segunda-feira, agosto 10, 2009
Arbitragem contratada por Eletronorte pode gerar perda de R$ 150 milhões
Jailton de Carvalho
Recurso foi pedido pela Alstom, multada pela estatal por atraso em Tucuruí
BRASÍLIA. Na contramão de pareceres técnicos, a diretoria da Eletronorte decidiu contratar uma comissão externa de arbitragem para julgar a validade de uma multa de R$ 25,8 milhões aplicada contra a Alstom, líder do consórcio encarregado da construção da usina de Tucuruí, no Pará. Recurso inédito na história de hidrelétricas no país, essa arbitragem foi pedida pela Alstom no fim do mês passado, quando a área técnica da Eletronorte resolveu descontar o valor da multa dos repasses que faz à empresa francesa desde o início das obras. A operação é considerada de alto risco para os cofres públicos. A derrota da estatal pode significar a perda de aproximadamente R$ 150 milhões, valor das multas acumuladas pela Alstom ao longo da construção de Tucuruí, que ainda não foram pagas.
Nos próximos dias, o Tribunal de Contas da União (TCU) requisitará informações à estatal.
Em acórdãos editados nos dois últimos anos, o tribunal endossou as multas lavradas pela área técnica contra a Alstom.
Ou seja, mesmo com o aval do TCU, a Eletronorte titubeia na execução da multa.
— Esse é um assunto muito sério. Pode abrir um precedente extremamente prejudicial aos cofres públicos. Vou pedir esclarecimentos à Eletronorte.
É preciso saber se essa arbitragem externa é mesmo oportuna — disse Marinus Marsico, procurador do Ministério Público junto ao TCU.
Se caso for à Justiça, pode se arrastar por anos, diz estatal A Alstom já foi investigada na Suíça, por suspeita de pagar propinas na licitação do metrô de São Paulo.
A multa de R$ 25,8 milhões foi aplicada por fiscais da própria Eletronorte pela demora da Alstom em entregar a máquina 21, uma turbina e um gerador, da segunda etapa da construção de Tucuruí. O auto de infração foi lavrado há mais de dois anos e, desde então, a Alstom recorreu várias vezes em âmbito administrativo.
No fim de junho, após esgotadas todas as possibilidades de contestação na esfera interna, a área técnica decidiu executar a multa e glosou parte do pagamento da Alstom.
Dirigentes da empresa passaram, então, a fazer pressão política para escapar da cobrança.
Numa deliberação considerada surpreendente, a diretoria da Eletronorte resolveu acolher o pedido da Alstom de jogar a decisão final sobre a multa para um árbitro externo.
A estatal argumenta que essa é a melhor alternativa. Se o caso for levado à Justiça comum, o conflito se arrastará por longos anos sem definição. E diz que a arbitragem externa está prevista no contrato com a Alstom.
— Não podemos ficar esperando dez anos para a Justiça resolver esse contrato — sustenta um auxiliar do diretor de Engenharia da Eletronorte, Adhemar Palocci.
A estatal entende ainda que, com uma arbitragem externa, o caso seria solucionado em até seis meses. E argumenta que, se a questão fosse levada aos tribunais convencionais, a Justiça teria que contratar técnicos, também na esfera privada, para emitir parecer. Ou seja, em qualquer situação, a palavra final caberia a especialistas sem vínculos com a magistratura. Técnicos do setor ouvidos pelo GLOBO dizem que é a primeira vez que a Eletronorte aceita pedido de julgamento privado.
Para procurador, é preciso comprovar interesse público O vice-presidente da Área de Energia da Alstom, Marcos Costa, disse que não há qualquer irregularidade na contratação de arbitragem externa. Na linha da Eletronorte, diz que a arbitragem está prevista no contrato.
Costa argumenta que a obra, avaliada em R$ 2 bilhões, é complexa, por isso seriam naturais alguns atrasos. E afirma que a responsabilidade pela demora pode não ter sido apenas da Alstom, sem especificar quem seriam os outros culpados.
— Estamos contestando essa multa nos termos contratuais — afirmou Costa.
O procurador Marinus Marsico discorda dos argumentos das duas empresas. Ele lembra que, para decidir sobre qualquer operação acima de R$ 50 mil, a Eletronorte precisa do aval expresso do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. E adverte que o fato de estar prevista no contrato não habilita a estatal a recorrer à arbitragem: — É necessário o comprovado interesse público no recurso — afirma.
A controvérsia surgiu com a execução da multa de R$ 25,8 milhões pelo atraso da máquina 21. Mas a Alstom já fora multada por atrasos nas máquinas 13, 14, 17 e 20. Em valores históricos, as multas estariam em torno de R$ 50 milhões — mas, com correção, atingem R$ 150 milhões.
Em nota enviada ao GLOBO, a Eletronorte confirma a arbitragem e nega irregularidades.
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