fosse a de se lixar para a opinião pública, o senador Paulo Duque (PMDB-RJ) estaria credenciado para presidir o Conselho de Ética do Senado Federal no julgamento do presidente da Casa, José Sarney, de quem é colega também de partido. O ex-deputado estadual fluminense não vence uma eleição desde 1994 e não precisou de um só voto para assumir o atual mandato. Chegou à Câmara Alta graças ao prestígio alheio, após o titular da cadeira, Sérgio Cabral, se eleger governador do Rio de Janeiro e nomear o primeiro suplente, Régis Fichtner, para o Gabinete Civil.
Segundo reserva, Duque entrou em campo esnobando a mídia e fazendo pouco caso do caminho usado até o poder. “A imprensa jamais me procurou para saber se eu era ou não suplente. Depois que acontece a possibilidade de um suplente assumir é que vão dizer que o processo não é de direito?” A frase, de 2006, somada à atual manifestação de que não está preocupado com a opinião pública — “é muito volúvel, flutua” —, é reveladora da coerência do senador. O problema são os valores com os quais ele costuma ser coerente. A denúncia de empreguismo no Senado, por exemplo, julga uma banalidade e justifica ter ele próprio empregado “mais de 5 mil pessoas” ao longo da vida pública.
Se são essas as credenciais para presidir o Conselho de Ética do Senado — e Duque foi eleito com 10 votos a favor, quatro em branco e uma abstenção —, no da Câmara dos Deputados não foi diferente na escolha do relator do caso Edmar Moreira (sem partido-MG). Sérgio Moraes (PTB-RS) assumiu o posto com a mesma postura, ou descompostura, dizendo estar se “lixando para a opinião pública”. Não deu outra. O parlamentar mineiro, dono de um castelo de R$ 25 milhões, que confessou ter repassado R$ 230,6 milhões de verba indenizatória a empresas de sua propriedade em pagamento a serviços de segurança (cuja prestação não foi comprovada) para ele próprio, terminou absolvido.
A reincidência preocupa e incomoda. Há três denúncias e uma representação contra Sarney no Conselho de Ética, para que se investigue, em especial, a edição de 663 atos secretos pela Mesa Diretora da Casa, nos últimos 14 anos, além de suposto desvio de dinheiro público pela fundação que leva o nome do presidente do Senado. Mais do que o julgamento de um parlamentar, está em questão a conduta ética da instituição. Duque tem a prerrogativa de rejeitar sumariamente os processos. Marcou a eleição do vice-presidente e o início dos debates para 8 de agosto, uma semana depois do fim do recesso, mas já antecipou considerar “uma bobagem” os tormentos em relação aos atos secretos, embora a administração pública seja obrigada pela Constituição a dar publicidade a suas decisões.
Um senador da República jamais poderia se lixar para a opinião pública, menos ainda ignorar a Carta Magna. Fica patente, pois, que Paulo Duque não está à altura da missão que lhe foi confiada. Estarrece ver políticos que apequenam o parlamento serem escolhidos pelos pares para conduzir julgamento ético. Assusta ver a prática se repetir. O Congresso Nacional precisa se dignificar perante a nação. Falta a seus membros a noção de que, por baixo da lama que ora a mancha, está uma instituição da grandeza do regime democrático a duras penas reconquistado pelo país em passado recente.
Fonte: Correio Braziliense.
Nenhum comentário:
Postar um comentário