quinta-feira, novembro 29, 2007

Menina disse ter revelado a idade



Quinta-feira, 29 de novembro de 2007 ___________Pág. 3
Caderno: O País

Policiais do Pará são acusados de ameaçar a adolescente
BELÉM. Em depoimentos prestados à Polícia Civil e ao Ministério Público, semana passada, a adolescente que ficou presa com 20 homens em uma cela, em Abaetetuba, afirmou que pelo menos duas vezes avisou que era menor de idade. A declaração desmente a versão do delegado-geral do Pará, Raimundo Benassuly, que anteontem disse que ela tem problemas mentais por não ter avisado que era menor de 18 anos. A jovem afirmou ter nascido em dezembro de 1991 e, portanto, tem, hoje, 15 anos. Nos depoimentos, ela deu mais detalhes da prisão e das relações sexuais a que foi forçada a manter dentro da cela. A adolescente confirmou que foi ameaçada de morte pelos três policiais que a prenderam, caso tornasse público o episódio.

Benassuly também teve sua versão, de que a menina parecia ter debilidade mental, descartada ontem pela corregedora-geral da Polícia Civil do Pará, Elcione dos Santos Moura, que a interrogou e afirmou que ela respondeu a todas as perguntas de forma correta, sem aparentar qualquer problema. Elcione foi ouvida pelos deputados federais da CPI do Sistema Carcerário e foi perguntada por Domingos Dutra (PT-MA) sobre o estado de saúde da adolescente.
- Ela respondeu normalmente todas as questões - disse.

Após seu depoimento, e mais tarde, no gabinete da superintendência da Polícia Federal no Pará, onde ocorreu a audiência, Elcione comentou ao telefone com uma pessoa:
- Esses deputados vieram no fígado - disse Elcione, em diálogo presenciado pelo GLOBO.
No depoimento prestado semana passada, a jovem afirmou que informou à delegada Flávia Verônica que era "de menor" quando foi detida, no dia 21 de outubro, mas que não adiantou. Os mesmos policiais que a prenderam a levaram para a cela. Ela contou que foi forçada a manter relações sexuais com um detento, de nome Beto, que a pegou à força e a levou para o banheiro minúsculo que nem sequer é separado por uma porta.

Segundo a adolescente, no dia seguinte manteve relações com outro preso, de nome Dinei, dessa vez em troca de alimento. "Devido à fome que passou acabou aceitando a proposta", descreve o depoimento. Ela ainda manteve relações sexuais com outras três pessoas, mas lembrou o apelido de apenas um, Chupa Cabra.

Em outro trecho, a jovem contou que o preso Beto queimou seu pé, quando estava dormindo. Ela confirmou a informação de que passou três dias no cais, após o mês em que ficou detida, e foi deixada lá pelos três policiais que a prenderam. Eles a mandaram desaparecer, por isso ela "decidiu pegar um barco, mas não houve tempo". Os mesmos três a buscaram e a levaram de volta à delegacia, onde integrantes do Conselho Tutelar e parentes a aguardavam. "A declarante (a adolescente) foi novamente ameaçada pelos policiais, caso falasse a verdade sobre o que tinha acontecido".

A jovem disse no depoimento que é capaz de reconhecer os policiais. Ao ser perguntada pela deputada Jusmary Oliveira (PR-BA) por que a Corregedoria ainda não identificou esses policiais e não os ouviu, Elcione Moura respondeu:
- Ela (a adolescente) depôs e seguiu para Brasília, para entrar no programa de proteção, e ainda não temos os nomes dos policiais.

No entanto, ontem à tarde, a delegada Flávia Verônica, que estava de plantão na delegacia no dia em que a adolescente foi presa, identificou dois: os inspetores Pires e Roosevelt.
A adolescente contou ainda que, quando estava presa, o superintendente do Centro de Recuperação Feminino a procurou e disse que a levaria para a Belém, para onde seria transferida. Ela respondeu que não iria porque era menor. O superintendente, segundo o depoimento, disse para a adolescente que ela tinha 25 anos e poderia ser transferida.
Um laudo do Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Pará, divulgado ontem, constatou que a jovem tem entre 15 e 17 anos, não está grávida e não é portadora de nenhuma doença sexualmente transmissível. O laudo constata que ela teve relações sexuais recentemente e praticou "atos libidinosos diferentes de conjunção carnal", mas não constatou, a princípio, sinais de violência.

Parte da família da adolescente já está sob custódia do Estado do Pará e deverá integrar o Provita, o programa de proteção à testemunha, uma parceria dos governos federal e estadual. Segundo a secretária de Justiça e Direitos Humanos, Socorro Gomes, o padrasto, a mãe, uma sobrinha e irmãos da adolescente deverão ser incorporados ao programa.

Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Raimundo Benassuly - que ontem deixou o cargo de delegado-geral do Pará - , responde junto ao Ministério Público a uma representação da OAB. Em 2005, o atual tesoureiro da ordem, Ophir Cavantance Júnior, na época presidente da OAB-PA, representou Benassuly por abuso de autoridade, porque o policial não permitiu que advogados de um caso tivessem acesso ao inquérito. Na ocasião, Ophir considerou "flagrante" a violência às garantias constitucionais e ao livre exercício da advocacia. (Evandro Éboli)

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