terça-feira, outubro 23, 2007

Risco do agronegócio


Leonel Rocha - Da Equipe do Correio

MEIO AMBIENTE
Projeto em tramitação na Câmara incrementa a exploração comercial de florestas em áreas privadas, permitindo o cultivo de espécies exóticas. ONGs criticam iniciativa desenhada por bancada ruralista

Um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional sobre a exploração comercial das reservas florestais transformou-se na mais nova polêmica entre produtores rurais e ambientalistas. A proposta altera o antigo Código Florestal Brasileiro para permitir o cultivo de espécies exóticas em 30% das áreas degradadas e que deverão ser recompostas obrigatoriamente pelos fazendeiros. A idéia é que, tanto nas fazendas da Amazônia Legal quanto nas localizadas no que resta da Mata Atlântica, os produtores possam regularizar sua situação fundiária replantando palmáceas como o dendê, o babaçu e outras oleaginosas. Tudo para viabilizar o empreendimento rural.

“O projeto cria estímulos para recuperar áreas degradadas de inúmeras fazendas que passarão a ter reserva florestal e viabilidade econômica”, defende o relator do projeto na Câmara, deputado Jorge Khoury (DEM-BA). Segundo o parlamentar, caso venha a ser aprovada, a lei permitirá a regularização fundiária de inúmeras propriedades cujos fazendeiros faliram depois de terem suas terras interditadas por terem reduzido o tamanho das reservas legais.

A proposta não altera os atuais limites nacionais de reserva florestal. Na Amazônia, os fazendeiros só podem explorar 20% da área. O restante deve permanecer como reserva. Na área da Mata Atlântica, o limite de reserva é metade de cada uma das propriedades. Nas regiões com exploração intensa, classificadas tecnicamente como antropizadas, a exploração pode chegar a 80% das fazendas.

O projeto original é do senador Flexa Ribeiro (PMDB-AM) e tinha sido aprovado inicialmente prevendo a redução de 80% para 50% do tamanho das reservas legais nas fazendas da Amazônia. Ao chegar à comissão de Meio Ambiente da Câmara, no final do ano passado, o texto foi alterado pelo relator Jorge Khoury. Ficou mantido o tamanho original das reservas na região, mas permitiu-se a exploração de 30% das áreas a serem recompostas como reserva florestal.

A proposta do parlamentar permite a produção de óleos vegetais para a utilização na composição do biodiesel em fazendas hoje interditadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por falta de reserva florestal legal, a criminalização dos desmatamentos fora das áreas de reserva, entre outras medidas (veja quadro).

Ambientalistas
O presidente da Frente Ambientalista da Câmara, deputado Sarney Filho (PV-MA), classificou a proposta de inoportuna e tecnicamente inadequada. De acordo com o parlamentar, na prática, o projeto abre uma brecha legal para que as áreas de reserva legal na Amazônia sejam diminuídas. “Como está, o projeto de lei permite o fim das reservas florestais nas fazendas. No momento em que o mundo discute o aquecimento global e a captação de carbono, o Congresso brasileiro pode ir na contramão do debate internacional”, lamenta. Sarney Filho prevê dificuldades para o governo brasileiro nos debates em fóruns ambientalistas internacionais se o projeto for aprovado como está.

O congressista alerta que a permissão para o plantio de espécies exóticas na recomposição das reservas florestais, tanto na Amazônia quanto na Mata Atlântica, é um risco para a política ambiental brasileira. Segundo Sarney Filho, agora que o governo precisa de votos no Senado para aprovar a CPMF, o projeto de lei poderá fazer parte das moedas de negociação entre o Palácio do Planalto e senadores que apoiariam a prorrogação do imposto do cheque em troca da mudança no Código Florestal.

A proposta divide os ambientalistas. A direção do Greenpeace no Brasil, por exemplo, considera que o projeto acaba com o conceito de reserva florestal nas fazendas, já que o plantio de espécies exóticas acaba com a característica da área a ser replantada. “As concessões feitas são inaceitáveis e transformam as reservas em uma área a mais para a exploração do agronegócio”, criticou o diretor de Políticas Públicas do Greenpeace, Sérgio Leitão. Uma nota contra o projeto elaborada no final de semana foi assinada pelas ONGs Instituto Sócio-Ambiental (ISA), WWF, Conservation International e Amigos da Terra. A SOS Mata Atlântica, contudo, é simpática à proposta.

No governo, a divisão repete o racha das ONGs ligadas à defesa ambiental. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ainda não se posicionou. O secretário-executivo do ministério, João Carlos Capobianco, é simpático ao projeto. A proposta foi requisitada pela comissão de Agricultura da Câmara para ser discutida e votada. Com uma composição majoritariamente de parlamentares ligados à bancada ruralista, a tendência na comissão é a ampliação das concessões ao agronegócio.

No momento em que o mundo discute o aquecimento global e a captação de carbono, o Congresso brasileiro pode ir na contramão do debate internacional

Sarney Filho, presidente da Frente Ambientalista da Câmara

quarta-feira, outubro 10, 2007

CONFLITO DE TERRAS ENVOLVE PROJETO DA ALCOA

CONFLITO DE TERRAS ENVOLVE PROJETO DA ALCOA

Ivo Ribeiro
Valor Econômico
10/10/2007

A doze metros de profundidade, sob a úmida, calorenta e espessa floresta está adormecida há milhões de anos a bauxita. A rocha de cor avermelhada, cujo nome vem da cidade francesa Les Baux, abriga o mineral de onde se extrai o metal alumínio. Ela se espraia em camadas médias de seis metros de altura por vastos platôs amazônicos, em terras a perder de vista, que somam dezenas de milhares de hectares e margeiam o Amazonas, no extremo oeste paraense. Para se chegar até os veios de bauxita, viaja-se cerca de 50 km, cortando caminhos por onde madeireiros já retiraram ilegalmente muita madeira boa, de lei, da floresta.

Essa riqueza, que começou a ser descoberta nos anos 70, traz esperanças de desenvolvimento e melhorias de vida aos habitantes da quase desconhecida Juruti - um município precário, de pouco mais de 34 mil habitantes. Mas também é fruto de um conflito que envolve muita gente: comunidades que dizem viver na região das jazidas desde o século XIX, o governo do Pará, a União, as famílias Valle Miranda e Abreu, que munidas de vasta documentação garantem ser titulares dessas terras desde 1972, o Ministério Público Federal e o Estadual, até irmã Fátima, integrante de uma congregação religiosa. Ela reside há 30 anos em Juruti Velho e é contrária à instalação do projeto.

Trata-se de um cipoal de interesses diversos, cujo principal alvo é o bilionário projeto que a multinacional americana Alcoa, produtora de alumínio, está erguendo em Juruti. A empresa quer extrair a bauxita da terra e depois transformá-la no metal que é usado para fabricação de inúmeros bens e utilidades - de panelas a automóveis e aviões. Suas reservas estão avaliadas em 700 milhões de toneladas, ficando entre as maiores do mundo.

O investimento para retirar o material de debaixo da terra é gordo: R$ 1,8 bilhão só na primeira fase. O plano inicial prevê produzir por ano 2,6 milhões de toneladas, mas em algum tempo poderá quadruplicar esse volume. Para isso, constrói um terminal portuário para receber navios de grande porte que levarão o minério para ser processado fora, uma ferrovia de 55 km e instalações para beneficiar o minério no meio da floresta. Tudo isso está em curso, com metade das obras físicas avançada. O primeiro carregamento já tem data marcada: 31 de agosto de 2008. Começa a corrida contra o tempo. E contra outras intempéries.

É que decisões da Justiça poderão interferir nesse cenário. Três ações judiciais correm simultaneamente em tribunais paraenses, de Manaus (AM) e até em Brasília, envolvendo os Valle Miranda e Abreu, a União, o governo do Pará e a Alcoa. Com esse emaranhado, o caso foi parar na Casa Civil, pasta conduzida por Dilma Rousseff. Lá já houve três reuniões coordenadas por Marcelo Cardona, do Ministério de Desenvolvimento Agrário, acompanhadas ao vivo por Telton Corrêa, do gabinete da ministra. Foi criado um Grupo de Trabalho cujo objetivo é encontrar uma solução rápida para o conflito. O GT é formado por representantes do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) - Marcos Kowarich, diretor do órgão em Brasília, e Pedro de Aquino, superintendente regional de Santarém -, do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), da Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema), do DNPM e da Alcoa, além da Advocacia-Geral da União.

O projeto é de interesse tanto do governo federal, que o inclui entre as obras estratégicas do seu programa de crescimento, o PAC, quanto da governadora paraense, Ana Júlia Carepa (PT). A determinação de ambos é que sejam removidos todos os obstáculos, dentro dos trâmites legais, para que o projeto Juruti, como ficou conhecido o empreendimento da Alcoa, não sofra qualquer tipo de paralisação. É visto como um importante gerador de empregos no Pará e, por tabela, no Maranhão. Com essa bauxita, a Alcoa fará expansão de sua fábrica de alumina na Alumar. No futuro, poderá montar outra em Juruti.

Se depender dos Valle Miranda e Abreu, a obra pode ser paralisada a qualquer momento. Eles têm uma ação em curso no fórum de Óbidos (PA), comarca de Juruti, desde 2005, na qual pedem ao juiz uma liminar para suspender todas atividades da empresa na área. Consideram que a Alcoa está operando de forma ilegal dentro de suas terras, que asseguram medir 222 mil hectares. Alegam que a empresa não pediu as devidas autorizações exigidas pela lei de donos de áreas onde existam jazidas minerais.

A empresa diz que buscou as devidas servidões nos cartórios, mas depois se deparou com diferentes requerentes de titularidade das terras. "A Alcoa tem como objetivo extrair a bauxita no subsolo, dentro das regras da legislação mineral brasileira, e ressarcir quem for o real superficiário da área que a Justiça apontar", afirma Tiniti Matsumoto, diretor da empresa encarregado da implantação do projeto. "A companhia se aproveita de toda essa complexidade documental e baseia-se em informações do Incra e Iterpa para ganhar tempo", rebate o advogado das famílias, Arnaldo Andrade da Silva, do escritório Andrade da Silva Advogados Associados, de Belém.

Na contestação, os advogados da multinacional - o escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello Guimarães, Pinheiro e Scaff - afirmam que as terras eram devolutas da União e que eram "áreas absolutamente desocupadas e inviáveis à atividade produtiva e até para ocupação humana" e "que eram alvo de disputa com o Incra e o Iterpa". Apontam que após analisar os documentos de titularidade das famílias concluiu-se que "seriam facilmente anuláveis, visto que estavam viciados por diversos motivos".

As áreas requeridas pelo grupo Alcoa, que inclui a Omnia Minérios, somam 88 mil hectares na propriedade que os Valle Miranda e Abreu atestam ser sua, conforme documentos do DNPM-Departamento Nacional da Produção Mineral apresentados por Andrade.

O advogado recorre à cadeia dominial de titularidade da área, conhecida como Vila Amazônia, desde 1927 aos dias atuais, para comprovar que seus clientes são os reais e legítimos donos. A gleba é originária de uma concessão dada naquele ano pelo Estado do Amazonas à colônia japonesa para montar um projeto agrícola (ver quadro). Ele mostra uma pilha de decretos, atos, certidões, sentenças de juízes, cópias de escrituras, dentre outros documentos anexados às ações. "É a sustentação legal de que o imóvel, vendido pelo Banco do Brasil, foi comprado de boa fé pelos meus clientes", afirma.

Entre eles, exibe um decreto do presidente Getúlio Vargas de 1943 que tornou a Vila Amazônia, com 300 mil hectares, espólio de guerra, confiscada no mesmo ano dos japoneses. Foi a leilão público pelo banco em 1946, após quatro anos ocupada pelo Exército. Disse ainda que o Incra continua cobrando das famílias impostos sobre a área. "É mais uma prova que reconhece a posse".

Mas a questão não pára aí. Sobre a mesma área paira interesses da própria União, via o Incra, que em 1981 arrecadou 91 mil hectares. A essa terra deu o nome de Gleba Juruti Velho, onde vivem de 2 mil a 2,5 mil famílias em dezenas de comunidades, as quais também alegam ser as verdadeiras donas da terra. Dizem que seus antecedentes chegaram ali nos anos de 1800.

Os Valle Miranda e Abreu contestam a arrecadação feita pelo Incra desde 1990 na Justiça, em ação que foi parar nos tribunais de Brasília. Pediu que fosse feita a desapropriação indireta de toda a área (222 mil hectares), uma vez que o Incra já havia desapropriado 78 mil hectares do lado do Amazonas, em Parintins, em 1987. Alegam que, com isso, mais da metade da área passou a domínio do Incra. "A arrecadação foi feita de forma totalmente irregular, à revelia dos seus donos, que haviam adquirido a Vila Amazônia em 1972, e desconsiderando o registro da área em seus nomes no cartório de Óbidos desde 1979", afirma Andrade.

Marcos Kowarich, diretor de programas do Incra, designado para acompanhar o caso e participar das reuniões do GT, afirma que "o Incra é o legítimo possuidor da gleba Juruti Velho". Segundo diz, a arrecadação levou um ano, teve portaria no Diário Oficial da União e em jornais de grande circulação e que o ato cumpriu todas as formalidades, sem contestações. Ele afirma que as famílias são invasoras da área. "O governo do Amazonas não poderia jamais ter concedido terras no Pará". Kowarich contesta a homologação judicial dos marcos da propriedade pelo juiz de Parintins. "Está eivada de vícios".

O diretor do Incra acusa a Alcoa de cometer algumas irregularidades sobre outra área de assentamento, o Socó, onde passará a ferrovia, sem ter pago os devidos danos sobre a superfície da terra. Tiniti, diretor da empresa, refuta a afirmação. Informa que foram gastos R$ 3,5 milhões em compensações individuais e R$ 10 milhões estão previstos para as coletivas. "Tudo feito sob a anuência do Incra".

Em 2005, o Incra decide criar um Projeto Agro-Extrativista (PAE) para a gleba, depois de já terem sido concedidas pela Sema as licenças iniciais ao projeto da Alcoa. Em casos como este, conforme a lei, a mineração tem preponderância sobre projetos de assentamento. "Esse projeto do Incra é irregular, pois é inconstitucional criar assentamento em área de mineração, que tem preferência sobre qualquer tipo de utilização do espaço, inclusive para fins de reforma agrária", afirma Flávio Rabelo Mansos, procurador do Estado do Pará e diretor jurídico do Iterpa. Kowarich informa que houve autorização dos ministérios públicos federal e estadual, reconhecendo o direito fundiário.

O Iterpa também pôs mais lenha na fogueira. Entrou com ação em Santarém, representando o governo do Pará, na qual pede que seja anulada a titularidade dos Valle Miranda e Abreu. Com isso, complicou ainda mais o que já era complicado, ao bater de frente com interesses do Incra na gleba Juruti Velho. "São áreas diferentes, pois a ação só envolve mais da metade da área do Abreu [131 mil hectares]", diz Mansos. Na ação, à qual o Valor teve acesso, o procurador que a assina, Ibrahim José das Mercês Rocha, reivindica "todas as terras do lado do Pará" em poder das duas famílias e aponta 300 mil hectares.

Rocha acusa as famílias de grileiras, contestando toda sua documentação; diz que o governo do Amazonas cedeu em 1927 terras que eram do Pará irregularmente para a colônia japonesa e não reconhece a legitimidade do Banco do Brasil na venda pública do espólio de guerra feita em 1946. Para o advogado Andrade, é estranho que só 34 anos depois da compra e registro do imóvel o Iterpa queira anular sua titularidade, com base em parecer de ex-funcionário, agora seu consultor. "Os documentos têm o registro do Estado do Pará, pois os cartórios ficam na hierarquia do Tribunal de Justiça. Eles questionam atos do próprio Estado".

Mansos é taxativo. "São terras do Pará concedidas pelo Amazonas a terceiros; por isso, estamos tomando todos os meios legais para reverter esse ato e preservar o patrimônio público do Estado". "Como eles [as famílias] têm um título bem quente na mão, que vão cobrar do Estado do Amazonas", acrescenta. No entanto, admite que "a melhor saída [para o caso] é um concerto negociado, com todos os atores pondo seus interesses na mesa".

Promotores públicos do Pará e procuradores do MPF também questionam o projeto da Alcoa, principalmente nos aspectos ambiental e social envolvendo comunidades de Juriti Velho. Apontam impactos da lavra da bauxita na cultura, atividades de pesca e caça, extrativismo da castanha e outros frutos e no lago Juruti Grande ao redor do qual vivem. Ação de 2005, assinada pelo promotor do Pará Raimundo Moraes e por colegas do MPF, pede à Sema o cancelamento das licenças ambientais e novo plano, mais completo, de proteção ambiental, além de diálogo e compensações às comunidades.

O secretário da Sema, Valmir Ortega, disse não ver razão, até agora, para cassar as licenças. Segundo ele, foram feitas exigências à empresa que resultou numa lista de 54 itens de ajustes e novas condicionantes para manutenção da licença de instalação. "Pedimos também maior atenção no relacionamento com as comunidades". A seu ver, o maior problema é ainda o conflito jurídico sobre a titularidade da área.

Geordenor Pereira dos Santos, presidente da Associação das Comunidades da Região de Juruti Velho (Acorjuve) ataca o projeto. Aponta que um dos principais impactos será a derrubada de milhares de castanheiras. "Duas mil famílias sobrevivem disso". A Alcoa informa que o número afetado nos platôs - onde está o minério e "não há água" - é bem menor. "A lavra que chegará mais perto do lago será a três quilômetros e isso só ocorrerá daqui a 18 anos", diz Matsumoto. Santos reivindica atendimento de vários pleitos das comunidades. Ela diz que ele se nega a participar de encontros que faz com representantes de Juruti.

domingo, outubro 07, 2007

Pacto pela Valorização da Floresta e pelo Fim do do Desmatamento na Amazônia

Pacto pela Valorização da Floresta e pelo Fim do

Desmatamento na Amazônia 1

Introdução

Os signatários deste documento propõem à sociedade brasileira um Pacto Nacional pela Valorização da Floresta e pelo Fim do Desmatamento na Amazônia Brasileira2 a ser atingido em sete anos. Os serviços ambientais prestados pela floresta deverão beneficiar os meios de vida locais e globais, bem como apoiar o desenvolvimento regional e nacional.

Os altos índices de perda de cobertura florestal estão levando a um acelerado empobrecimento da biodiversidade, com impactos diretos no modo de vida de milhões de pessoas que dependem da floresta para sobreviver. O desmatamento

é também uma importante fonte de emissão de gases do efeito estufa, que contribui para acelerar o aquecimento global mudanças no uso do solo e desmatamentos respondem por cerca de 75% das emissões brasileiras. A floresta Amazônica desempenha papel fundamental na manutenção do equilíbrio climático regional e global e é responsável pela formação de chuvas no Sul e Sudeste do Brasil e na bacia do Prata tem, portanto, valor socioeconômico estratégico. Destruir a Amazônia poderá trazer seca prolongada para diversas regiões brasileiras e reduzir a produtividade agrícola do País, causando profundos impactos econômicos e sociais.

O desmatamento também não tem resultado em desenvolvimento econômico e melhoria da qualidade de vida para a população local. Ainda hoje, como 20 anos, a maior parte do desmatamento (70%) é resultado da conversão da floresta em pastagens extensivas. Mesmo o aumento na geração de emprego e renda, que ocorre durante os anos de desmatamento acelerado, não se sustenta já que, geralmente, é associado à exploração de madeira e cai dramaticamente após

1 Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org), Greenpeace (www.greenpeace.org.br), Instituto Centro

de Vida (www.icv.org.br), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (www.ipam.org.br), The Nature Conservancy (www.tnc.org.br), Conservação Internacional (www.conservation.org.br), Amigos da Terra- Amazônia Brasileira (www.amazonia.org.br), IMAZON (www.imazon.org.br), e WWF-Brasil (www.wwf.org.br),

2 A presente proposta de Pacto foi elaborada de forma preliminar por um conjunto de organizações não governamentais, para subsidiar o debate por parte dos atores sociais e econômicos estratégicos da região amazônica, visando seu detalhamento e a formulação e desenvolvimento dos instrumentos para sua implementação no âmbito de uma iniciativa de alcance nacional.


a exaustão dos recursos da região. Como conseqüência, a renda per capita nas zonas já desmatadas é similar àquelas ainda florestadas.

Por isso, eliminar o desmatamento na Amazônia representa uma contribuição fundamental do País no combate às mudanças climáticas, para conservar a biodiversidade e preservar o modo de vida de povos indígenas e populações tradicionais da região.

Com este Pacto, propõe-se acabar com o desmatamento na Amazônia num prazo

de sete anos, através da adoção de um regime de metas de redução. Para se alcançar este objetivo será essencial implementar políticas de valoração econômica da floresta (pagamento por serviços ambientais, mercado de carbono, etc), além de otimizar o uso agrícola em áreas desmatadas. Ao mesmo tempo, será fundamental fortalecer a gestão florestal dos estados e a eficácia do controle

do desmatamento ilegal. O apoio econômico e técnico deverá ser garantido e direcionado aos órgãos governamentais, atores sociais responsáveis pela proteção da floresta (povos indígenas, comunidades locais, populações tradicionais, agricultores familiares) e aos produtores (florestais, empresariais e agrícolas) que assumirem estratégias de redução de desmatamento e de manutenção da floresta.

Nesse contexto, um dos principais desafios que se coloca é o de assegurar políticas públicas que incorporem a eliminação do desmatamento como benefício nos âmbitos social, ambiental e, em grande parte, econômico. É necessário ir além dos instrumentos de comando e controle, promovendo a revisão e re- orientação dos incentivos financeiros historicamente canalizados para atividades predatórias.

Detalhes técnicos, econômicos e institucionais do Pacto para pôr fim ao desmatamento e valorizar a floresta deverão ser desenvolvidos conjuntamente pelos governos estaduais amazônicos e o governo federal, representante dos produtores rurais, florestais e empresariais, organizações ambientalistas, movimentos sociais, povos indígenas e populações tradicionais amazônicas.

Pressupostos do Pacto

Para atingir seus objetivos, o Pacto tem como base os seguintes pressupostos:


1. Instrumentos normativos e econômicos que valorizem a floresta em pé a

serem destinados ao Estados, aos atores sociais responsáveis pela conservação da floresta e aos produtores rurais (pagamento por serviços ambientais).

2. Instrumentos normativos e econômicos que otimizem o uso de áreas já desmatadas (compensação florestal).

3. Fortalecimento de ações de monitoramento, controle e fiscalização

(ambiental e fundiário).

4. Estabelecimento e fortalecimento da governança florestal nas terras blicas da região.

A sustentação do Pacto está baseada no desenvolvimento de instrumentos de remuneração financeira por serviços ambientais prestados pela conservação florestal, que deverão ser destinados ao:

1. Fortalecimento da governança florestal mediante incentivos aos Estados;

2. Estabelecimento de incentivos econômicos aos atores sociais responsáveis pela conservação da floresta (povos ingenas, comunidades locais, populações tradicionais, agricultores familiares);

3. Estabelecimento de incentivos econômicos aos produtores (rurais, florestais, empresariais e agrícolas) que assumirem estratégias de redução

de desmatamento e de conservação da floresta.

Metas de redução de desmatamento

· Os participantes do Pacto propõem metas para extinguir o desmatamento

na Amazônia até 2015, resguardados os usos tradicionais da floresta, tendo como base a taxa aproximada verificada no período 2005-2006, de 14.000 quilômetros quadrados. A redução proposta é escalonada ano a ano como indicada na tabela abaixo.


Proposta de Metas 7 anos


desmatamento (ha)

desmat reduzido

Desm.05/06

1.400.000


1o ano (25%)

1.050.000

350.000

2o ano (25%)

787.500

612.500

3o ano (30%)

551.250

848.750

4o ano (40%)

330.750

1.069.250

5o ano (50%)

165.375

1.234.625

6º ano (75%)

41.345

1.358.655

7º ano(100%)

-

1.400.000

Total

3.585.902

6.873.780

Os percentuais na tabela acima se aplicam sobre a taxa de desmatamento

verificada no ano imediatamente anterior.

Regime amazônico de metas de redução

O regime de metas proposto para o fim do desmatamento na Amazônia deverá ser baseado na responsabilidade compartilhada entre os estados e a União, de modo

a balizar a aplicação dos incentivos.

Estas metas deverão seguir critérios que envolvam a relação entre:

1. A extensão territorial de cada estado;

2. O percentual de remanescente florestal existente (protegido e não protegido);

3. A área efetivamente disponível (utilizada e não utilizada);

4. O desmatamento histórico.


Para a concessão dos incentivos econômicos, deve-se considerar ainda que as metas incluam avanços concretos nos instrumentos de gestão, que fortaleçam a governança na Amazônia e contribuam para acelerar e consolidar a redução do desmatamento. Estes instrumentos de gestão devem se pautar por quatro pontos estruturantes:

1. Progressão significativa do percentual de propriedades rurais nos sistemas de licenciamento rural e ambiental;

2. Criação e consolidação de Unidades de Conservação;

3. Implantação das modalidades de assentamentos concebidas para a Amazônia (PAE, PDS e PAF)3 em conformidade com seus objetivos e implementação de programas de apoio às terras indígenas;

4. Implementação do programa de incentivos à redução dos desmatamentos.

Mecanismos Financeiros e Redução Compensada do

Desmatamento

Um dos principais mecanismos financeiros propostos pelo Pacto é a Redução Compensada do Desmatamento. Por este mecanismo, aqueles que comprovadamente empreenderem esforços para reduzir o desmatamento devem ser reconhecidos e recompensados. A Redução Compensada está baseada num principio fundamental: o custo da conservação da floresta amazônica e da eliminação do desmatamento na região deve ser compartilhado pela sociedade brasileira e pela comunidade internacional.

A compensação financeira pela redução do desmatamento destinada a um estado amazônico deverá seguir três critérios:

1. Redução efetiva do desmatamento.

2. Cumprimento das metas de redução.

3. Desempenho na implementação de ações estruturantes voltadas ao cumprimento de tais metas.

O desempenho será conferido àqueles que cumprirem a meta em prazo menor do que o estipulado ou que tal cumprimento esteja associado à implementação

3 PAE-Projeto Agro-Extrativista, PDS-Projeto de Desenvolvimento Sustentável e PAF-Projeto Agro- Florestal.


efetiva de mecanismos de gestão indicados pelos pressupostos estabelecidos pelo Pacto. Neste caso a compensação financeira será diferenciada, isto é, superior em relação àqueles com baixo desempenho (cumpriu a meta, mas sem implementar mecanismos de gestão; reduziu o desmatamento, mas sem que as metas previamente estabelecidas fossem atingidas; e cumpriu a meta, implementando ações estruturantes). Desta forma, cumprir integralmente a meta implicará em benefícios econômicos adicionais. Portanto, a meta poderá ser utilizada como um parâmetro de planejamento das ações e de avaliação de resultados. Cabe ressaltar que o seu não cumprimento não exclui, necessariamente, a possibilidade de obtenção de benefícios. Somente no caso de aumento do desmatamento, estes benefícios seriam suspensos.

Fundo Amazônico para pagamento por serviços ambientais

Para o período de compromisso sugerido (sete anos), estimou-se a demanda de investimentos da ordem de R$ 1 bilhão/ano em recursos públicos e privados, de acordo com uma cesta diversificada de fontes identificadas no estudo “Fundamentos Econômicos do Pacto pela Valorização da Floresta e pelo Fim do Desmatamento na Amazônia” (em anexo), elaborado por um grupo de renomados economistas4. O documento parte de duas premissas: a primeira é que o País deseja atrair recursos externos para programas de preservação da floresta Amazônica, mas não abre mão de manter intacta a sua soberania sobre a área. A segunda é que o Brasil está definido como um país de renda média pelos Organismos Financeiros Internacionais, o que dificulta o recebimento pelo País de recursos subsidiados e doações desses organismos, com exceção, talvez, para a floresta tropical.

A matriz de financiamento do Pacto deve repousar em recursos públicos. Aos governos da União e dos Estados da Amazônia Legal cabem, portanto, mostrar forte comprometimento com a proposta, de forma a atrair recursos internos e externos adicionais. Todo o valor correspondente ao benefício econômico a ser destinado aos estados e aos atores sociais deverá ser gerido por um Fundo de Doações para a Conservação da Floresta Amazônica ou Fundo Amazônico de

4 O estudo econômico foi elaborado pela Consultoria Macrotempo e subsidiou as proposições apresentadas pelas organizações signatárias neste documento. Fizeram parte da equipe de consultores os seguintes economistas: Amir Khair, Carlos Eduardo Frickmann Young, Luis Afonso Simoens e Vivian Macknight.


Governança, vinculado ao desenvolvimento das ações do Pacto. O estudo também recomenda que este Fundo esteja abrigado no âmbito do BNDES (Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que goza de prestígio elevado

no País e no exterior, o que poderia também lhe atribuir o papel de aportar recursos próprios e de catalisar recursos privados internos e externos para a região.

O Fundo visaria:

1. O fortalecimento da gestão florestal;

2. O pagamento por serviços ambientais (PSA) voltados para:

· Implementação e gestão de Unidades de Conservação;

· Programas de desenvolvimento socioambiental em Terras Indígenas

e territórios de populações tradicionais;

· Programas de apoio ao desenvolvimento rural sustentável.

O estudo também apresenta duas outras sugestões de Fundos de Investimento que podem ser estruturados com o propósito de incentivar economicamente a proteção da Floresta Amazônica.

A constituição dos três fundos, conforme indicado pelos economistas, se faria com capitais públicos e privados. Os privados, provenientes principalmente de recursos externos (mercado de carbono), de grandes empresas nacionais e outros investidores (sobretudo, os institucionais); e os públicos, advindos de dotações do Orçamento Geral da União (OGU). O aumento da destinação de recursos do OGU para a proteção do meio ambiente, comprometendo fração minúscula do seu todo,

é possível em razão de que todas as estimativas para o futuro próximo apontam para uma maior folga orçamentária, em razão do crescimento econômico e do aumento das receitas, conjugado com a redução das despesas em decorrência da queda nas taxas reais de juros.

Por fim, o estudo também aponta a possibilidade dos estados da Amazônia destinarem recursos para o financiamento do Pacto, por exemplo, por meio da criação de uma nova CIDE-Ambiental (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico-Ambiental), que incidisse em todo o País sobre atividades poluidoras e que privilegiasse os estados da região na distribuição dos recursos por ela arrecadados, ou por meio da redistribuição dos recursos do ICMS.


Com isso, o Pacto pretende conseguir um compromisso firme das Autoridades Públicas e do BNDES, que propicie a atração de recursos de investidores e doadores nacionais e internacionais, sejam eles privados, sejam oficiais (Organismos), sejam de governos (bilaterais). É importante também notar que a organização proposta para os recursos blicos respeita as atribuições legais. Em relação aos recursos privados, a proposta permite que o Estado mantenha a gestão pública sobre a aplicação destes recursos e que personalidades brasileiras

de renome internacional na área ambiental participem dos Conselhos de

Administração dos fundos a serem criados.

Considerações finais

As oportunidades de investimentos orçamentários e extra-orçamentários para um programa de escala que ofereça incentivos para a valorização da floresta depende

da capacidade de planejamento e de avaliação de desempenho.

A aplicação do mecanismo da compensação de reservas legais objetivando a resolução de passivos e a manutenção de ativos florestais é indispensável para alcançar os objetivos desse Pacto. É fundamental também que seja desenvolvido método confiável de monitoramento do deslocamento (vazamento ou leakage, em inglês) do desmatamento para outras regiões dentro ou próximo ao bioma, principalmente para o Cerrado.

Um amplo debate nacional em torno de soluções consistentes e de longo prazo para os desmatamentos na Amazônia deve ser feito com urgência. As organizações da sociedade civil apostam no amadurecimento dos diversos segmentos da sociedade brasileira e no interesse de todos em garantir ao Brasil

as condições fundamentais para o enfrentamento da crise ambiental mundial, de modo coerente com as possibilidades de desenvolvimento efetivamente sustentável para o País.