Distantes e desgastadas, as relações do governo com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) pioraram depois da invasão aos laranjais da Cutrale no interior paulista. O episódio foi fundamental para a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre repasses de verbas federais a cooperativas ligadas ao MST, instrumento com potencial para deixar o governo sob pressão em ano eleitoral.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não recebe a direção do movimento há dois anos, considerou "primária" a ação do MST, uma "gota d'água" para manter a relação institucional "na geladeira". As reivindicações dos sem-terra têm sido tratadas pelos ministros da Secretaria Geral da Presidência, Luiz Dulci, e do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel. "O humor dele já era ruim e piorou ainda mais", relata um ministro. "O presidente está de saco cheio com eles". Lula também está irritado com as reiteradas críticas do MST, consideradas "tática do passado".
Diante disso, avalia o governo, a CPI do MST não será totalmente ruim por manter pressão sobre o movimento, o que deve levá-lo a buscar apoio político no governo e em suas lideranças no Congresso para barrar a ofensiva da bancada ruralista. "O MST tem um papel histórico importante", defende o ministro Guilherme Cassel. Na manga, o governo guarda a revisão dos índices de produtividade rural, que deve ser anunciada mais para fustigar os ruralistas da oposição do que para agradar ao MST.
No círculo próximo a Lula avalia-se, porém, que os sem-terra "não entenderam" as mudanças recentes no país. "Dá-se muita importância a eles. A sombra do MST é maior do que o real tamanho", afirma um ministro. Por esta avaliação, não haveria nenhum programa federal "pendurado" no MST. "Quanto tempo o Lula não se reúne com eles?", lembra um auxiliar do presidente. Daí a estratégia de ampliar os interlocutores. A Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf Brasil) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) ganharam espaço. "Existem tensões normais pela autonomia e táticas de ação. Em vários governos houve mais ou menos tensão. Mas a imagem da destruição foi forte, teve um apelo emocional", diz o coordenador da Fetraf, Altemir Tortelli.
A imagem do trator destruindo laranjais da Cutrale rodou o mundo e a CPI "desorganizou" o ambiente para os sem-terra, avalia o governo. "Isso deformou tudo, virou uma gritaria com essa CPI. Agora, temos que recolocar a bola no meio do campo novamente", diz um ministro.
Em defesa das ações do MST, o coordenador nacional José Batista de Oliveira reafirma a "autonomia" do movimento diante do governo. "Não é questão pessoal contra o Lula. Mas se ficar na relação de amizade, não avançamos", diz.
"Tivemos uma linha política nesses sete anos, e também nos nossos
25 anos, de autonomia frente a qualquer governo e com a pedagogia da pressão e da negociação. Não mudamos neste governo".
A divisão de poder dentro dos movimentos sociais do campo não preocupa os sem-terra. "Há uma visão coletiva. O Lula priorizou os grandes que produzem para exportação e não tem medidas mais firmes para os movimentos sociais", critica. "Não reivindicamos ser o principal ou o único, mas a sociedade reconhece que somos um ator fundamental. Cabe aos outros movimentos se fortalecerem. Mas temos unidade nessa luta", diz o coordenador do MST.
O distanciamento do presidente Lula é tratado como algo normal pelos sem-terra. "Não falamos com o Lula porque isso só acontece quando um processo de negociação já avançou", afirma. E promete intensa mobilização para combater a ofensiva da bancada ruralista na CPI. "Vamos às ruas para defender. E vamos manter a relação formal com o governo e a pressão política pela nossa pauta".
O MST acusa o governo Lula de descumprir alguns acordos. "Esse governo não manteve o avanço dos assentamentos e abandonou as metas mínimas da reforma agrária", diz José Batista de Oliveira. O governo discorda e enumera suas ações desde 2003: elevação do orçamento da reforma agrária, ampliação do crédito e da assistência técnica, compra direta da produção, criação de vários tipos de seguro e de um amplo programa de mecanização rural. "Reconhecemos alguns avanços, mas não significa que está tudo bem", devolve José Batista de Oliveira.
Na berlinda da CPI, o MST aposta na abertura de espaços dentro do governo. "Ao fazer pressão, o governo Lula abre diálogos. Tivemos avanço nessa relação na última jornada de lutas na questão dos índices de produtividade e no destravamento do orçamento para compra de terras. A confusão no debate é a ofensiva do agronegócio para reverter essas conquistas", avalia o coordenador nacional do MST.
Fonte: Valor.
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