terça-feira, outubro 23, 2007

Risco do agronegócio


Leonel Rocha - Da Equipe do Correio

MEIO AMBIENTE
Projeto em tramitação na Câmara incrementa a exploração comercial de florestas em áreas privadas, permitindo o cultivo de espécies exóticas. ONGs criticam iniciativa desenhada por bancada ruralista

Um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional sobre a exploração comercial das reservas florestais transformou-se na mais nova polêmica entre produtores rurais e ambientalistas. A proposta altera o antigo Código Florestal Brasileiro para permitir o cultivo de espécies exóticas em 30% das áreas degradadas e que deverão ser recompostas obrigatoriamente pelos fazendeiros. A idéia é que, tanto nas fazendas da Amazônia Legal quanto nas localizadas no que resta da Mata Atlântica, os produtores possam regularizar sua situação fundiária replantando palmáceas como o dendê, o babaçu e outras oleaginosas. Tudo para viabilizar o empreendimento rural.

“O projeto cria estímulos para recuperar áreas degradadas de inúmeras fazendas que passarão a ter reserva florestal e viabilidade econômica”, defende o relator do projeto na Câmara, deputado Jorge Khoury (DEM-BA). Segundo o parlamentar, caso venha a ser aprovada, a lei permitirá a regularização fundiária de inúmeras propriedades cujos fazendeiros faliram depois de terem suas terras interditadas por terem reduzido o tamanho das reservas legais.

A proposta não altera os atuais limites nacionais de reserva florestal. Na Amazônia, os fazendeiros só podem explorar 20% da área. O restante deve permanecer como reserva. Na área da Mata Atlântica, o limite de reserva é metade de cada uma das propriedades. Nas regiões com exploração intensa, classificadas tecnicamente como antropizadas, a exploração pode chegar a 80% das fazendas.

O projeto original é do senador Flexa Ribeiro (PMDB-AM) e tinha sido aprovado inicialmente prevendo a redução de 80% para 50% do tamanho das reservas legais nas fazendas da Amazônia. Ao chegar à comissão de Meio Ambiente da Câmara, no final do ano passado, o texto foi alterado pelo relator Jorge Khoury. Ficou mantido o tamanho original das reservas na região, mas permitiu-se a exploração de 30% das áreas a serem recompostas como reserva florestal.

A proposta do parlamentar permite a produção de óleos vegetais para a utilização na composição do biodiesel em fazendas hoje interditadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por falta de reserva florestal legal, a criminalização dos desmatamentos fora das áreas de reserva, entre outras medidas (veja quadro).

Ambientalistas
O presidente da Frente Ambientalista da Câmara, deputado Sarney Filho (PV-MA), classificou a proposta de inoportuna e tecnicamente inadequada. De acordo com o parlamentar, na prática, o projeto abre uma brecha legal para que as áreas de reserva legal na Amazônia sejam diminuídas. “Como está, o projeto de lei permite o fim das reservas florestais nas fazendas. No momento em que o mundo discute o aquecimento global e a captação de carbono, o Congresso brasileiro pode ir na contramão do debate internacional”, lamenta. Sarney Filho prevê dificuldades para o governo brasileiro nos debates em fóruns ambientalistas internacionais se o projeto for aprovado como está.

O congressista alerta que a permissão para o plantio de espécies exóticas na recomposição das reservas florestais, tanto na Amazônia quanto na Mata Atlântica, é um risco para a política ambiental brasileira. Segundo Sarney Filho, agora que o governo precisa de votos no Senado para aprovar a CPMF, o projeto de lei poderá fazer parte das moedas de negociação entre o Palácio do Planalto e senadores que apoiariam a prorrogação do imposto do cheque em troca da mudança no Código Florestal.

A proposta divide os ambientalistas. A direção do Greenpeace no Brasil, por exemplo, considera que o projeto acaba com o conceito de reserva florestal nas fazendas, já que o plantio de espécies exóticas acaba com a característica da área a ser replantada. “As concessões feitas são inaceitáveis e transformam as reservas em uma área a mais para a exploração do agronegócio”, criticou o diretor de Políticas Públicas do Greenpeace, Sérgio Leitão. Uma nota contra o projeto elaborada no final de semana foi assinada pelas ONGs Instituto Sócio-Ambiental (ISA), WWF, Conservation International e Amigos da Terra. A SOS Mata Atlântica, contudo, é simpática à proposta.

No governo, a divisão repete o racha das ONGs ligadas à defesa ambiental. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ainda não se posicionou. O secretário-executivo do ministério, João Carlos Capobianco, é simpático ao projeto. A proposta foi requisitada pela comissão de Agricultura da Câmara para ser discutida e votada. Com uma composição majoritariamente de parlamentares ligados à bancada ruralista, a tendência na comissão é a ampliação das concessões ao agronegócio.

No momento em que o mundo discute o aquecimento global e a captação de carbono, o Congresso brasileiro pode ir na contramão do debate internacional

Sarney Filho, presidente da Frente Ambientalista da Câmara

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