Quem não conhece diz: até parece que estão pensando, finalmente
* Por Tony Rosa
O último dia 21/12/2007 foi coroado por mais uma empreita do governo Lula no sentido de incrementar o monitoramento e o controle “preventivo” do desmatamento ilegal nos municípios da Amazônia.
O decreto 6.321 assinado pelo presidente pretende estabelecer os municípios prioritários para as ações preventivas para controlar o desmatamento, considerando as informações coletadas em 2006, onde se destacam 32 municípios responsáveis por 45% dos desmatamentos, sendo que os critérios para enquadramento de municípios serão definidos pelo MMA, em instrução normativa.
A proposta “inovadora” é fazer, finalmente, o recadastramento de imóveis rurais, no intuito de monitoramento preventivo e integrar a gestão entre as políticas agrária, agrícola e ambiental, a partir do georreferenciamento do imóvel, a ser realizado pelo INCRA. Esta proposta, finalmente, parece ter identificado que o caos fundiário deve ser sanado, mas deve-se observar como ficará a situação dos imóveis que possuem reserva legal averbada e se o mesmo valerá para os imóveis desapropriados e se o próprio INCRA irá sanar passivos ambientais decorrentes de processos de assentamento. O recadastramento de imóveis ainda terá o seu prazo definido pelo INCRA e será elemento/requisito básico para acesso ao crédito e até mesmo para a negociação do imóvel. Vale ressaltar que os imóveis passarão a ser monitorados por satélite, algo que já vem sendo cogitado há algum tempo, mas que não tem sido muito levado a sério pelos seus detentores, que insistem em não acreditar no que, ao que parece, será um fato divulgado em uma “lista positiva”, a partir do qual o governo estabelecerá um selo oficial para que se possam selecionar produtos oriundos desses imóveis cadastrados e cumpridores da legislação. O tempo indicará se isso funcionará, principalmente nos imóveis com finalidade pecuária da Amazônia, que deu salto no montante produzido e comercializado nos últimos anos. A pecuária praticada em áreas ilegalmente desmatadas será “obrigatoriamente” embargada, impedindo a comercialização do produto produzido, proibição da obtenção de crédito em bancos oficiais, cancelamento de registro em órgãos ambientais, fiscais e sanitários, além de multa em dobro e acumulada a ser aplicada sobre o desmatamento ilegal, com inclusão do imóvel em uma lista de “infratores florestais”.
As novas autorizações de desmate só serão concedidas para os imóveis que fizerem o seu georreferenciamento junto ao INCRA, lembrando que o não cumprimento desse recadastramento implicará em bloqueio do CCIR do imóvel. Os municípios que mantiverem 80% das suas áreas com imóveis georreferenciados, excetuando as unidades de conservação e terras indígenas, e que mantiverem a taxa de desmatamento dentro dos limites estabelecidos receberão o “certificado de Município Amazônico com Desmatamento sob Controle”, o que dará acesso tanto aos municípios quanto aos detentores de imóveis neles situados a operarem instrumentos econômicos e incentivos com prioridade pelo governo federal voltados para a produção florestal, agroextrativista e agropecuária sustentável. Pobre Estado do Pará.
O mais interessante nesse decreto é a sua “hereditariedade”, uma vez que as sanções administrativas ao descumprimento do embargo do uso de área desmatada ilegalmente, será repassada a quem adquirir, intermediar, transportar e comercializar produto ou subproduto oriundo de área com embargo lavrado, quer seja o produto de origem animal ou vegetal.
A “força tarefa” criada pelo decreto sem número de dezembro de 2007, composta pela Polícia Federal, Agência Brasileira de Inteligência, Gabinete de Segurança Nacional, Advocacia Geral da União, MMA, Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública e a Casa Civil da Presidência da República, fará a revisão estratégica das rotinas dos órgãos envolvidos para promoverem as ações investigativas sobre os produtores rurais, com responsabilidade administrativa, criminal e civil, principalmente para os reincidentes, além de verificarem a cadeia produtiva vinculada ao desmatamento ilegal. Vale lembrar que o Estado do Pará está entre os primeiros a serem investigados.
O que não se verifica no decreto assinado pelo presidente Lula é alguma ação voltada para o saneamento do passivo ambiental. Todo o foco está voltado para o controle e prevenção do desmatamento ilegal, provocado pelas queimadas, uma vez que este tem sido o alvo principal das políticas públicas da União nos últimos anos de governo, pois se costuma interligar o desmatamento na Amazônia à produção de soja e à pecuária extensiva. Liga-se o problema ao fim, não se faz a leitura do processo em que a pecuária vem sendo empurrada do Centro-Oeste em função da expansão dos canaviais, devido à consolidação energética daquela região proporcionada pelos investimentos e pelos esforços do próprio governo federal. Não é possível identificar instrumentos econômicos voltados ao incentivo do reflorestamento ou ao aumento da produtividade agropecuária praticada na Amazônia, que ainda utiliza o fogo para o preparo das áreas de cultivo agrícola e de pasto, com baixa tecnificação dos produtores, principalmente daqueles enquadrados na categoria “familiar”, tanto menos traça alguma estratégia de melhoria da infra-estrutura capaz de viabilizar o transporte e o comércio da produção ou que tornasse os investimentos em “floresta” tão atrativos quanto os agropecuários, por exemplo.
O certo mesmo, pelo menos até agora, é que o governo federal realizará ações muito incisivas na cadeia produtiva atual e futura a partir das propriedades e isso irá refletir amplamente na comercialização dos produtos, porém, sem demonstrar uma política de arranjo estrutural da questão agrária, que mais uma vez fica para o segundo plano. O ordenamento territorial, num primeiro momento, está muito mais dependente do que se denomina “recadastramento de imóveis a partir do georreferenciamento”, sendo que, na verdade, os órgãos fundiários poderiam providenciar esse banco de dados a partir dos processos já internalizados, mas daria muito trabalho.
O futuro dessa medida, referindo-me ao decreto, ainda é incerto, baseado no fato de não ver nenhuma perspectiva para o passivo ambiental, como foi o caso do estabelecimento da reserva legal de 80% na Amazônia Legal ou no caso da criação de unidades de conservação, que infelizmente não conseguiram frear o desmatamento e só implicaram na fixação de “marcos zero” para a questão ambiental, sem alguma estratégia para reparar danos do passado, em outras palavras, anteriores ao estabelecimento dessas regras.
A maior característica do decreto é considerar a propriedade como unidade básica para que seja feito o recadastramento, enquanto que os projetos de assentamento, ao que parece até o momento, ficarão de fora. Ou seja, enquanto os proprietários de títulos definitivos terão que fazer o recadastramento da propriedade, nada aponta para o recadastramento dos imóveis desapropriados para fins de reforma agrária. Agora, considerando o que foi investido em PRONAF agropecuário nos últimos anos, com uma tendência de se produzir gado nos projetos de assentamento, fica consolidada, mais uma vez, que o decreto, assim como outras medidas passadas, se destina a pressionar um seguimento econômico específico que se instalou na Amazônia: a pecuária de corte. O mais contraditório é que enquanto proprietários de imóveis passarão por toda essa pressão, o governo federal nada fará para reverter a pressão que os projetos de assentamento vêm exercendo sobre a questão ambiental. Se o INCRA fará o recadastramento das propriedades, fará o mesmo para as propriedades desapropriadas para fins de reforma agrária? Entenda-se que a propriedade particular é aquela que possui título definitivo e nenhum colono possui, assim, o INCRA reconhecerá que seus projetos de assentamento, áreas de sua propriedade, não estão cumprindo a sua função social quando as famílias assentadas desmatam mais de 80%da área do Projeto de Assentamento? Não creio que isso seja um fato a se constatar, o que dará um grande prato de argumentos para a bancada ruralista, que poderá acusar o governo de adotar dois pesos e duas medidas. Quem vencerá o cabo de força?
Outra observação relevante é que o governo federal ainda insiste em desprezar a Constituição Federal e leva para si toda a responsabilidade de governança da questão ambiental brasileira. A Carta Magna brasileira, no seu artigo 23, reza que os governos federal, estadual e municipal são concorrentes nas ações das políticas públicas quanto à questão ambiental. Dessa forma, não se observam nenhum repasse ou, em outros termos, nenhuma descentralização dos assuntos ambientais para os municípios, que os tornassem partícipes desse processo de controle do desmatamento ilegal, pois todas essas informações nunca retornam para os municípios na forma de banco de dados, tanto menos, as políticas são estabelecidas com intenção de fortalecer cada vez mais a estrutura da administração pública municipal para a gestão do meio ambiente – laboratório de geoprocessamento, dados fundiários etc. Na perspectiva de uma futura internacionalização da Amazônia a ser capitaneada pelo governo Britânico fartamente divulgado pela mídia, com ampla influência de entidades internacionais sem fins lucrativos, não-governamentais, parece que a cada dia se intensifica uma tendência em alijar os municípios da gestão dos seus recursos naturais.
* Antonio Rosa é sociólogo e ambientalista. Exerce o cargo de Secretário Municipal de Meio Ambiente em Marabá.
Marabá é a maior cidade do sul do Pará, no coração do pretenso Estado de Carajás e a região foi palco de alguns dos mais dramáticos acontecimentos do Brasil no que se refere ao meio ambiente, do chamado trabalho escravo, mortes em razão da disputa pela terra, e a mais brutal transformação de uma paisagem do mundo, à exceção de Hiroshima e Nagasaki, em razão da ação descontrolada de produção de carvão ilegal para alimentar um Parque Industrial de ferro gusa.
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