Daniel Dantas ergue império da pecuária
Guilherme Manechini
Daniel Dantas está investindo pesadamente na pecuária. Tornaram-se freqüentes nos últimos meses as notícias sobre a incursão do empresário, dono do banco Opportunity, na atividade, e o real tamanho da aposta, concentrada em uma região conhecida por problemas ambientais, impressiona.
Com a maior parte de suas operações no Pará, a Agropecuária Santa Bárbara, na qual o Opportunity tem participação relevante, detém, após apenas três anos de investimentos, o maior rebanho bovino do Brasil e um dos maiores do mundo, segundo analistas. Acostumado a transitar em outros campos, onde colheu altos retornos dos investimentos, polêmicas e processos na Justiça, Dantas é um investidor aplicado. Faz perguntas de veterinário e cobra resultados com argumentos técnicos.
"Ele não participa da parte executiva do dia-a-dia da empresa, mas está constantemente envolvido na estratégia. Já entende muito de gado", diz Carlos Rodenburg, presidente da Agropecuária Santa Bárbara e cunhado do banqueiro. Desde 2005, a atuação discreta - mas acelerada - da empresa nas compras de terras e gado provoca rumores e especulações. Ao Valor, Rodenburg, acompanhado pelos principais diretores da Santa Bárbara, detalhou planos e perspectivas deste que já é apontado como o principal player do ramo.
Segundo os executivos, a especulação de que a empresa tem 1 milhão de cabeças de gado é exagerada. Por enquanto, pois se depender das taxas de nascimento com base no rebanho atual, em mais três anos a marca será superada. No fim de 2007, dois anos depois de tomada a decisão de ingressar na pecuária, a Santa Bárbara abrigava em suas terras 423 mil cabeças de gado, 365% mais que na mesma época de 2006.
As taxas de nascimento para 2008 e 2009 previstas por Rodenburg são de 143 mil e 185 mil, respectivamente. "Isso se não comprarmos nada", diz. E a possibilidade de a empresa não ser compradora neste ano é considerada remota, tendo em vista a agressividade demonstrada nos últimos dois anos. Em 2007, a empresa adquiriu em leilões 4.978 touros da raça nelore. Para fontes da área, com esse apetite a Santa Bárbara ajudou a sustentar o mercado. As compras foram feitas paralelamente àquela que pode ter sido a maior inseminação já realizada no mundo - 42 mil vacas e novilhas durante o ano no total. O segmento, ainda marcado por gestões familiares, encara com ressalvas o avanço da empresa. Fazendeiros chegam inclusive a questionar a viabilidade de um rebanho tão grande.
"Eles têm muito gado para pouca terra", diz um pecuarista do sul do Pará. José Vicente Ferraz, da consultoria AgraFNP, afirma que, hoje, uma empresa com um rebanho bovino de 1 milhão de cabeças é algo sem paralelo no mundo. Ele faz, contudo, uma ressalva comum entre especialistas. "Quando o pasto é novo, há uma capacidade de suporte muito maior. Se [a Santa Bárbara] pretende chegar a 1 milhão de cabeças, não conseguirão atingir isso com as terras atuais".
Para Rodenburg, essa é uma das provas da eficiência da gestão executiva da empresa. "Os fazendeiros tradicionais ficam impressionados. Dizem que temos muito boi e precisamos comprar muita terra. Aí está o diferencial do nosso trabalho. Somos mais produtivos". Conforme os dados fornecidos pelo executivo, a companhia tem, em média, de duas a três cabeças de gado por hectare, mas em algumas fazendas em que o manejo e a infra-estrutura estão aperfeiçoados, o número chega a cinco cabeças por hectare. No total, as terras da Santa Bárbara abrangem cerca de 510 mil hectares - 210 mil de pastagens e 300 mil de reservas -, pouco mais de três vezes o tamanho do município de São Paulo.
Esquadrinhado durante um ano, o sul do Pará é onde se localiza quase toda a produção da Santa Bárbara. Trata-se também da região brasileira em que a pecuária de corte mais avançou nos últimos anos. Em idade de abate, o boi criado ali chega a valer R$ 1 mil. Se a previsão da Santa Bárbara de vender 110 mil cabeças para abate neste ano se confirmar, a receita pode atingir R$ 110 milhões. As condições para a pecuária extensiva são consideradas ideais no sul paraense, com elevados índices de chuvas, luminosidade e fertilidade do solo. Outra característica é a localização estratégica para o escoamento da produção para fora do Brasil por meio dos portos de Itaqui, Barcarena e Belém, além da ferrovia dos Carajás e de duas rodovias que ligam a região à capital do Estado.
Prefeitos, donos de frigoríficos e fornecedores de insumos também comemoram a expansão da pecuária no sul do Pará. Por causa dela, frigoríficos como o Bertin e Minerva, por exemplo, investiram no Estado. José Davi Passos (PT), prefeito de Xinguara, um dos municípios com forte presença da pecuária, incorporou os leilões de gado à sua agenda e demonstra acreditar na atividade. "Xinguara é o único município [da região] com dois frigoríficos. A bacia leiteira também é a maior do país. Podemos ser classificados como a "capital da carne"".
Outros municípios como Eldorado dos Carajás, Redenção, Parauapebas, Marabá, São Félix do Xingu e Santana do Araguaia fazem parte do raio de ação da Santa Bárbara. Todos eles em um terreno minado dos pontos de vista fundiário, trabalhista e ambiental. Para Raimundo Oliveira, superintendente regional do Incra em Marabá (PA), o saldo desta pecuária "extremamente extensiva" são "áreas degradadas, solos empobrecidos e a pecuária demandando cada vez mais terras". Ele afirma que é raro encontrar uma propriedade que obedeça o percentual de 80% de reserva legal estabelecido por lei para a região. "As grandes propriedades continuam em desacordo com a legislação. As mais próximas têm, no máximo, 50% de reservas", diz
Conforme Rodenburg, "invasões e conflitos [no sul do Pará] estão ligados à grilagem. Não sentamos nem para conversar se tiver alguma ilegalidade com a propriedade pretendida. Já a questão do trabalho escravo é uma realidade, mas temos rigor absoluto com a NR31 [normas que regulamentam as leis trabalhistas do setor]". Além do Pará, a empresa tem operações em São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso. As fazendas localizadas em Campinas (SP) e Uberaba (MG) concentram atividades com tecnologias de inseminação in vitro, clonagem e manejo profilático.
A fazenda Santa Bárbara, embrião da Agropecuária, fica no interior de São Paulo e era encarada como hobby pelo cunhado de Dantas. Em 2001, porém, Rodenburg reiniciou a seleção de nelores na fazenda. Estava dado o primeiro passo da Agropecuária Santa Bárbara. "Nos finais de semana inspecionava o negócio, procurando entender mais o que ocorria e quem eram as pessoas do setor". Segundo ele, nos quatro anos seguintes, não tão bons para a pecuária brasileira, foram feitos estudos com o objetivo de entender os fundamentos econômicos do segmento e embarcar de vez no agronegócio. "Percebemos também, por dados mundiais, como estava a questão do consumo de proteína animal [em ascensão], a situação da Austrália [grande exportador de carne bovina] e os impactos dos casos da doença da "vaca louca" nos Estados Unidos, Canadá e Europa. E entendemos que poderia haver uma oportunidade de negócio", afirma.
Atentos aos avanços da zootecnia e de olho nos efeitos da genética sobre a produtividade, Rodenburg e Dantas, ao mesmo tempo em que estudavam o mercado, trataram de montar um time de especialistas na Santa Bárbara. Lúcio Cornachini, ex-vice-presidente da Lagoa da Serra (companhia com foco em genética), Antonio Augusto Mendes, responsável pelo dia-a-dia das fazendas, e o recém-chegado Ricardo Sacramento, ex-presidente da Telemig Celular, são alguns dos executivos que estão na equipe. A Agropecuária Santa Bárbara é uma sociedade anônima e conta, além da participação do Opportunity, com capital de fundos de investimentos nacionais. Questionado sobre uma eventual abertura de capital ou venda de participação a estrangeiros, o executivo é direto: "Depende de nós querermos".
Terça-feira, 15 de janeiro de 2008 Agronegócios B12
Leite, florestas e energia estão no foco
Apesar da força que já tem na pecuária, o foco da Agropecuária Santa Bárbara é mais amplo. Ao menos quatro negócios, além da criação de gado, estão ocorrendo nos mais de 500 mil hectares de terras que a empresa possui. Produção de leite, reflorestamento, créditos de carbono, geração de energia a partir da biomassa e a instalação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) são outras frentes de atuação da companhia.
Para a produção de leite, a Santa Bárbara conta com 142 animais da raça Gir como doadores para fecundação in vitro. Contar com frigoríficos também está nos planos, mas não há nada de concreto até o momento, de acordo com Carlos Rodemburg, presidente da empresa. "Está tudo interligado. A criação de gado, o reflorestamento com fins econômicos, créditos de carbono, geração de energia a partir da biomassa e a instalação de PCHs", revela. Segundo ele, o único projeto que deve maturar por mais tempo são as PCHs, que dependem do levantamento de inventários dos rios da região sul do Pará.
No caso da biomassa, o executivo informa que o projeto está em fase de definição da primeira planta. "[A unidade] deverá ter capacidade de gerar em torno de 30 megawatts", estima. O responsável pela divisão de energia da empresa é o ex-presidente da Telemig Celular, Ricardo Sacramento.
Rodemburg aproveita o assunto para frisar o perfil da companhia. "É um negócio altamente sofisticado para qualquer setor". A princípio, os insumos utilizados para a geração de energia serão o capim elefante, eucaliptos e switchgrass (gramínea de crescimento rápido comum nos Estados Unidos).
A aposta em reflorestamento deverá contar com investidores estrangeiros. "Estivemos com o presidente da Fundação Clinton tratando deste assunto", afirma Rodemburg. E acrescenta: "Estamos acompanhando de perto as oportunidades e também preocupados com a questão ambiental".
Terça-feira, 15 de janeiro de 2008 Agronegócios B12
Região é epicentro de irregularidades
Bettina Barros
Ao menos três dos seis municípios onde a Agropecuária Santa Bárbara atua no Pará constarão da lista negra de municípios que mais derrubaram a floresta amazônica nos últimos anos. O documento, em fase de finalização pelo Ministério do Meio Ambiente, é a resposta a um pedido direto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após a divulgação da retomada do desmatamento entre julho e setembro de 2007. O ranking de municípios, que inclui propriedades públicas e privadas, será divulgado entre esta e a próxima semanas.
A lista está sendo guardada a sete chaves. Segundo o Valor apurou, Lula deseja comunicar diretamente os prefeitos dos municípios mencionados em uma reunião em Brasília. Na seqüência será editada a portaria que regulamenta o decreto, assinado pelo presidente em dezembro, para a implementação de ações estratégicas na região.
Eldorado dos Carajás, Redenção, Parauapebas, Marabá, São Félix do Xingu e Santana do Araguaia estão no sudeste do Pará, área onde a floresta foi mais castigada. Não à toa, a região está no chamado "arco do desmatamento", que inclui partes de Mato Grosso, Rondônia, Acre e Amazonas.
O governo ainda não sabe ao certo quantas cidades serão incluídas, mas olha para dois números importantes: o desmatamento absoluto dos últimos dez anos e o ritmo das derrubadas entre 2005 e 2007. Isso porque não se quer pegar só desmatadores históricos, mas também iniciantes, empolgados com os preços da carne bovina e com a facilidade na grilagem das terras. A intenção é mapear um conjunto de municípios que represente 45% dos desmatamentos ocorridos entre 2006 e 2007.
Um desdobramento imediato será a exigência de recadastramento georreferenciado no Incra das propriedades com desmatamento ilegal. O decreto determina ainda o embargo do uso agropecuário dessas áreas, o cancelamento de registros em órgãos ambientais e a proibição de crédito agropecuário em bancos oficiais. Instituições como o BNDES e IFC (o braço financeiro do Banco Mundial) serão recomendadas a fazer o mesmo.