terça-feira, janeiro 15, 2008

A gastança sem limites





DORA KRAMER - Dinheiro de ninguém

Como gosta de dizer o presidente Luiz Inácio da Silva, o dado concreto é o seguinte: nenhum setor do governo registra elevação de investimentos que chegue nem perto do aumento de gastos com os cartões de crédito corporativos da Presidência da República e da Esplanada dos Ministérios.

De 2006 para 2007 o incremento foi de 129%, como demonstra levantamento publicado domingo no Estado, com base nos números da Controladoria-Geral da União.

Durante o ano passado, foram R$ 75,6 milhões, dos quais R$ 58,7 milhões (75%) sob a forma de saques diretos nos caixas eletrônicos. Dinheiro vivo, em espécie, de destino questionável.

O volume é significativo, o aumento, espantoso - em 2004 o gasto foi de R$ 14,15 milhões; em 2005, R$ 21,7 milhões; em 2006, R$ 33,027 milhões -, mas, mais significativa que a quantidade é a obscuridade do uso. Parte não se sabe para onde vai, parte não se tem como fiscalizar se foi para onde deveria.

Por exemplo: quando a campeã de gastos em cartões, a ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, apresenta uma conta de R$ 171,5 mil em viagens, aí incluídas despesas com hotéis, restaurantes e aluguéis de carros, não há outro meio, a não ser a palavra dela, de saber se realmente todos os gastos guardaram relação com atividades profissionais.

Ainda que não se duvide da boa-fé da ministra, apresenta-se a impossibilidade de aceitar sem estranheza a justificativa apresentada por sua assessoria: em 2007, ela teve necessidade de “intensificar a relação com os novos governos estaduais e rediscutir políticas de promoção de igualdade racial”. Por isso, viajou mais que em 2006, quando gastou R$ 55,5 mil.

É de se perguntar: e os outros ministros, não tiveram a mesma necessidade de intensificar relações? E de que natureza foram as demandas? Quais as políticas de promoção de igualdade racial rediscutidas com os governos estaduais? Por que a ministra, em cada lugar que chega, precisa de carro alugado com motorista à disposição o dia todo? Por que não anda de táxi? De quantas reuniões em locais diferentes participa por dia?

Os gastos de Matilde Ribeiro chamam mais atenção por causa da desproporcionalidade entre eles, a produção conhecida de sua pasta e o zelo com o dinheiro público que, nesse caso, parece ser nenhum. Ela gastou sete vezes mais que o ministro da Pesca, Altemir Gregolin (R$ 22 mil), segundo colocado no ranking e outro de quem se desconhecem os feitos em prol da Nação.

E assim segue a lista, uns com mais despesas, outros com menos, todas eivadas do vício de origem maior: a liberalidade com um dinheiro tido como “de ninguém”.

O pecado mortal, porém, está naqueles 75% de gastos por meio de saques nos caixas eletrônicos. Pode até ser que os R$ 58 milhões tenham sido gastos com toda a lisura, sem desvio nem deformação alguma. Agora, como conferir se à autoridade é dado o direito sem restrição de sacar em espécie e quanto queira para fazer frente a despesas como bem entenda?

A Presidência da República argumenta que o aumento de 2006 para 2007 se deveu principalmente aos gastos da Agência Brasileira de Informações com os preparativos dos Jogos Pan-Americanos e do Ministério do Planejamento com o censo agropecuário e a contagem populacional de pequenos e médios municípios do IBGE.

Por causa dessas duas ações, os saques em espécie representaram 75% do total das despesas com cartões corporativos.

Muito bem, e no ano anterior, quando não houve censo nem Pan, como se explica que as retiradas em dinheiro tenham sido responsáveis por 63% das faturas dos cartões?

Ao que tudo indica, a explicação se dá pelo pior dos motivos: dificultar a fiscalização da prestação de contas e o exame público do detalhamento dos gastos.

Eles existem em algum lugar da administração. Mas quem tem acesso a eles a não ser o próprio governo, que até hoje não se interessou em render essa homenagem à transparência?

Neste aspecto, o Poder Legislativo não deixa de ter razão quando alega que à exposição de suas contas são feitas exigências que se dispensam ao Poder Executivo.

A verba extra de R$ 15 mil mensais dos deputados já está na internet há dois anos e o Senado agora se prepara - mediante pressão, claro - para fazer o mesmo. Não existe estratégia nem segredo de Estado que justifique o Executivo gastar R$ 75,6 milhões, sendo R$ 58,7 milhões em espécie, sem que a sociedade saiba exatamente em quê.

Nenhum argumento é aceitável, muito menos o recorrente, segundo o qual os cartões são meios ágeis de fazer frente a pequenas despesas. Urge, obviamente, uma correção de métodos. Uma alteração de princípios. Aqueles utilizados nos cartões - a falta de cerimônia com o dinheiro de todos - são os mesmos usados nos notórios convênios de ministérios, cuja execução também faz parte do mistério da volatilidade de verbas, que alarga os ralos e estreita o espaço para cortes na administração pública.

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