quinta-feira, agosto 13, 2009

A Câmara, a Prefeitura e os parentes




Editorial

A Câmara Municipal de Manaus sofre mais um golpe e provoca decepção com as nomeações de parentes de vereadores para cargos na Prefeitura. Depois da publicidade dada ao fato, vereadores se apressam a uma descabida tentativa de justificar e legitimar as contratações. Realçam a competência de seus parentes para os postos.

O fisiologismo como marca de comportamento nas relações entre o Executivo e o Legislativo ganhou reforço extra com esse mais recente episódio. Legisladores, ainda que não existissem mecanismos legais, deveriam ter como princípio um outro comportamento, o de vigiar para que a impessoalidade no serviço público seja observada como norma de conduta.

Não está em discussão a competência dos parentes dos vereadores e sim o caráter que envolve tais nomeações. Tanto a prefeitura quanto a Câmara Municipal desprezaram o princípio impessoalidade que determina entre outros aspectos que “os atos do agente público obrigatoriamente deverão ter como finalidade o interesse público, e não próprio ou de um conjunto pequeno de pessoas amigas”.

É no mínimo estranho que um grupo de parentes de vereadores tenham sido contratados pela administração municipal sob a alegação de que são competentes. Uma defesa nesse nível afronta a inteligência da sociedade e provoca a revolta. Outras tantas pessoas, inteligentes, tecnicamente qualificadas, mas sem vínculo de parentesco com parlamentares e outros agentes públicos, aguardam legitimamente por uma oportunidade de trabalho.

Cabe ao Ministério Público Estadual levar adiante o compromisso assumido há dois dias de analisar tais nomeações. A sociedade aguarda uma resposta transparente e esclarecedora sobre o ato de nomeação desses servidores. A suspeição que o cerca precisa ser dissipada ou confirmada e, se assim for, que as medidas saneadoras sejam tomadas para impedir uma repetição e o entendimento de que é natural essa postura.

Ao contrário, ela é atentatória e se constitui em prática nociva à administração pública além de contrariar a exigência de modernização na gestão. Nela está embutido um vício que tradicionalmente se revela prejudicial ao interesse público, tem alto preço provoca a descontinuidade dos serviços prestados porque os postos ocupados, não raro, fazem parte de acordos políticos que podem ser rompidos a qualquer momento, desfazendo contratos para realizar novos e abrigar os contemplados da hora.

terça-feira, agosto 11, 2009

Receita fiscalizou e aprovou contas de empresas, diz defesa




Outro lado

As empresas apontadas pelo Ministério Público como fachada para a movimentação do dinheiro pago por fiéis como dízimo já foram fiscalizadas pela Receita Federal e tiveram suas contas aprovadas.

É o que afirma Arthur Lavigne, advogado dos dez líderes da Igreja Universal do Reino de Deus que foram denunciados pelo Ministério Público de São Paulo por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

Lavigne apresentou à Folha um "Termo de Encerramento de Fiscalização" da Receita Federal em que está descrita a movimentação, referente ao ano de 2005, de quatro contas da Cremo Empreendimentos S/A nos bancos do Brasil, Safra, Rural e Bradesco.

O documento é assinado pela auditora Lana Torres de Santana.

Sua conclusão é a de que "foi comprovada a origem dos recursos depositados em conta corrente". O documento descreve 22 movimentações financeiras que atingem, somadas, o valor de R$ 9.098.995,60.

De acordo com o Ministério Público, a Cremo foi uma das empresas que receberam depósitos tendo como origem o pagamento de dízimo de fiéis da igreja. A descrição feita pela Receita refere-se, na maioria das vezes, a valores recebidos por amortização de empréstimos (contratos de mútuo). A maior parte desse valor, diz a auditora, comprovado com cópia de recibo de valores recebidos e contratos.

Há ainda registro de transferência de cotas da Rádio Cultura Gravataí, por R$ 21.249,99.

Questionado se tinha o mesmo documento referente à Unimetro Empreendimentos S/A (também usada de forma irregular, segundo a Promotoria), Lavigne diz que a fiscalização havia sido feita,mas não tinha o termo em mãos.

Lavigne e a advogada Fernanda Telles afirmaram que não sabem qual tipo de atividade é desempenhada pelas duas empresas. Disseram que não precisam desta informação porque a defesa se baseia apenas em informações contábeis.

Ele criticou o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda que combate a lavagem de dinheiro, por desconfiar de movimentação fiscalizada pela Receita Federal.

"A bagunça é tão grande que o Coaf, um órgão da Receita Federal [na realidade é do Ministério da Fazenda], diz que a empresa é fantasma e levanta as suspeitas. Mas a Receita faz fiscalização lá dentro da empresa e diz que há absoluta legalidade no funcionamento da empresa", disse Lavigne.

Ele negou que os bispos tenham sido usados como laranjas na compra das empresas.
"Quando foram compradas essas empresas, houve um empréstimo do exterior, comprovado, para a aquisição dessas empresas. Aquilo foi sendo pago paulatinamente. A remessa para o exterior é toda oficial, comprovada. A Receita tem conhecimento disso", afirmou.

Para o advogado, a nova denúncia do Ministério Público é "assunto requentado", por se referirem às mesmas empresas investigadas no inquérito arquivado pelo Supremo Tribunal Federal em 2006. Lavigne afirmou que a igreja e seus membros são alvo de perseguição por parte do Ministério Publico de São Paulo.

"A Receita Federal, a Procuradoria da República e o STF têm pleno conhecimento das empresas. São muitos inquéritos instaurados, mas todos arquivados. Nunca houve uma condenação."

Ele atribuiu à Promotoria o vazamento de informações à imprensa e criticou a Folha: "Volta e meia o Ministério Público convoca a Folha para dizer o que descobriu. Mas republicamos mesmos contratos de mútuo [empréstimos]".

Réus atuaram em outras empresas ligadas ao grupo




Além de Edir Macedo, líder da Igreja Universal e dono da TV Record, há outros nove réus no processo criminal aberto na 9ª Vara Criminal em São Paulo por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

Todos, segundo o Ministério Público, contribuíram de forma decisiva para a lavagem de dinheiro dos fiéis da Universal ao "exerceram funções de comando em empresas ligadas ao grupo criminoso, em especial nas empresas Unimetro Empreendimentos S/A e Cremo Empreendimentos S/A".

Entre eles está Honorilton Gonçalves, vice-presidente da área artística da Record e presidente de fato da emissora. Bispo licenciado da Igreja Universal, Gonçalves foi diretor da Unimetro Empreendimentos S/A entre 1998 e 1999.

Outro réu é o ex-deputado federal João Batista Ramos da Silva, que dirigiu a Cremo Empreendimentos. Silva foi detido em 2005, no Aeroporto de Brasília, momentos antes de embarcar em um jatinho particular, transportando sete malas com aproximadamente R$ 10 milhões, em uma aeronave Citation X, da Universal.

O atual diretor da Cremo, Veríssimo de Jesus, e os ex-diretores Alba Maria da Costa, Edilson da Conceição Gonzales, João Luiz Dutra Leite e Maurício Albuquerque e Silva também são réus. Assim como o atual diretor da Unimetro Empreendimentos, Jerônimo Alves Ferreira, e o ex-diretor Osvaldo Sciorilli.

Todos foram convocados para prestar depoimento à polícia de São Paulo, onde foram defendidos pelo advogado Arthur Lavigne. Macedo não compareceu, alegando motivos pessoais.

Em 1999, a Folha já revelara a existência de empresas da Universal em paraísos fiscais.

À época, Investholding e a Cableinvest já eram representadas no Brasil por Alba Maria Silva da Costa e Osvaldo Sciorilli, então executivos da Universal em São Paulo.

Entre os demais sócios da Unimetro estavam os bispos Honorilton Gonçalves, João Batista Ramos (então presidente da Rede Família e da Rede Mulher), Marcelo Crivella (hoje senador) e Sérgio Von Helde -que ficou famoso por ter chutado a imagem de Nossa Senhora Aparecida na TV.

Doações originaram patrimônio, diz acusação




A denúncia feita pelo Ministério Público de São Paulo levantou o patrimônio construído pela Igreja Universal em seus 32 anos de existência.

Ele seria composto por 23 emissoras de TV e 42 emissoras de rádio, quatro firmas de participações, uma agência de turismo, uma imobiliária, uma empresa de seguro de saúde, duas gráficas, uma gravadora, uma produtora de vídeos, uma construtora, uma fábrica de móveis e duas financeiras.

A igreja teria ainda uma empresa de táxi aéreo de nome Alliance Jet, que possui três aviões, um deles adquirido em 2007 por US$ 28 milhões.

A descrição feita pela denúncia confirma a existência do conglomerado empresarial em torno da Universal descrito em reportagem publicada pela Folha em dezembro de 2007.

Segundo a denúncia, há indícios de que a maior parte dos recursos usados para comprar o patrimônio da Record teve como origem doações de fiéis.

Diz a denúncia: "Aproveitando-se da imunidade tributária estabelecida pela Constituição Federal aos templos de qualquer culto, os denunciados passaram a utilizar-se da Igreja Universal do Reino de Deus em benefício próprio, captando os valores dos dízimos, ofertas e contribuições dos membros da igreja e fiéis... e investem em bens particulares, como imóveis, veículos ou joias".

Ocultação
Edir Macedo e os outros dez denunciados também são acusados pelo Ministério Público de São Paulo de falsificação de documentos e de se utilizarem de laranjas para ocultar a titularidade de seus bens.

A denúncia traz o depoimento de Marcelo Nascente Pires, ex-bispo de confiança de Edir Macedo, que, a pedido do líder da Universal, comprara ações da TV Itajaí, emissora da Rede Record em Santa Catarina.

Relata a denúncia que, após Pires romper com a Universal, uma falsa procuração em seu nome foi apresentada na Junta Comercial de Santa Catarina. Nela, Pires supostamente transferia todos os poderes para Edir Macedo.

"Através de exame pericial, foi constatado que os dados estampados entre as 15ª e 18ª linhas do instrumento procuratório foram inseridos em segunda assentada, sendo que os dados incluídos possuíam conteúdo diverso do que deveria ser escrito", diz a denúncia.

"Como resultado da operação criminosa, em 27 de novembro de 2001 foram promovidas as alterações no contrato social da empresa TV Vale do Itajaí Ltda., resultando na exclusão de Marcelo Nascente Pires e na inclusão de Honorilton Gonçalves da Costa."

De acordo com a denúncia, há indícios de que algo semelhante teria ocorrido com outras empresas ligadas à Igreja Universal.

"Há nos autos cópia de contrato particular de cessão de direitos celebrado por Odenir Laprovita Vieira e Edir Macedo, em que Laprovita transfere em caráter irrevogável e irretratável a Edir Macedo todas as ações da Rádio e TV Record S.A. (São Paulo), TV Record de Franca S.A. e TV Record de Rio Preto S.A. O contrato apresenta data em branco e encontra-se assinado tão somente pelo cedente."

Juiz acata denúncia contra líder da Universal




Edir Macedo e mais 9 são réus em processo por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro; defesa diz que igreja é perseguida

Dados do Coaf apontam que as transferências atípicas e os depósitos bancários em espécie da igreja somaram R$ 8 bilhões de 2001 a 2008

A Justiça recebeu ontem denúncia do Ministério Público de São Paulo e abriu ação criminal contra Edir Macedo e outros nove integrantes da Igreja Universal do Reino de Deus sob a acusação de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

A denúncia, aceita pelo juiz Glaucio Roberto Brittes, da 9ª Vara Criminal de São Paulo, resulta da mais ampla apuração sobre a movimentação financeira da igreja já feita em seus 32 anos de existência.

Iniciada em 2007 pelo Ministério Público de São Paulo, a investigação quebrou os sigilos bancário e fiscal da Universal e levantou o patrimônio acumulado por seus membros com dinheiro dos fiéis, entre 1999 e 2009 -embora não paguem tributos, igrejas são obrigadas a declarar doações que recebem.

Segundo dados da Receita Federal, a Universal arrecada cerca de R$ 1,4 bilhão por ano em dízimos. As receitas da igreja superam as de companhias listadas em Bolsa -e que pagam impostos-, como a construtora MRV (R$ 1,1 bilhão), a Inepar (R$ 1,02 bilhão) e a Saraiva (R$ 1,09 bilhão).

Somando-se as transferências atípicas e os depósitos bancários em espécie feitos por pessoas ligadas à Universal, o volume financeiro da igreja no período de março de 2001 a março de 2008 foi de cerca de R$ 8 bilhões, segundo informações do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda que combate a lavagem de dinheiro.

A movimentação suspeita da Universal somou R$ 4 bilhões de 2003 a 2008.
A denúncia foi assinada pelos promotores Everton Luiz Zanella, Fernanda Narezi, Luiz Henrique Cardoso Dal Poz e Roberto Porto.

Reportagem da Folha publicada em dezembro de 2007 revelava o patrimônio da Igreja Universal do Reino de Deus acumulado em mais de 30 anos -o que incluía um conglomerado empresarial em torno dela. Após a publicação, fiéis da igreja entraram com ações por dano moral contra o jornal, no país todo (leia texto abaixo.

O xis do problema, para os promotores, não reside na quantia de dinheiro arrecadado, mas no destino e no uso que lhe foi dado pelos líderes da igreja no período investigado. Um grande volume de recursos teria saído do país por meio de empresas e contas de fachada, abertas por membros da igreja, e foi depois repatriado também por empresas de fachada, para contas de pessoas físicas ligadas à Universal.

Os recursos teriam servido para comprar emissoras de TV e rádio, financeiras, agência de turismo e jatinhos.

Para a investigação, isso fere dois princípios legais.

Empresas privadas pagam impostos porque o propósito de suas existências é o lucro. Igrejas, pela lei brasileira, não pagam tributos porque suas receitas, em tese, revertem para o exercício da fé religiosa, protegida pela Constituição.

Quando o dinheiro oriundo da fé é desviado para comprar e/ou viabilizar empresas tradicionais, que têm o lucro como finalidade, a imunidade tributária está sendo burlada.

O outro problema, com base na denúncia, diz respeito ao direito dos fiéis da Universal a que os recursos revertam para a igreja. O uso de recursos para outras atividades seria um desvio de finalidade, do qual fiéis e a Universal seriam vítimas.

Depósitos atípicos
Segundo o Ministério Público de São Paulo, os recursos da Universal eram transportados em jatinhos e foram depositados em contas definidas pelos bispos, principalmente no Banco do Brasil e no Banco Rural.

Duas empresas que seriam de fachada recebiam o grosso dos depósitos, segundo a denúncia -a Unimetro Empreendimentos S/A e a Cremo Empreendimentos S/A.

"As empresas Unimetro e Cremo não apresentaram qualquer movimentação que indicasse atividade de comércio. De fato, trata-se de empresas de fachada", relata a denúncia. As duas empresas encontram-se instaladas no mesmo endereço, que também consta como sede da Clínica Santo Espírito. Nenhuma apresenta qualquer indício de atividade comercial, dizem os promotores.

Entre janeiro de 2004 e dezembro de 2005, a Unimetro recebeu em duas contas, no Banco do Brasil e no Banco Rural, um total de R$ 19,2 milhões. Em sua grande maioria, a movimentação foi proveniente de transferências eletrônicas.

A empresa Cremo, no mesmo período, totalizou R$ 52,1 milhões em créditos em três contas, no Banco do Brasil, Banco Rural e Banco Safra.

As duas empresas remetiam os recursos, por sua vez, às companhias Investholding Limited e Cableinvest Limited, localizadas em paraísos fiscais (ilhas Cayman e ilhas do Canal, respectivamente).

O dinheiro retornava ao país em forma de contratos de empréstimos a laranjas, usados para justificar a aquisição de empresas e imóveis ligados à Universal, segundo a denúncia.

Descreve o texto da promotoria: "Podemos citar como exemplo a compra da TV Record do Rio de Janeiro. A empresa foi adquirida em nome de seis membros da Igreja Universal do Reino de Deus, que justificaram a origem da transação (avaliada em US$ 20 milhões) através de empréstimos junto às empresas Investholding e Cableinvest". Outro exemplo usado na denúncia é o da TV Itajaí, também comprada com recursos oriundos da Cremo.

As remessas de dinheiro da Investholding foram feitas de agências do Banco Holandês Unido, em Miami e Nova York.

As remessas da Cableinvest teriam se dado de forma distinta. Os dólares foram levados até a Cambio Val, uma das maiores casas de câmbio do Uruguai, e trocados por moeda brasileira.
Em 1992, a Investholding remeteu ao menos US$ 6 milhões para o Brasil. De 1992 a 1994, a Cableinvest trocou US$ 11,96 milhões por moeda nacional na casa de câmbio Val, no Uruguai. A origem de todo esse dinheiro foram os dízimos dos fiéis, sustenta a denúncia.

segunda-feira, agosto 10, 2009

Entrevista Ciro Gomes

''Marina implode candidatura Dilma''

Valor

O deputado Ciro Gomes (PSB-CE) considera hoje o risco de derrota do governo nas eleições presidenciais de 2010 "muito maior" do que a possibilidade de vitória. Como sinal da fragilidade da estratégia do Palácio do Planalto, cita o potencial de estrago de uma possível candidatura da senadora Marina Silva (PT-AC) à Presidência da República. Se aceitar o convite do PV e entrar na disputa, Marina, na opinião de Ciro, "implode" a candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).

Ciro ainda não decidiu se vai concorrer a presidente ou a governador de São Paulo. Acha que a decisão só deve ser tomada em abril de 2010, após análise da evolução do processo eleitoral. A prioridade, diz ele, continua sendo a Presidência da República. Não descarta a disputa ao governo de São Paulo, desde que isso faça parte de uma estratégia nacional para dar continuidade ao projeto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas, se decidir concorrer ao governo de São Paulo, Ciro avisa que não vai cumprir a "tarefa mesquinha de atacar" José Serra, a quem avalia como "um grande governador", embora mantenha as críticas à sua participação no governo Fernando Henrique Cardoso.

Em entrevista ao Valor, Ciro diz que as pesquisas mostram a limitação da transferência de voto de Lula a Dilma. Prevê que, na campanha, ela terá dificuldades de defender os avanços necessários ao país. Sobre a crise do Senado, situa o senador José Sarney (PMDB-AP) apenas como "parte" do problema.

"O problema é a hegemonia moral e intelectual frouxa que preside hoje o Congresso brasileiro. Não é só o Senado não", diz.

Na quarta-feira da semana passada, depois de conversar com Lula, o presidente do PSB, governador Eduardo Campos (PE), reuniu-se com Ciro, o secretário-geral do PSB, senador Renato Casagrande (ES), e o primeiro vice-presidente, Roberto Amaral.

Avaliaram que o processo sucessório está incerto e a evolução da candidatura Dilma é uma incógnita. Por isso, o partido ainda não deve abrir mão, a mais de um ano da eleição, da possibilidade de Ciro ser lançado candidato a presidente. Parte do PSB acha que Lula não deve colocar todas as fichas num candidato só.

Essa avaliação deverá ser levada para Lula no encontro de quarta-feira, do qual o PT também participará. Segundo Ciro, não há chance de a questão da disputa ao governo de São Paulo ser decidida na reunião. A seguir, a entrevista.

Valor: As articulações em torno da possibilidade de sua candidatura ao governo paulista cresceram. Sua opção hoje é a Presidência da República ou São Paulo?

Ciro Gomes: A Presidência. Claramente. Sem qualquer tipo de dubiedade e vacilação. Agora nós compreendemos que está em jogo o futuro do Brasil. E o futuro do Brasil exige que todas as pretensões pessoais e partidárias, legítimas que sejam, sejam postas em segundo plano. Nossa avaliação unânime no PSB é que, da forma como as coisas estão postas, hoje a tendência é que esse projeto que defendemos está ameaçado de perder as eleições.

Valor: De que coisas o senhor fala?

Ciro: A se dar crédito à notícia média dominante de que o presidente Lula resolveu escolher a Dilma candidata, compor a chapa com o PMDB e convocar os correligionários, parceiros e aliados para um plebiscito contra o candidato do PSDB, que hoje seria o governador José Serra, achamos que o risco de perder a eleição hoje é muito maior do que a possibilidade de ganhar.

Valor: Por que?

Ciro: Há um conjunto de fatores. Primeiro, fadiga de material. Segundo, as contradições, que não são pequenas, desta coalizão PT-PMDB. Essa crise do Senado é só uma caricatura disso. Só quem suporta isso é o Lula, porque tem um capital político único. O risco de perder a eleição é real nessas bases, como de ingovernabilidade para qualquer um de nós, sem o capital político e a interação que o presidente Lula tem com a população. Isso guarda coerência com a história do Brasil. Juscelino não fez o Lott [marechal Henrique Lott, ministro da Guerra no governo Juscelino Kubitschek e candidato a presidente derrotado, em 1960, por Jânio Quadros, candidato da oposição]. Não fez o sucessor, tendo sido o presidente mais popular do país. E as pesquisas são eloquentes na indicação do que estou querendo dizer.

Valor: Mostrando dificuldades da candidatura da ministra?

Ciro: Claramente, porque há um limite para essa coisa da transferência de voto. A eficiência da transferência dos 70% de apoio ao Lula a ela está pela metade. Então, ela pode ir a 35%. Tudo bem, é muita coisa. A Dilma tem grandes virtudes, vai agregar outros atributos além do apoio do Lula. Não tem nenhuma crítica a Dilma. Pelo contrário. Ela é uma pessoa maravilhosa, perfeitamente votável para qualquer tarefa. A questão é que o Brasil mudou. É uma questão delicada, porque somos parceiros. Mas queremos que o presidente nos ouça e pense no que vamos dizer para ele. Eu, especialmente, falarei com a maior clareza e franqueza, porque acho que é um momento crítico para o Brasil. Está marcada uma grave crise política em 2010.

Valor: O senhor pode explicar?

Ciro: É uma maioria amorfa a que temos na base aliada do Congresso e na coalizão partidária, cujo cimento é fisiologia, clientelismo e, infelizmente, muita corrupção. Isto é compensado pela exuberância do Lula, da liderança legítima que ele tem. Qualquer outro vai viver essa crise, se começar em cima de uma estrutura esclerosada como essa, sem renovação, sem nova utopia, sem novos projetos, sem uma nova agenda. O PMDB tem cinco ministros, tem o presidente da Câmara e do Senado e está com Lula. Se o Serra ganhar, no dia seguinte essa gente vai aderir a ele contra seis ministérios, presidência do Senado, da Câmara, do Supremo, da CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil]. A governabilidade será garantida, mas mediante a manutenção desta hegemonia moral e intelectual fisiológica e clientelista.

Valor: Como é que a crise do Senado, que atinge o senador José Sarney (PMDB-AP) e divide a base, pode ser interpretada nesse contexto?

Ciro: Revela com grande força caricatural o que estou tentando dizer. Este segundo semestre será tumultuado para nós. Hoje tem essa novela em cima do Senado e do Sarney. Acabando essa novela, tendo acumulado um desgaste, vem a novela da Petrobras, que será muito quente. Depois virão outros. Vai estourar em 2010. O Lula já precificou isso e aguenta. Está provado. Ele defende o Sarney e aguenta. Defende o Renan e aguenta. Confraterniza com Collor e aguenta. Quero saber se eu aguento, se o Serra aguenta, se a Dilma aguenta. Ninguém mais aguenta.

Valor: O PSB liberou seus senadores para tomar a posição que considerar conveniente na crise do Senado. O senhor acha que o senador Sarney deve ser defendido?

Ciro: Não me sinto obrigado a isso. Apenas lembro que Sarney não é o problema. Pode ser parte dele. O problema é a hegemonia moral e intelectual frouxa que preside hoje o Congresso brasileiro. Não é só o Senado não.

Valor: Essa avaliação sobre os problemas da coalizão será feita ao presidente na reunião desta semana, da qual o PT vai participar?

Ciro: Algumas coisas direi a ele só pessoalmente. Essa questão é a pragmática. Mas tem uma outra, não menos grave, ou mais grave ainda, que deriva de uma constatação que eu tenho de que a presença do Lula no governo brasileiro melhorou o Brasil em todos os aspectos, sem exceção de nenhum. Porém, essa é uma constatação que se faz olhando para o retrovisor. Ou seja, comparado com o que era, tudo melhorou. Porém, o que vai estar em discussão em 2010 não é o Lula, não é a avaliação do Lula, é o futuro do país. E aí você tem graves problemas. Primeiro, o presidente conciliou, na minha opinião de forma muito frouxa, o segundo mandato, para esconjurar essa escalada golpista que o ameaçou no primeiro mandato, e não conseguiu institucionalizar nenhum dos grandes avanços que promoveu.

Valor: Quais foram?

Ciro: Só para citar os mais importantes para a vida do povo: a política de salário mínimo, a estratégia da Petrobras, as políticas compensatórias, a política de crédito (saiu de 13% para 43% a proporção de crédito no PIB brasileiro). Mas era o Lula contra o governo. Nada disso é institucional. A segunda questão é o avanço. É natural um governante, tanto mais do principal partido da esquerda brasileira que está no governo há oito anos, perder um pouco a energia de propor reformas e mudanças. É quase uma contradição em termos. Como é que a Dilma vai falar em mudança, se ela é a continuação? E a questão é: o Brasil pode parar? A educação pública está boa? A saúde pública está boa? A segurança do povo está boa? A mobilidade urbana nas cidades está boa? As essencialidades da vida do povo estão boas? A proporção de manufaturados na plataforma de exportação, a velocidade com que o Brasil supera seu hiato tecnológico-científico está correta? São essencialidades. E aí você pode correr o risco - provavelmente estamos já correndo o risco - de a turma que quer voltar ao passado, a turma do Fernando Henrique, assumir esse discurso. Mais do que o pós-Lula: a reforma, a ética, a eficiência do serviço público, as mudanças que o país precisa... Não é uma mudança para negar nada do Lula. É uma mudança que só se viabilizará porque o Lula avançou extraordinariamente.

Valor: O senhor acha que a ministra Dilma não teria condições de conduzir esses avanços?

Ciro: A Dilma pode. Qualquer um de nós pode. A questão é que tipo de coalizão política, que tipo de debate será feito. Nossa preocupação no PSB é que ela terá grandes dificuldades. Veja como seria, de forma caricata, esse debate: a Dilma, que tem todos os dotes para isso, pode dizer que o Brasil precisa manter o que está bom e avançar em tais e tais mudanças. O Serra, de lá, diz: ´vocês tiveram oito anos, por que não fizeram?´ Aí ela responde de cá: ´e porque vocês em oito anos não fizeram?´.

Valor: O senhor acha, então, que o presidente está errando na estratégia da sucessão?

Ciro: Vou refletir sobre a notícia média. Acho que ele está fazendo de forma genial certo. Por que? Ponto número 1: na contramão da tradição de todo governante, que quer postergar sua sucessão, o Lula antecipou ineditamente. Porque ele, mais do que ninguém, conhece o PT. Se ele não põe a mão numa pessoa que pode dispor politicamente como aliada, para ficar ou para sair, para compor ou descompor, para brigar ou para conciliar, uma hora dessa os diversos grupos em que se reparte o PT estariam tentando, com dossiês e caneladas por baixo da mesa, impor ao Lula nomes. Segundo: naquela data, quando ele fez isso, havia uma cogitação de terceiro mandato. Ele nunca quis, nunca pediu, mas imaginou a possibilidade. Ele era obrigado a imaginar isso. Tinha que ter uma candidatura que poderia, amanhã, dizer que houve uma mudança constitucional e que tenho dever com o país de continuar.

Valor: Com o senhor sendo vice da ministra, mudando o perfil da chapa, seria mais fácil assumir o discurso da mudança?

Ciro: Eu acho temerário. Não há razão, do meu ponto de vista, para que se ponha o país no risco de um mano a mano para deslindar essas coisas no primeiro turno.

Valor: Qual seria o efeito da entrada da senadora Marina Silva (PT-AC) na disputa?

Ciro: Esta variável nova mostra as dificuldades (da candidatura governista) com precocidade. Está na mão da Marina. Se ela aceitar a convocação do PV, ela implode a candidatura da Dilma. Implode. Então, tem muitas variáveis por acontecer. O Serra recua ou não recua? A Marina é candidata ou não?

Valor: É por isso que o senhor diz que a decisão do PSB sobre a candidatura presidencial ou o governo do Estado não deve ser tomada agora?

Ciro: Essa é a posição do PSB. Nós nos reunimos ontem à noite (quarta-feira), fizemos uma avaliação e há uma convergência de percepção do momento. Todos nós achamos que o tempo é essencial para que a gente deslinde essa vontade que nós temos de convergir com o Lula nesta ou naquela direção. Há um ano eu disse que a tendência era a gente perder a eleição. E essa tendência está se consolidando. Há um passo que está na mão do PSDB, que é o Serra resolver ser candidato à reeleição em São Paulo e apoiar o Aécio. Nesse caso, a eleição está perdida, na minha opinião. É simples entender. Não é profecia. O Serra apoiar o Aécio significa que recuou voluntariamente. Dá vitória para Aécio em São Paulo. O Aécio sai com 80% em Minas - que o Serra não tira nem com apoio do Aécio - e entra mais fácil no Rio de Janeiro, no Norte e no Nordeste. E no Sul os níveis de aprovação do governo Lula estão bem mais baixo.

Valor: Em que condições o senhor disputaria o governo de São Paulo?

Ciro: Eu estou com a vida ganha. Não preciso ser candidato a nada. Posso ser candidato a presidente ou cumprir uma tarefa como candidato a governador do Rio ou São Paulo - mas desde que seja dentro de uma estratégia que consulte o melhor interesse do povo brasileiro. Senão eu não topo. A prioridade do partido é a Presidência. Eu não sou candidato a governador de São Paulo. Nunca pretendi. Considero extremamente honroso a lembrança do meu nome, um desafio que não sei sequer se estou à altura, e cumpro tarefas.

Valor: Como, por exemplo, disputar em São Paulo para minar a candidatura de Serra a presidente?

Ciro: Quero dizer isso formalmente: se engana redondamente quem imagina que eu, eventualmente aceitando o desafio de ser candidato a governador de São Paulo, vou cumprir uma tarefa mesquinha de atacar o Serra. Ao contrário: acho ele um grande governador. Já estou adiantando aqui: acho ele um grande governador. E acho que deveria continuar governador. Acho que seria um péssimo presidente da República, não porque tenho animosidade pessoal, mas porque foi ministro do Planejamento por quatro anos do governo FHC, data na qual o país quebrou, a divida pública quase dobrou, a carga tributária explodiu. Depois foi ministro da Saúde e não fez rigorosamente nenhuma transformação institucional, como, a rigor, nós também não fizemos.

Valor: O senhor tem até o fim de setembro para trocar o domicílio eleitoral do Ceará para São Paulo, se quiser disputar a eleição lá. Pode disputar governo, Presidência ou qualquer outro mandato. O senhor admite como opção candidatar-se novamente a deputado federal para puxar uma grande bancada?

Ciro: Não serei. E ponto final.

Valor: Qual a chance de sua candidatura a governador do São Paulo ser definida na reunião desta semana?

Ciro: Nenhuma chance. Pode botar isso com exclamação. E a remota chance de eu ser candidato a governador de São Paulo exige que eu entenda de que grande projeto nós estamos falando.

Arbitragem contratada por Eletronorte pode gerar perda de R$ 150 milhões




Jailton de Carvalho

Recurso foi pedido pela Alstom, multada pela estatal por atraso em Tucuruí

BRASÍLIA. Na contramão de pareceres técnicos, a diretoria da Eletronorte decidiu contratar uma comissão externa de arbitragem para julgar a validade de uma multa de R$ 25,8 milhões aplicada contra a Alstom, líder do consórcio encarregado da construção da usina de Tucuruí, no Pará. Recurso inédito na história de hidrelétricas no país, essa arbitragem foi pedida pela Alstom no fim do mês passado, quando a área técnica da Eletronorte resolveu descontar o valor da multa dos repasses que faz à empresa francesa desde o início das obras. A operação é considerada de alto risco para os cofres públicos. A derrota da estatal pode significar a perda de aproximadamente R$ 150 milhões, valor das multas acumuladas pela Alstom ao longo da construção de Tucuruí, que ainda não foram pagas.

Nos próximos dias, o Tribunal de Contas da União (TCU) requisitará informações à estatal.

Em acórdãos editados nos dois últimos anos, o tribunal endossou as multas lavradas pela área técnica contra a Alstom.

Ou seja, mesmo com o aval do TCU, a Eletronorte titubeia na execução da multa.

— Esse é um assunto muito sério. Pode abrir um precedente extremamente prejudicial aos cofres públicos. Vou pedir esclarecimentos à Eletronorte.

É preciso saber se essa arbitragem externa é mesmo oportuna — disse Marinus Marsico, procurador do Ministério Público junto ao TCU.

Se caso for à Justiça, pode se arrastar por anos, diz estatal A Alstom já foi investigada na Suíça, por suspeita de pagar propinas na licitação do metrô de São Paulo.

A multa de R$ 25,8 milhões foi aplicada por fiscais da própria Eletronorte pela demora da Alstom em entregar a máquina 21, uma turbina e um gerador, da segunda etapa da construção de Tucuruí. O auto de infração foi lavrado há mais de dois anos e, desde então, a Alstom recorreu várias vezes em âmbito administrativo.

No fim de junho, após esgotadas todas as possibilidades de contestação na esfera interna, a área técnica decidiu executar a multa e glosou parte do pagamento da Alstom.

Dirigentes da empresa passaram, então, a fazer pressão política para escapar da cobrança.

Numa deliberação considerada surpreendente, a diretoria da Eletronorte resolveu acolher o pedido da Alstom de jogar a decisão final sobre a multa para um árbitro externo.

A estatal argumenta que essa é a melhor alternativa. Se o caso for levado à Justiça comum, o conflito se arrastará por longos anos sem definição. E diz que a arbitragem externa está prevista no contrato com a Alstom.

— Não podemos ficar esperando dez anos para a Justiça resolver esse contrato — sustenta um auxiliar do diretor de Engenharia da Eletronorte, Adhemar Palocci.

A estatal entende ainda que, com uma arbitragem externa, o caso seria solucionado em até seis meses. E argumenta que, se a questão fosse levada aos tribunais convencionais, a Justiça teria que contratar técnicos, também na esfera privada, para emitir parecer. Ou seja, em qualquer situação, a palavra final caberia a especialistas sem vínculos com a magistratura. Técnicos do setor ouvidos pelo GLOBO dizem que é a primeira vez que a Eletronorte aceita pedido de julgamento privado.

Para procurador, é preciso comprovar interesse público O vice-presidente da Área de Energia da Alstom, Marcos Costa, disse que não há qualquer irregularidade na contratação de arbitragem externa. Na linha da Eletronorte, diz que a arbitragem está prevista no contrato.

Costa argumenta que a obra, avaliada em R$ 2 bilhões, é complexa, por isso seriam naturais alguns atrasos. E afirma que a responsabilidade pela demora pode não ter sido apenas da Alstom, sem especificar quem seriam os outros culpados.

— Estamos contestando essa multa nos termos contratuais — afirmou Costa.

O procurador Marinus Marsico discorda dos argumentos das duas empresas. Ele lembra que, para decidir sobre qualquer operação acima de R$ 50 mil, a Eletronorte precisa do aval expresso do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. E adverte que o fato de estar prevista no contrato não habilita a estatal a recorrer à arbitragem: — É necessário o comprovado interesse público no recurso — afirma.

A controvérsia surgiu com a execução da multa de R$ 25,8 milhões pelo atraso da máquina 21. Mas a Alstom já fora multada por atrasos nas máquinas 13, 14, 17 e 20. Em valores históricos, as multas estariam em torno de R$ 50 milhões — mas, com correção, atingem R$ 150 milhões.

Em nota enviada ao GLOBO, a Eletronorte confirma a arbitragem e nega irregularidades.

quinta-feira, agosto 06, 2009

Desrespeito




EDITORIAL

Não há como negar fatos.

Jornalistas são perseguidos, uma das principais emissoras de TV, a RCTV, teve a concessão cassada de maneira autoritária, 34 rádios acabam de ser silenciadas e a outra estação de televisão que não segue a cartilha bolivariana, a Globovisión, foi atacada por um grupo armado do partido chavista UPV. Diante desta nova onda de cerceamento da liberdade de expressão, várias entidades internacionais — Sociedade Interamericana de Imprensa, SIP, Associação Internacional de Radiodifusão, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA — condenaram mais esta investida do governo autocrata de Chávez contra a democracia.

Até o presidente paraguaio, Fernando Lugo, simpático a Chávez, fez reparos ao que acontece na Venezuela. “Somente a diversidade de pensamentos de esquerda, de centro ou de direita pode garantir uma democracia autêntica”, comentou Lugo ao criticar o fechamento das rádios.

Mas o governo Lula teve atitude diversa. O assessor internacional da Presidência Marco Aurélio Garcia, uma espécie de “Itamaraty do B” instalado em Palácio, inclusive enxerga liberdade de imprensa na Venezuela. “Se acabou, deve ter sido depois que saí”, respondeu um irônico Garcia, recém-chegado da Venezuela, à pergunta sobre se a liberdade de imprensa havia acabado no país de Hugo Chávez.

É um escárnio, um desrespeito à inteligência alheia e ao nível de informação que se tem sobre o que de fato ocorre, e não é de hoje, na Venezuela. Talvez por cegueira militante ou efeito anestesiante dos ares de Brasília, Garcia, um escancarado defensor de Chávez pago pelo contribuinte brasileiro, considera haver liberdade de expressão na Venezuela. Com essa declaração, o assessor de Lula faz lembrar a falta de respeito com que comemorou, em meio a gestos obscenos, a notícia do “Jornal Nacional” sobre evidências de que a tragédia com o Airbus da TAM em Congonhas, onde 199 pessoas foram carbonizadas, poderia ter sido causada por problemas mecânicos. E não por falhas da Anac, àquela altura aparelhada pelo governo de que faz parte Marco Aurélio. O assessor, uma linha de comando paralela da diplomacia brasileira, é pelo menos coerente: está sempre a serviço da sua ideologia, custe o que custar, mesmo que tenha de exercer papéis deploráveis, como agora.

Chávez mandou prender a líder do ataque à Globovisión e sustar a tramitação da lei draconiana que despachou para o Congresso dominado de bolivarianos com o objetivo de reprimir, inclusive com prisão, a divulgação de notícias que desagradem ao governo. E não apenas jornalistas, mas também conferencistas que contrariem o caudilho, e assim por diante.

Mas o aparente recuo chavista não passa de cortina de fumaça.

Não será a primeira vez que o caudilho parece retroceder, para depois avançar com mais truculência contra as liberdades. Lembre-se que uma proposta de mudança constitucional feita por Chávez foi derrotada em plebiscito, o que nada significou, pois ele implementou tudo que desejava de forma discricionária.

Marco Aurélio não está no Planalto por acaso, é óbvio. Ele existe porque é parte de uma corrente autoritária, antidemocrática, representada no governo.

Não faltam evidências da atuação deste lado, oculto, ou pouco exposto, da gestão Lula — mas nem por isso inativo.

Coloquem-se na mesma moldura iniciativas como a da criação da agência idealizada para, além de aumentar a carga tributária sobre as emissoras de televisão, controlar o conteúdo da produção audiovisual no país (Ancinav). Assim como a boa acolhida dada no Planalto à proposta sindical de criação do Conselho Nacional de Jornalismo (CNJ), projeto destinado a restringir a atuação dos jornalistas profissionais. As duas iniciativas foram abortadas por Lula, mas não se pode esquecer que existiram.

Deriva desta mesma cultura autoritária a intenção de censurar a publicidade, assim como intervir na distribuição de recursos das empresas que decidem destinar parte dos impostos ao financiamento de projetos culturais.

Também não passou despercebido que, no julgamento pelo Supremo da Lei de Imprensa, herança da ditadura, a Advocacia Geral da União discordou da suspensão integral da legislação.

Há inúmeros outros casos que denunciam a atuação desta corrente autoritária em Brasília. O caso de Marco Aurélio Garcia é apenas um, porém grave, porque ele fala em nome do presidente da República. Logo, salvo desmentido oficial, a posição do Brasil é que nada cerceia a liberdade de expressão na Venezuela. O Itamaraty tem de arcar com as consequências desta estapafúrdia posição.

E, no plano interno, é preciso aumentar a vigilância das instituições contra a importação contrabandeada de instrumentos chavistas de garroteamento de direitos individuais e liberdades públicas

Desoneração de CD e DVD será votada em Plenário

Proposta de emenda à Constituição visa a combater a pirataria. Medida ainda será votada no Plenário da Câmara

BRASÍLIA e RIO. Na presença de vários cantores, empresários e diretores de gravadora, deputados da Comissão Especial aprovaram ontem a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que isenta a atividade de uma série de tributos e tem o objetivo principal de reduzir os efeitos da pirataria sobre a venda de DVDs e CDs. Conhecida como PEC da Música, a proposta foi aprovada na comissão especial, mas com voto contrário da bancada do Amazonas, que teme, com o texto, prejuízos para empresas da Zona Franca de Manaus que comercializam esses produtos. O projeto segue agora para votação em plenário.

São atividades sujeitas ao alívio tributário a produção de CDs e DVDs e a comercialização eletrônica e por intermédio das operadoras de telecomunicações de arquivos digitais e música. Estão sendo zeradas as alíquotas de ICMS e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

— O setor fabricante, que também distribui a partir da Zona Franca, é o único que vê a emenda como ameaça — disse Paulo Rosa, presidente da Associação Brasileira de Produtores de Discos.

Artistas e representantes do setor acompanham votação Os defensores da proposta falavam numa redução no preço de CDs, por exemplo, próxima a 30% sobre o que é praticado hoje no mercado. Um dos autores da PEC, o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) afirmou que ontem foi um dia histórico para o mercado da música e para quem a consome no Brasil: — Todos no setor ganham com a proposta. O consumidor terá acesso a produtos bem acabados a preços mais acessíveis.

Ganha o compositor, o intérprete, o dono de gravadora e, principalmente, o brasileiro que gosta de ouvir sua música. Só temos a comemorar.

O projeto, na verdade, tem 15 autores. Leite disse que quando decidiu apresentar o texto, em 2007, escolheu líderes expressivos dos mais variados partidos para dar peso político à PEC.

Entre os autores estão os deputados Ciro Gomes (PSB-CE), José Múcio Monteiro (PTB-PE, hoje ministro das Relações Institucionais), Flávio Dino (PCdoBMA), Fernando Coruja (PPS-SC) e José Eduardo Cardozo (PT-SP).

A emenda será agora votada no Plenário da Câmara, onde terá que ser referendada por três quintos dos deputados.

Depois, ainda deverá ser aprovada no Senado, antes de receber a sanção presidencial.

Leite explicou que a lei se aplica também a músicas baixadas em arquivos digitais e em aparelhos como telefone celular.

O compositor Ivo Meireles calcula que, quando o projeto virar lei, esse custo deverá cair de R$ 1,50 para R$ 0,50.

— Para as mídias novas é necessário legislação mais adequada.

É um avanço importante — disse Ivo Meireles.

O compositor e cantor Jorge Vercillo disse não alimentar a ilusão de que a PEC acabará com a pirataria, mas acredita que ela poderá minimizar o prejuízo: — O projeto vai baratear o preço do DVD e do CD, mas acabar com a pirataria é utopia.

Além de Vercillo e Meirelles, outros artistas que acompanharam a votação foram: Sérgio Reis, a dupla sertaneja Gian e Giovani e Diego, do grupo de rock NX Zero. De acordo com o deputado Otávio Leite, Ivete Sangalo “manifestou apoio irrestrito” e disse que vai mobilizar artistas para o que deverá ser chamado Dia D da música na votação no plenário da Câmara.

Durante a votação do projeto, Lurian da Silva Sato, filha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é secretária de Assistência Social em São José (SC), apareceu no plenário e conversou com artistas e diretores.

Abordada pelo GLOBO, ela disse que só estava ali de passagem à procura de uma amiga.

— Vim a Brasília participar de um simpósio de assistência social do MDS (Ministério do Desenvolvimento Social) — disse Lurian.

Mas o presidente da Associação Brasileira de Músicos Independentes, Carlos Andrade, com quem Lurian conversou por algum tempo, afirmou que ela apoia a causa e até levaria um grupo de músicos a um encontro com Lula. A presença de Lurian foi citada pelo presidente da comissão, deputado Décio Lima (PT-SC). (Colaboraram Ricardo Calazans e Erika Azevedo).

quarta-feira, agosto 05, 2009

A culpa é da liberdade




Por Mauro Santayana

O presidente Hugo Chávez tem com o senador Fernando Collor um sentimento em comum: ambos debitam à imprensa os seus desacertos. O chefe do governo venezuelano, que vinha, não obstante seu verbo solto, contando com a simpatia dos democratas (não só dos setores de esquerda) pela sua posição de independência e pela política social que executa, começou a exasperar-se. É sempre assim que os homens de Estado perdem o seu chão.

Collor buscou arrimar o seu fardo ao do presidente Sarney, em seu benefício, ao afirmar que ambos são vítimas da mídia. Seria melhor que debitasse as agruras passadas ao próprio descuido. Podemos esquecer as personalidades que se encontram sob os refletores, para concluir que os políticos adoram a imprensa, quando ela os promove – e a detestam, quando os critica. É certo que há, neste país, exemplos de linchamento de grandes homens de Estado – como ocorreu a Getúlio Vargas – a serviço de interesses sórdidos, mediante o conluio de alguns dos senhores da mídia e alguns jornalistas. O mesmo arranjo perverso ocorreu em 1964.

Quando a liberdade de informar e de opinar é violada, instala-se o Estado policial, sucedem-se as prisões arbitrárias, os assassinatos políticos, a submissão dos juízes e, mais tarde, a recuperação, quase sempre sangrenta, da dignidade perdida. Sem a imprensa, que os promove e os critica, poucos políticos passariam de vereadores, se chegassem a eleger-se sem seu nome impresso nas folhas municipais. A imprensa muitas vezes é injusta. Como as constrói, destrói reputações. Os jornalistas, como pessoas comuns, erram frequentemente em seu julgamento, mas, nisso, não se diferenciam dos outros. Há juízes responsáveis pela condenação de inocentes e, onde há pena de morte, o Estado comete assassinatos. Os engenheiros levantam edifícios que desabam, pilotos negligentes provocam acidentes fatídicos e empresários, para ganhar dinheiro, falsificam remédios, contaminam sangue, envenenam o solo e as águas. Sendo assim, jornalistas, algumas vezes por ingenuidade, tão condenável quanto à má fé, injuriam, caluniam, difamam. Viver é muito perigoso, conforme nos adverte o cavaleiro andante Riobaldo, nos sertões de Guimarães Rosa.

Ao contrário do que se arrogam alguns de nós, não somos missionários, nem imparciais. Recebo, com tranquilidade, as críticas mais duras de muitos leitores. Alguns me pedem que amplie as ideias, esquecendo-se de que somos limitados pelo espaço. Outros registram, e com toda a razão, que não sou imparcial. Não há jornalistas imparciais e, geralmente, os mais comprometidos são exatamente aqueles que se proclamam isentos e acima de seus sentimentos. É também certo que muitos dos jornalistas guardam, na alma, a sensação de culpa por não terem apurado devidamente uma informação e contribuído para menores ou maiores atos de injustiça para com os outros. O mundo é inconcebível sem a liberdade de informação e opinião, mas jornalistas que cometam crimes devem ser punidos, conforme a lei penal.

A censura não muda a realidade; apenas a oculta. Faria melhor Chávez se pudesse contrapor-se a seus inimigos, sem fechar emissoras de rádio. Foram os meios de comunicação que o fizeram conhecido, quando tentou derrubar um governo vassalo e corrupto. Registre-se que, mais tarde, os mais importantes meios de informação, com o apoio aberto de Bush, participaram, juntamente com o grande empresariado, da tentativa de golpe contra o presidente eleito. Mas foi a imprensa que, mesmo o atacando, tornou suas ideias conhecidas e construiu seu prestígio internacional.

Ontem fez 220 anos que dois dos homens mais ricos da França, o duque d’Aguillon e o visconde de Noailles, foram mais franceses do que nobres, e propuseram à Assembléia Nacional a abolição dos privilégios, estabelecendo a igualdade de todos diante da lei. A Revolução, que começara com a Queda da Bastilha, encontrava, três semanas depois, seu segundo e forte momento, com o fim da servidão feudal. Noailles, cunhado de La Fayette, d’Aguillon e os que os acompanharam naquele voto histórico sabiam que só se salvariam, e salvariam a França, se dessem aquele passo, importante do ponto de vista da sobrevivência do Estado, mas, acima de tudo, necessário à dignidade dos homens. Naqueles meses, a liberdade de imprensa, conquistada pelos cidadãos comuns, que publicaram mais de 200 títulos de jornais em Paris, foi decisiva para a grande mudança da História.

terça-feira, agosto 04, 2009

Governo vai pagar parte do prejuízo de fundo de pensão da Varig




Renato Andrade

Pagamento faz parte de um acordo mais amplo, que envolve uma disputa bilionária entre a União e a empresa

O governo federal vai pagar parte dos prejuízos sofridos pelo Aerus, fundo de pensão da antiga Varig, resolvendo uma pendência que afeta milhares de participantes dos planos de previdência complementar da companhia, liquidados em 2006. O pagamento faz parte de um acordo mais amplo que envolve um acerto de contas entre a União e a antiga empresa. O valor total a ser pago ainda não está definido, mas fonte do governo disse ao Estado que cerca de R$ 50 milhões deverão ser liberados de imediato.

A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região em favor dos aposentados da Varig acabou pressionando a Advocacia Geral da União (AGU) a buscar a alternativa do acordo e, com isso, minimizar os prejuízos aos cofres públicos. Pesa contra o governo liminar concedida pelo TRF que manda a União pagar R$ 500 milhões em uma primeira parcela, além de assumir na integralidade os dispêndios mensais do Fundo, que são de R$ 25 milhões. O governo recorreu dessa liminar ao STF, mas recebeu sinais pessimistas.

Nos últimos meses, 8 dos 11 ministros do Supremo indicaram ao governo que a melhor saída para o impasse seria um acerto entre as partes. Como a Varig tem dívidas com o fundo de pensão de seus funcionários , o Aerus, o acerto vai garantir recursos a cerca de 20 mil aposentados e pensionistas.

A Varig tenta há anos receber do governo quase R$ 3 bilhões, que a companhia alega ter direito por conta do congelamento de tarifas determinado pelo governo entre 1985 e 1992. A União, por outro lado, afirma que a companhia deve mais de R$ 4 bilhões em tributos não recolhidos, o que tem gerado o impasse. As dificuldades financeiras vividas pela empresa antes de sua venda e posterior entrada em processo de recuperação judicial acabaram afetando o repasse de recursos para o Aerus.

Além dos questionamentos feitos pela Varig em relação aos prejuízos causados pelo congelamento de tarifas, a União também enfrenta, desde 2003, outra ação apresentada pelo próprio fundo de pensão, que questiona o não recebimento de parte dos recursos que seriam utilizados para compor seu caixa.

TERCEIRA FONTE

Quando o Instituto Aerus de Seguridade Social foi constituído, no início da década de 1980, foram estabelecidas três fontes de receita, segundo Aubiérgio Barros de Souza Filho, interventor da entidade. Além do dinheiro colocado pela patrocinadora e pelos participantes, o Aerus contaria com uma parcela de 3% da comercialização de passagens de vôos domésticos no País. O repasse desses recursos cessaria em 30 anos.

"Na época do governo Collor, em 1991, com menos de 10 anos de contribuição, por um ato unilateral, sem nenhuma base técnica, essa terceira fonte deixou de ser repassada", disse Aubiérgio. "As companhias aéreas ficaram desobrigadas de repassar o dinheiro e esse foi um dos principais motivos, talvez o principal, de uma série de desequilíbrios que os planos de previdência passaram a ter."

O Aerus administrava os dois planos de previdência complementar dos funcionários da Varig e outros 27 planos de empresas e entidades ligadas ao setor de aviação.

O TRF da 1ª Região deu ganho de causa em uma ação apresentada pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), responsabilizando a União por parte dos prejuízos do fundo. A presidência do STF, entretanto, suspendeu liminarmente a decisão. Sem o acordo, o assunto voltaria a ser discutido em plenário e poderia resultar em derrota para o governo federal.

Em março, quando a questão do ressarcimento das alegadas perdas da Varig por conta do congelamento tarifário voltaria a ser debatida pelos ministros do Supremo, a AGU pediu que o caso ficasse fora da pauta de votação para avaliação de um possível acordo entre a União, a Varig e o Aerus. Já em dezembro, a idéia de um acordo era aventada dentro do próprio STF, como frisou o presidente da Casa, ministro Gilmar Mendes, que defendeu a necessidade de se encontrar uma solução diferenciada para o caso, por conta de seu aspecto "social".

Desde abril, um grupo de representantes de diversos ministérios, coordenado pela AGU, vem analisando as ações que correm nos tribunais envolvendo o caso Varig. A decisão sobre o acordo ainda não foi comunicada ao Aerus. "Só sei que o grupo não vai pedir mais prazo, então nossa expectativa é que no decorrer desta semana ou da próxima a gente seja chamado ao menos para escutar a proposta", disse o interventor do fundo.

A presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Graziella Baggio, disse estar otimista em relação à possibilidade de uma solução definitiva para o problema. O Sindicato também não foi informado ainda pela AGU sobre o acordo. "Não tínhamos nenhuma expectativa que a proposta viesse hoje, mas acho que dessa vez, vai", disse.

A AGU espera que, com o acordo, as ações que correm na Justiça sejam retiradas. Para o interventor do Aerus, o cancelamento dos questionamentos judiciais depende do acerto a ser feito entre os envolvidos. "Esse é um princípio que rege quase todos os acordos, condição que envolve não só as empresas, mas também as ações movidas por pessoas físicas."

Anatel não consegue definir política contra abusos de operadoras de acesso à Banda Larga

Banda lenta e cara

Tecnologia

Internet ruim é resultado da dificuldade da Anatel em definir política setorial. Uma das polêmicas é a proposta de serviços de quarta geração

O consumidor está sendo prejudicado pela lentidão ou por decisões “equivocadas” da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) (1)em destravar obstáculos que impedem a expansão da banda larga. Uma das consequências é que o Brasil tem uma das piores qualidades de internet do mundo e o preço é um dos mais caros. Na comparação entre 41 países, os serviços oferecidos no país ficaram na 38ª posição. Enquanto no Japão o pacote de um mega de velocidade é vendido por R$ 1,93, no Brasil o valor é de R$ 80, em média, podendo alcançar a espantosa cifra de R$ 716 em algumas regiões (veja gráficos ao lado). Como se não bastasse, menos da metade (48,9%) dos 5.654 municípios são atendidos por operadoras de telefonia fixa e TV por assinatura.

A mais recente atuação polêmica da Anatel ocorreu na quinta-feira passada, ao colocar sob consulta pública a proposta de reserva de 140 megahertz (mhz) da faixa de 2,5 gigahertz (ghz) para a oferta dos serviços de quarta geração (4G). Até então, a faixa era destinada às empresas de TV por assinatura que operam via Serviço de Distribuição de Multiponto Multicanal (MMDS) — transmissão do sinal por micro-ondas. Se essa proposta for aprovada, as empresas de TV não terão como competir com as concessionárias no interior do país nem por MMDS — que também permite a oferta de telefonia fixa e banda larga sem fio (Wimax) — nem via cabo, já que a agência não faz leilão de novas licenças há nove anos.

“É um atraso sem justificativa. Por que não aproveitar o MMDS, que está disponível, e o Wimax, que pode ser usado imediatamente para levar banda larga a todo o Brasil a custos baixos? Por que esperar cinco anos? Há três anos pedimos homologação dos equipamentos…”, reclama Alexandre Annenberg, presidente da Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA). “Agora, ficou absolutamente claro que a Anatel optou por um modelo de oligopólio, em vez de partir para um modelo que privilegia a competição. Com 50 megahertz não se faz nada. Morre o MMDS. Ao passo que com 190mhz é possível oferecer 110, 120 canais de TV paga e o restante (da faixa) pode ser usado para serviços de voz e banda larga. Passaríamos a ter competidores fortes de triple play (pacotes que unem telefonia, TV e banda larga)”, ressalta.

No país, devido às características de dimensão continental e baixa renda, Annenberg defende que o MMDS seria a solução ideal. “O Brasil sempre criou soluções específicas que foram sucesso. Foi possível fazer isso com o carro a álcool e com o pré-pago, que caiu como uma luva no mercado e é o grande responsável pelas 160 milhões de linhas ativas no país. O MMDS está, por circunstância, no lugar certo e na hora certa”, pondera.

Competição

Luiz Henrique Barbosa da Silva, economista da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviço de Telecomunicações Competitivas (TelComp), defende a desagregação das redes das concessionárias de telefonia fixa para que outras operadoras tenham acesso e o estabelecimento de preço não seja proibitivo. Na sua visão, a Anatel também deve mudar a regulamentação para impedir que uma única empresa ou grupo concentre várias plataformas de oferta de serviços de telefonia e banda larga.

A Oi, por exemplo, além da rede de telefonia tradicional (ADSL), obteve licença para oferecer o serviço de TV paga via satélite (DTH) e via cabo, com a compra da Way, empresa que oferecia serviços de banda larga e TV por assinatura em Minas Gerais. A Telefônica, por sua vez, arrematou a operação de MMDS da TVA e tem licença de DTH e redes de fibra ótica. “Elas têm nas mãos todas as redes possíveis e imagináveis. Quem é que consegue competir?”, critica Annenberg.

A banda larga sem fio seria a melhor solução para transpor os entraves à expansão geográfica do serviço no mercado brasileiro na opinião de Eduardo Tude, presidente da Teleco, consultoria especializada em telecomunicações. “Também deveria ser adotada uma política de governo, como ocorre na telefonia fixa, de universalização do serviço, para atender os municípios onde não há competição nem oferta”, ressalta.

Defesa

Para Francisco Soares, diretor de relações governamentais da Qualcomm, fornecedor mundial de tecnologia e serviços wireless (sem fio), a inclusão da banda larga no Brasil ocorrerá a partir da banda larga móvel. “A infraestrutura fixa tem limitações. E onde existe demanda, a banda larga móvel vai chegar”, garante. O problema é o preço, mas o executivo acredita que, com o ganho de escala, essa questão será equacionada. A Qualcomm desenvolveu a tecnologia LTE, que será usada nos celulares 4G. “O LTE já está sendo testado e deve chegar ao Brasil no máximo em 2012”, observa.

A Anatel informou que a paralisação do processo de licenças de cabo deve-se, sobretudo, à contestação da metodologia de cálculo dos preços pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e ao processo de reformulação do planejamento dos serviços de TV a cabo e MMDS. A agência informou que “solucionou as pendências com o TCU e estabeleceu nova metodologia para cálculo do preço das outorgas” e que está em fase final de tramitação o planejamento serviços de TV por assinatura.

Em relação à demora para homologar os equipamentos Wimax, a Anatel informou que decidiu suspender a decisão até que seja deliberada a versão definitiva da proposta de alteração do regulamento sobre condições de uso de radiofrequências nessa faixa. A Anatel comunicou que “não há restrições na regulamentação vigente que impeçam prestadora de um serviço de televisão por assinatura deter outorga de outros serviços de televisão por assinatura”.


1 - REGULAÇÃO
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi instalada em 1997, sob o governo Fernando Henrique Cardoso. Assim como as demais agências, a Anatel foi concebida no contexto das privatizações e sob o argumento de que serviços públicos que passariam a ser explorados pela iniciativa privada necessitariam de regulação. Com a mudança de governo, a administração Lula esvaziou essas instituições por considerar que boa parte de suas atribuições deveria ser dos ministérios setoriais e não de entidades independentes, que não respondem necessariamente à orientação política de quem está no poder.

Fonte: Correio Braziliense.