Eis a íntegra do estudo encomendado pela Companhia Vale do Rio Doce para cenários no futuro próximo de interesse da mineradora no sudeste do Pará.
Por razões técnicas o blog publicará o diagnóstico em Capítulos. Leia i 1.o capítulo abaixo.
APRESENTAÇÃO
A Companhia Vale do Rio Doce, ao mesmo tempo em que amplia sua internacionalização, vem consolidando sua presença em 13 Estados brasileiros, em particular no Pará, para onde estão previstos importantes empreendimentos na região sudeste, nos próximos anos.
Para realizar estes empreendimentos de forma efetiva e socialmente responsável – atendendo aos desafios de um mercado cada vez mais competitivo e às necessidades locais de desenvolvimento integrado, equânime e sustentável – a Vale e a sua Fundação procuram conhecer melhor a região, em especial os municípios onde está presente.
Para tanto, foi contratada a Diagonal Urbana Consultoria Ltda, empresa especializada e independente, para elaborar o Diagnóstico Integrado da Socioeconomia do Sudeste do Pará.
O estudo foi realizado ao longo de 2006 e agora é devolvido ao poder público e à sociedade com o intuito de partilhar o conhecimento adquirido, validá-lo e adotá-lo como importante insumo no diálogo sobre o desenvolvimento integrado da região entre os agentes governamentais e não-governamentais.
A apresentação do Diagnóstico Integrado da Socioeconomia do Sudeste do Pará é mais uma expressão do compromisso da Vale com o desenvolvimento sustentável, buscando juntamente com o poder público e a sociedade civil o comprometimento com o futuro da região.
Companhia Vale do Rio Doce
Fundação Vale do Rio Doce
A Diagonal Urbana Consultoria atua de forma pioneira, desde 1990, na gestão social integrada, com participação das comunidades. Tem como missão contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações, utilizando metodologias que assegurem uma abordagem integrada, territorial, multidisciplinar e participativa.
Atuou em 18 países, como consultora do Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, ONU – Centro das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, empresas privadas e governos. No Brasil, desenvolveu projetos em 13 estados e 150 municípios. Está presente no Estado do Pará desde 2001, como consultora da CVRD, no Gerenciamento Social do Programa de Desenvolvimento Social e Econômico de Serra Pelada, nos diagnósticos socioeconômicos, no apoio à Agência de Desenvolvimento Econômico e Social e ao Plano Diretor Participativo de Canaã dos Carajás, onde mantém escritório desde 2003, e atualmente desenvolve, além deste estudo, diagnósticos de socioeconomia para a região de Barcarena e municípios da EFC.
Conta com equipe multidisciplinar com cerca de 250 integrantes: sociólogos, assistentes sociais, engenheiros, economistas, arquitetos e urbanistas, pedagogos, psicólogos, advogados, geógrafos, analisas de sistemas, demógrafos, etc., e trabalha em parceira com instituições como universidades, centros de pesquisa e empresas de consultoria.
A elaboração do Diagnóstico Integrado da Socioeconomia do Sudeste do Pará teve como diretriz a construção de uma abordagem global e integrada do território, que contemplasse a realidade atual e a visão de futuro em suas dimensões histórica, demográfica, econômica, social (educação, saúde, segurança pública, proteção social, organização do poder local/ instrumentos de gestão municipal) e urbana – com maior profundidade nas áreas em que a CVRD está presente e, de uma forma mais geral, de outros municípios do sudeste do Pará.
No primeiro momento, o estudo buscou compreender em profundidade qual é a realidade social e econômica atual da região, bem como qual é efetivamente a participação da CVRD na dinâmica sócio-territorial. No segundo momento, desenvolveu projeções econômicas, demográficas e da demanda dos serviços e infra-estrutura para obter uma visão de futuro da região, considerando-se as tendências de crescimento da economia – com seus dois pilares de sustentação, a agropecuária e a mineração – fortalecidas pelos investimentos previstos pela CVRD até 2010. É importante destacar que esses investimentos estão sujeitos a mudanças devido a alterações de mercado e outros fatores, fazendo com que as projeções adotadas devam ser consideradas como estimativas e cenários. Assim sendo, o conteúdo referente a segunda parte do estudo será divulgado posteriormente.
A abrangência do trabalho foi assegurada pela ampla pesquisa de campo realizada por uma equipe técnica multidisciplinar de 40 profissionais, que passou os meses de janeiro a março de 2006 na região e que também levantou dados secundários em 59 instituições e órgãos públicos e privados. A análise da realidade regional foi desenvolvida por uma equipe de consultores da Diagonal, de profissionais da Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan), e de esquisadores ligados ao Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Naea/ UFPA) e ao Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas (Nepo/ Unicamp). O trabalho foi complementado por contribuições da sociedade do sudeste paraense, obtidas por meio de 100 entrevistas com atores sociais locais, de diversas áreas e setores.
Definição da Área de Estudo
Foram estabelecidas duas áreas de estudo, uma primária – onde estão presentes os empreendimentos da CVRD, e outra secundária, que abrange os municípios que se relacionam com a área primária, especialmente no âmbito econômico.
A área primária de estudo, aqui denominada Área de Influência Direta – AID, abrange os locais onde estão presentes os empreendimentos da empresa, incluindo minas, plantas industriais, instalações de apoio e logística. A área primária abrange: os municípios de Parauapebas e de Canaã dos Carajás; a sede urbana, a faixa lindeira da EFC e o entorno do empreendimento Salobo em Marabá; e as zonas urbanas dos municípios de Curionópolis, Tucumã e Ourilândia do Norte.
A área secundária de estudo, aqui chamada de Área de Influência Indireta – AII - abrange os municípios que, segundo os estudos de rede de cidades do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais - Cedeplar/UFMG, se relacionam com a AID, pelos efeitos econômicos indiretos dos empreendimentos - os elos das cadeias produtivas acionados a partir da massa salarial e das compras na região, relação determinada pelo sistema de circulação e transportes e pela polarização regional de cidades. A área secundária compreende os municípios de: Eldorado do Carajás, São Félix do Xingu, Cumaru do Norte, Redenção, Pau D’Arco, Bannach, Rio Maria, Xinguara, Água Azul do Norte, Sapucaia, Piçarra, São Geraldo do Araguaia, Brejo Grande do Araguaia, Palestina do Pará, São Domingos do Araguaia, São João do Araguaia e Bom Jesus do Tocantins.
Na AID, a pesquisa se deu de forma mais aprofundada, incluindo levantamento de dados primários (levantados diretamente no local e tratados pela Diagonal Urbana), por meio de pesquisas de campo, além do subsídio de dados secundários (disponibilizados por instituições locais, órgãos públicos e de pesquisa reconhecidos). Na AII, a pesquisa se restringiu a dados secundários.
Os municípios de Ourilândia do Norte e Tucumã, por ocasião do início do estudo, não estavam inseridos na área primária de estudo, uma vez que o empreendimento Onça Puma passou a fazer parte do grupo CVRD posteriormente. Estes municípios deverão ter seus dados primários levantados e incorporados ao Diagnóstico Integrado da Socioeconomia do Sudeste do Pará ao longo de 2007.
O município de Eldorado do Carajás, por não ter nenhum empreendimento da CVRD no seu território, integra a área secundária de estudo. Entretanto, foi inserido no conjunto da AID, em função de sua proximidade geográfica, e conseqüente dependência das estruturas e serviços sociais dos municípios contidos nessa Área.
Os mapas a seguir permitem a visualização das Áreas de Estudo na Mesorregião Sudeste do Pará.
As comunidades indígenas, por se tratarem de uma população com dinâmica socioeconômica
e cultural própria e independente, demandam estudo específico, com grau adequado de aprofundamento antropológico, a ser realizado posteriormente. O presente Diagnóstico se deteve na análise das dinâmicas socioeconômicas urbanas e rurais, pouco afetadas pela
questão indígena.
A apresentação do Diagnóstico está estruturada em 6 volumes, contendo os estudos das diferentes dimensões abordadas:
Volume I
Volume II
Volume III
Volume IV
DIMENSÃO HISTÓRICA
DIMENSÕES DEMOGRÁFICA E ECONÔMICA
DIMENSÃO URBANA
DIMENSÃO SOCIAL
Diagonal Urbana Consultoria Ltda
SUMÁRIO
DIMENSÃO HISTÓRICA
INTRODUÇÃO
1. METODOLOGIA DA PESQUISA HISTÓRICA
2. PRIMÓRDIOS DA OCUPAÇÃO: SURGIMENTO DA CIDADE MESTIÇA DE
MARABÁ
2.1. O primeiro ciclo da borracha e a castanha
2.2. O ciclo do diamante
3. O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO NACIONAL E A GUERRILHA DO
ARAGUAIA
3.1. A decadência da castanha, o surgimento da pecuária e os conflitos agrários
3.2. A exploração dos recursos minerais
3.3. O fenômeno Serra Pelada
3.4. O fim do regime militar
4. O SURGIMENTO DE NOVOS NÚCLEOS URBANOS
4.1. Os assentamentos do GETAT
4.2. Carajás e Parauapebas, a cidade - trabalho
4.3. Curionópolis, a cidade garimpeira
5. O MOMENTO PÓS-EMANCIPAÇÃO E AS ADMINISTRAÇÕES
5.1. A emancipação de Curionópolis
5.2. Do sonho do eldorado à disputa pela terra
5.3. Canaã dos Carajás, a terra prometida
6. FONTES E BIBLIOGRAFIA
6.1. Lista de entrevistados – Canaã dos carajás
6.2. Lista de entrevistados – Curionópolis
6.3. Lista de entrevistados – Eldorado do carajás
6.4. Lista de entrevistados – Marabá
6.5. Lista de entrevistados – Parauapebas
7. BIBLIOGRAFIA
8. ANEXO FOTOGRÁFICO
INTRODUÇÃO
Este texto traz à tona os momentos históricos mais significativos da região Sudeste do Pará, nos municípios mais próximos à CVRD. Tais eventos serão retomados em outras partes do trabalho, com ênfase em diferentes aspectos – economia, demografia, presença da CVRD na região. Desta forma, apresentar-se-á aqui apenas um panorama, que objetiva situar o leitor em relação aos principais caracteres dos processos históricos da região.
Nessa direção, optou-se por privilegiar as dinâmicas sociais e organizacionais das comunidades. Não será possível, evidentemente, deixar de mencionar as questões econômicas, por exemplo – dado que a região é marcada pela sucessão de ciclos de atividades produtivas bastante claros. Entretanto, a ênfase estará na formação da comunidade pelas suas lutas.
A história é tratada neste diagnóstico como um elemento decisivo para a compreensão da realidade da região, que influencia diversos aspectos da realidade. Por essa razão, o processo histórico será tratado em três momentos distintos.
O primeiro é o presente volume, onde são tratados momentos decisivos da ocupação da região
e das cidades, dentro de uma visão mais geral, baseada na bibliografia existente e em depoimentos de pessoas que viveram os fatos, já que são recentes. No volume III, a história é focada do ponto de vista econômico, enfatizando a evolução das atividades importantes para a região. Em seguida, no volume IV, é novamente retomado o histórico, dessa vez com ênfase
nos aspectos espaciais da ocupação do território.
1. METODOLOGIA DA PESQUISA HISTÓRICA
Neste trabalho, houve a preocupação de fugir da armadilha do dualismo imposto pelas correntes predominantes no campo da história. Assim, de um lado, se está aqui afastado da “história oficial” positivista, a qual trata apenas dos “grandes nomes” e dos projetos governamentais oficiais; bem assim, se está longe da “história das estruturas”, que desemboca na obliteração do indivíduo em prol do desenvolvimento supostamente autônomo e mecânico dos processos histórico-econômicos. A intenção neste texto foi atar a formação das estruturas socioeconômicas locais à atuação dos homens que ali fazem sua história de acordo com as condições preexistentes. Assim, para exemplificar, trata-se dos muitos projetos governamentais existentes na área e que a diferenciam de outras frentes de expansão, mas também se busca mostrar aí o homem, como sofreu as conseqüências desses processos, como se adaptou a eles – e também como resistiu, surda ou explicitamente, organizada ou espontaneamente, às intervenções.
No campo oposto, este trabalho também não estará fixado numa história das mentalidades adstrita ao cotidiano de um ou outro indivíduo, na valorização dos costumes por si mesmos, na descrição do homem comum em sua vida privada tida como descolada da vida pública. Não há contradição entre indivíduo e sociedade em termos de história, isto é, nada obriga a que seja feita apenas a história do indivíduo no seu dia-a-dia ou, de outra parte, a história que exclui os atores sociais. Indivíduo e sociedade se complementam, dado que o homem é um ser social. O
elo que permite passar de um a outro é o homem típico, aquele cuja história sintetiza o percurso
de inúmeros outros. Aqui, busca-se falar dos processos, mas também dos homens que os levaram a cabo, dos trabalhadores que construíram as cidades e protagonizaram a história.
Esta preocupação se chocou com uma realidade que nem sempre é a ideal para uma pesquisa. Cite-se como um dos fatores limitadores a escassez de fontes bibliográficas, em face da recente constituição dos municípios. Este aspecto levou à opção por uma metodologia que conjugasse depoimentos sobre a história recente – fonte de informações subjetivas daqueles que vivenciaram os processos aqui referidos – com a pesquisa bibliográfica, no caso em que esta fosse disponível.
Embora diferentes, os dois modos de fazer história não são contraditórios e tampouco excludentes. Olhando-se criticamente as duas fontes, trata-se de reatar aspectos da vida humana que estão umbilicalmente ligados no dia-a-dia, mas que algumas correntes insistem em apartar: o subjetivo e o objetivo. Assim, a partir dos relatos individuais e coletivos coletados nas entrevistas, das memórias publicadas por alguns dos sujeitos da história que se investiga e de análises de caráter monográfico, interligam-se os processos mais amplos – sociais, econômicos e políticos – às experiências humanas (dificuldades, soluções, impasses, lutas, acordos, sofrimentos e alegrias) daquela população desbravadora.
Os entrevistados foram escolhidos a partir das redes de relações que mantêm com outros indivíduos ou com instituições, ou seja, por meio de agentes e agências de contatos. Não houve preocupação com a representatividade amostral dos indivíduos, algo alheio à pesquisa qualitativa. Foram buscadas pessoas que tivessem um histórico longo na região ou origens comuns com a maioria da população, ou ainda que tivessem vivido momentos históricos locais importantes. Sempre que possível cotejados com outras fontes (orais e escritas), seus depoimentos aproximam o analista, ainda que de forma mediada, de acontecimentos e situações relevantes para a população local.
Por fim, dada a estreita relação entre os acontecimentos – e em face do caráter integrado que se quis imprimir ao diagnóstico de que faz parte esta dimensão histórica –, optou-se por não apresentar a história de cada município separadamente, e sim da região como um todo, de uma rede de cidades articulada em torno de Marabá e que enfrentou (com especificidades) problemas comuns.
2. PRIMÓRDIOS DA OCUPAÇÃO: SURGIMENTO DA CIDADE MESTIÇA DE MARABÁ
Como precioso presente imerso ao leito
Várias blendas como prêmio deu a natureza
Deu-lhe o ouro, o cristal, em profusão o diamante
Na mais pura e vicejante seara de riqueza.
Hino de Marabá/Letra: Pedro Valle e Moisés da Providência Araújo
É consensual que a história da região Sudeste do Pará está atrelada à subordinação do homem à natureza – mais que isso, é desta relação que advém toda a riqueza e os conflitos existentes na região. A natureza, na sua generosidade, em vários momentos históricos proveio o homem dos meios necessários para sua existência; quando não, este criou alternativas para sua fixação naquelas terras. Esta é a tônica da história da região: a extração e a submissão à riqueza natural e a luta pelos acessos e manutenção dessas fontes.
A cidade de Marabá é a síntese desta relação, desde o extrativismo primário da “drogas do sertão”1 (canela, baunilha, pau-brasil, plantas medicinais, peles de animais, aves ou penas e pedras preciosas) nos séculos XVII e XVIII até as sofisticadas técnicas de extração mineral empreendidas em nossos dias; a existência, a ocupação, o desenvolvimento, a vida política da população local, as ações governamentais conectadas às forças sazonais, a escassez, a ação predatória estão relacionadas ao movimento de obtenção da riqueza extraída da natureza.
A tentativa de fixação de uma população naquelas plagas foi sempre alvo de imensa dificuldade. Apesar das iniciativas do Estado,é importante ressaltar que o povoamento da região nesse período não se processou dentro de um planejamento. Não havia o propósito de fazer funcionar um sistema de colonização visando demográfica e politicamente ao futuro. Era uma multidão de que se esperava apenas o rendimento material de uma produção cada vez maior. (PRADO; CAPELATO, 1985, p. 291)
1 Esta prática era incentivada pelo Estado, como relatam Maria Prado e Maria Capelato: “Ao lado da coleta das drogas do sertão, o colono deveria plantar as espécies nativas e procurar aclimatar os alienígenas. /.../ As isenções de impostos, a concessão de sesmarias como prêmios, distribuição de instrumentos agrícolas e outros elementos para o trabalho desenvolveram a produção agrária. As plantações de cacau, algodão, café, arroz, canela apresentaram um crescimento sensível a partir de então”. Foram as primeiras alternativas para ocupação da região, mas com pouquíssimos resultados, como se verá (PRADO; CAPELATO, 1985, p. 288).
Por outro lado, uma análise histórica e mesmo contemporânea parece mostrar ser quase uma característica permanente da área de que nos ocupamos estar sujeita à influência de pólos e frentes de expansão diversos, e cuja força de absorção tem variado. Afinal trata-se quase de um verdadeiro ponto de contato entre Amazônia, Nordeste e Brasil Central, o que, aliás, constitui um de seus motivos de interesse (VELHO, 1981, p. 14).
Marabá tem sua origem relacionada a conflitos políticos ocorridos em Boa Vista, atual Tocantinópolis, Estado de Goiás, no ano de 1892. Destes embates redundaram a emigração (patrocinada pelo governo) de Carlos Leitão, sua família e uma dezena de amigos pelo Tocantins abaixo. Passando sem se deter pelos locais onde hoje se situam São João do Araguaia e a cidade de Marabá, ali onde o Itacaiúnas deságua no Tocantins, aportou próximo à foz do afluente e seus amigos se postaram nas circunvizinhanças, donde nasceriam os povoados de Novilhas, Seco Grande, João
Vaz, Pontal e outros (KLUCK; VON ATZINGEN; RAMOS et al., 1984, p. 40). Deram à povoação, que não vingaria, o nome de Burgo Agrícola do Itacaiúnas, criado em agosto de 1895.
Dois nomes sobressaem neste período: o de Carlos Gomes Leitão (coronel da Guarda Nacional e várias vezes deputado) e o de Francisco Coelho da Silva (amigo de Leitão, criador de gado e comerciante). Francisco Coelho da Silva foi um desses imigrantes subvencionados pelo governo e protegidos do cel. Carlos Leitão, que tinha na atividade agrícola e no comércio de produtos os meios de sobrevivência. Estes dois homens são típicos, ou seja, caracterizam os pioneiros que ocuparam a região. O primeiro veio incentivado pelo governo do Estado do Pará, com uma “subvenção de 200 contos de réis, à proporção que os imigrantes fossem se estabelecendo em grupos de 20 famílias” (BRANDÃO, 1998, p. 253). A sua missão era fixar uma pequena população agrícola.
2.1. O PRIMEIRO CICLO DA BORRACHA E A CASTANHA
Essa tentativa de povoação, patrocinada pelo governador Lauro Sodré, obteve resultado parcial, pois amenizou a peleja, mas não conseguiu fazer que os colonos se dedicassem à produção agrícola. Um ano depois, a população do Burgo, que constava de 222 habitantes trabalhando na roça e na criação de gado, descobriu o caucho, uma árvore produtora de látex semelhante à seringueira, e a coleta de castanha-do-pará2, que tinham boa aceitação do mercado externo. Logo, trocar-se-ia a produção pela coleta/extração.
2 A castanha, fruto da castanheira, “denominado ouriço, mede 8 a 15 centímetros de diâmetro, e é revestido por uma casca espessa, dura e lenhosa”. No seu interior existem “de 15 a 25 sementes, que constituem as castanhas, as quais podem variar de 30 a 70 milímetros de comprimento. Possuem casca rugosa e irregular, e uma película fina que adere à polpa da castanha” (VELHO, 1976, p. 51).
Note-se que a extração do látex do caucho difere do caso da seringueira, pois os caucheiros acreditam que, sendo uma árvore de pequeno porte, não suportaria as incisões e precisaria ser cortada totalmente, fator que causou o seu quase desaparecimento. Conta a lenda que um dos primeiros exploradores atirou de rifle e acertou uma árvore que produziu um líquido leitoso, o qual semanas depois foi revisto como substância elástica e levado para avaliação na Capital – em pleno período de auge da exploração da borracha. Outros, porém, consideram meio fantasiosa esta versão, achando mais plausível que o conhecimento tenha vindo por intermédio de algum índio aculturado que estivesse na área junto com os civilizados, já que os índios conheciam o caucho, por eles denominados “boroc-ti”, usado como combustível em princípios de fazer fogo, já que o látex coagulado é ótimo combustível; também usavam o leite para untar a face e o corpo de pessoas para nele grudar casca de ovos de azulona moídos, o que produzia uma massa azul, de belo efeito decorativo (KLUCK; VON ATZINGEN; RAMOS et al., 1984, p. 169)3.
Francisco Coelho deu o alarme da descoberta do caucho. A divulgação desse extrativismo lucrativo propiciou a migração de milhares de pessoas oriundas de Goiás, Ceará, Maranhão e outros Estados nordestinos (MATTOS, 1996, p. 28-9)4. Este é o primeiro grande afluxo de massa humana para a região Sudeste do Pará e será repetido ciclicamente em vários outros momentos de desenvolvimento econômico: castanha, diamante, cristal, madeira, ouro, manganês, ferro, cobre. O crescimento populacional criou uma atividade comercial considerável (em especial, de víveres) e alguns comerciantes monopolizaram e intermediaram a compra das pranchas de látex produzidas pelos extrativistas, escoando-as pelo Tocantins. Em 1898, um desses comerciantes, o mesmo Francisco Coelho já mencionado, maranhense, que tinha uma casa comercial no ângulo dos rios Itacaiúnas e Tocantins, denominou seu estabelecimento de Marabá. “Era uma homenagem ao grande poeta maranhense Gonçalves Dias, autor do poema denominado ‘Marabá’” e conta-se ser esta a origem da denominação da
3 A lenda indígena sobre a descoberta do caucho é a seguinte: “Fazer fogo era privilégio só de Tupã. Porém a tribo estava necessitando do fogo e um guerreiro destemido de nome Tataitá desafiou Tupã e fez fogo para sua tribo. Tupã, sumamente indignado com a audaciosa e resoluta decisão de Tataitá, fazendo fogo por sua própria conta e risco, decretou um castigo terrível para Tataitá. Consistia em encher o jamaxi de água, carregá-lo até a ‘igaçaba’ de Tupã, no cimo da montanha, e enchê-lo novamente de água. Ora, o infeliz guerreiro mergulhava o jamaxi na água e obviamente saía a água toda pelas fendas /.../. Tataitá não podia parar e retornava ao trabalho inútil. /.../ [Iara, apiedada, disse-lhe:] ‘Tataitá, vá ali naquela árvore alta, lisa e de folhas esbranquecidas e faça com esta concha uma incisão no seu tronco. Do pequeno corte brotará um suco leitoso. Com este líquido revestirás o interior do jamaxi e não te arrependerás de seguir o meu conselho’. Tataitá tomou a concha e com ela cortou a casca da árvore indicada. Apanhou o líquido e revestiu seu jamaxi, que se tornou impermeável. Encheu-o de água e Tataitá conseguiu encher a igaçaba de Tupã e livrar-se do hediondo castigo” (BRANDÃO,
1998, pp. 343-4). Sublinhe-se a semelhança com o mito grego de Prometeu.
4 Maria Prado e Maria Capelato apresentam um quadro dramático causado pelas secas deste período: “Ondas de prosperidade contribuíam para criar um desequilíbrio estrutural na economia de subsistência à qual sempre revertia a população nas etapas subseqüentes. Tal problema estrutural tornou-se mais grave na época da grande seca de 1877-80, que fez desaparecer quase todo o rebanho da região e perecer de cem a
200 mil pessoas” (PRADO; CAPELATO, 1985, p. 291). Este painel, associado à necessidade de força de trabalho para a região, fez que houvesse uma série de incentivos governamentais para o deslocamento desse contingente populacional. Cabe observar que tal empreitada foi financiada pelo Estados receptores e também pelos que originavam a migração.
Cidade5. “É significativo que a denominação da cidade tenha uma origem adventícia, pois quase toda força criadora da região terá essa genealogia” (MATTOS, 1996, p. 28).
Eu vivo sozinha, ninguém me procura! Acaso feitura Não sou de Tupã!
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
- "Tu és”, me responde,
- "Tu és Marabá!”
Meus olhos são garços, são cor das safiras, Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar; Imitam as nuvens de um céu anilado,
As cores imitam das vagas do mar!
Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
- "Teus olhos são garços”,
Responde anojado, "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes, "Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!”
É alvo meu rosto da alvura dos lírios, Da cor das areias batidas do mar;
As aves mais brancas, as conchas mais puras
Não têm mais alvura, não têm mais brilhar. Se ainda me escuta meus agros delírios:
- "És alva de lírios”,
Sorrindo responde, "mas és Marabá: "Quero antes um rosto de jambo corado, "Um rosto crestado
"Do sol do deserto, não flor de cajá.”
Meu colo de leve se encurva engraçado, Como hástea pendente do cáctus em flor; Mimosa, indolente, resvalo no prado, Como um soluçado suspiro de amor! —
"Eu amo a estatura flexível, ligeira, Qual duma palmeira”,
Então me respondem; "tu és Marabá: "Quero antes o colo da ema orgulhosa,
”Que pisa vaidosa,
"Que as flóreas campinas governa, onde está.”
5 São vários os argumentos sobre o significado de Marabá, entre eles o de que se tratava de uma ninfa protetora dos animais, à qual os índios deveriam pedir autorização ao entrarem na floresta para caçar. Outra conta que era filha de Kunhãmrmbyra, responsável por cuidar dos prisioneiros que este porventura fizesse, inclusive oferecendo serviços sexuais (BRANDÃO, 1984, p. 237). Ainda “José de Alencar, com mais romancismo que veracidade histórica, afirmou em seu romance Ubirajara que o nome significava Filho da Guerra. Gonçalves Dias afirmou em um de seus poemas que o nome era dado a todas as pessoas oriundas do cruzamento entre o europeu e o índio” (BRANDÃO,1984, p. 83). A mais difundida é das versões é esta do vate maranhense.
Meus loiros cabelos em ondas se anelam, O oiro mais puro não tem seu fulgor;
As brisas nos bosques de os ver se enamoram
De os ver tão formosos como um beija-flor!
Mas eles respondem: "Teus longos cabelos, "São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
"Quero antes cabelos bem lisos, corridos, "Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá.”
E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem as direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:
Jamais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha, Que sou Marabá!6
Mesmo que essa situação nunca tenha ocorrido, enquanto alegoria é de uma sensibilidade extrema, pois expõe a condição de mestiço no centro do coração da Amazônia indígena. Note-se também a peculiaridade do poeta romântico que, buscando dar voz a temas nacionais, inverteu a realidade e versou sobre a dor de uma branca num meio indígena. Sabe-se que a situação mais comum era a inversa, dada a força avassaladora da conquista dos brancos7. O confronto entre os nativos e os adventícios foi freqüente, em especial, quando do avanço dos colonos para o interior da floresta, com o extrativismo de caucho e da castanha necessariamente progressiva e expansionista. Não deixa de ser interessante, entretanto, que o citado comerciante tenha se inclinado a utilizar este nome para seu estabelecimento, mesmo sem ter noção de que ali, naquele ponto pouco adequado (em face das enchentes freqüentes), nasceria a cidade mestiça de Marabá.
Retornando à atividade econômica então preponderante, a extração predatória de caucho prosseguiu até 1919, quando sua importância econômica foi abalada pela queda dos preços no mercado internacional (em função do fim da Primeira Guerra Mundial)8 e por um conflito político local entre o coronel João Anastácio de Queiroz e o intendente Pedro Peres
6 Fonte: sítio virtual Jornal de Poesia, disponível em:
7 Nos combates aos índios, destacou-se o maranhense Coriolano Milhomem, “tão conhecido nas matas da região que os índios – segundo afirmavam – conheciam os rastos de suas botas” (KLUCK; VON ATZINGEN; RAMOS et al., 1984, p. 42).
8 O produto conheceria um outro pequeno e restrito surto de desenvolvimento no período da Segunda Guerra Mundial. “Em 1942, o presidente Getúlio Vargas recrutou a tropa para uma operação de emergência que coletaria látex para os americanos. Eram 55 mil nordestinos, 30 mil só do Ceará, que fugiam da seca em busca de riqueza e honra naquela que ficou conhecida como a Batalha da Borracha”, na qual 31 mil migrantes morreram. Na região de estudo, porém, pouca importância teve este novo ciclo. Fonte:
Fontenelle. O primeiro armou a população, depôs o intendente e se estabeleceu no poder, criando uma nova gestão que primava pela coleta da castanha-do-pará, de forma que a extração de caucho como a atividade econômica entrou em decadência. Em 1920 a coleta da castanha já ultrapassaria a produção de caucho (cf. VELHO, 1972, p. 47).
Toda a infra-estrutura que havia sido montada na época da borracha (1898-1919) é transferida para exploração da castanha, de caráter menos espetacular, o que foi possível dado o fato de tratar-se de atividade econômica fundamentalmente do mesmo tipo. (VELHO, 1972, p. 48)
A população encontrava uma alternativa de sobrevivência, mas não alterava em nada seus recursos econômicos, ao contrário, fortalecia sua vocação para o extrativismo. Todavia, a exploração da castanha, mesmo usufruindo da mesma estrutura de escoamento da produção do caucho, trouxe relações novas entre comerciantes e coletores, bem como alterou a lógica da posse da terra na região. Veja-se como se deu o processo.
Num primeiro momento, os castanhais explorados não passavam de dois a três quilômetros às margens do rio Tocantins. Era uma extração ainda sem a presença de intermediários e seu escoamento era feito por barcos localizados próximo à área produtora. O castanheiro passava semanas nestes campos.
Confronto entre índios e castanheiros na região de Marabá
Fonte: MORAES, 1998, p. 79.
Os trabalhadores diretamente envolvidos no processo de coleta e venda eram: os castanheiros, os tropeiros, os barqueiros e os estivadores, além dos comerciantes de barracões. Progressivamente, cada uma dessas etapas e seus executores foram alterando suas condições de trabalho e suas relações na cadeia produtiva. Uma das mudanças mais visíveis foi a capacidade das embarcações: os batelões (até os anos
20, com mais de 20 barqueiros) foram substituídos a partir de 1923 pelos barcos com motores a diesel, que transportam de nove a 10 toneladas.
A função dos tropeiros teve sua importância diminuída, bem como a dos barqueiros, quando o transporte passou a ser feito por aviões na região dos castanhais.
Assim, entre 1920 e 1925, a coleta de castanha era feita em áreas livres nos arrabaldes da cidade; sua exploração acontecia entre dezembro e junho, com maior intensidade até março, período em que os rios, então cheios, facilitavam o transporte fluvial9. Neste momento, os barracões (casas comerciais de compra e venda da castanha) eram relativamente ineficientes, mas quando começou a coleta em castanhais mais distantes, onde os trabalhadores passavam semanas a fio, passou a ser necessário maior investimento para um controle efetivo da produção, gerando a necessidade dos barracões.
Um caso exemplar é o do memorialista Almir Moraes, que conta que em 1929 deixou a principal empresa comercial de castanha da cidade (A. Borges & Cia.) e aventurou-se à procura de novos castanhais. Montou uma expedição com um batelão (barcaça), oito homens (entre eles um mateiro), muita munição e suprimentos. Passaram-se 14 dias até chegarem ao local desejado, onde abriram trilhas e começaram a construção dos barracões. Em todo este período comiam o que caçavam do próprio mato. Passada uma semana, estavam com carga suficiente (42 hectolitros) para retornar e conseguir contratar mais castanheiros. Almir Moraes relata que tal aventura possibilitou sua existência como dono de castanhais (MORAES, 1998, pp. 10-5). Este tipo de iniciativa, entretanto, tornou-se cada vez mais rarefeito e o monopólio das zonas produtoras foi se centralizando.
O caráter fechado da estrutura do comércio ajudaria a abrir caminho para o estreitamento no controle da produção. Ainda por cima, as novas exigências em geral da exploração ampliada, com a necessidade de abertura de caminhos, a distribuição das colocações dos castanheiros, o transporte, certamente contribuíram para minar o sistema dos castanhais livres, e a justificar a sua substituição em nome da organização da produção e de uma maior produtividade do trabalho (VELHO, 1972, pp. 58-9).
O comércio criou uma nova elite econômica local que, entrando na política, modificou a relação dos castanheiros com a coleta nos castanhais livres. O controle dessa produção era predominantemente dos sírios e libaneses. Conhecidos como galegos, estes tiveram o domínio do comércio da castanha, de fazendas produtoras, da comercialização dos gêneros alimentícios e do transporte fluvial da produção nos motores, “embarcações pequenas, com 15 a 20 metros de comprimento e equipada com motores diesel de 40 a 120 hp. Seu uso vai-se tornando mais generalizado a partir de 1923” (VELHO, 1972, p. 55). Um bom exemplo disso é a “família de sírios liderada por Nagib Mutran, que se fixou em Marabá no fim da década de 1920”. Os Mutrans assumiram várias atividades comerciais e passaram a “arrendar
9 Caio Prado Jr. chama a atenção para a finalidade dos rios na região mazônica, “não pela água em si, mas pelo o caminho que oferecem. Numa forma de atividade em que as fontes de produção se dispersam irregularmente, sem pontos de concentração apreciável, não são elas, como se deu na agricultura ou na mineração, que fixam o povoador; mas sim a via de comunicação. Não é esta que procura aquele, como acontece normalmente; mas o inverso. A área que um simples colhedor de produtos espontâneos tem de abraçar é por natureza imensa; mais que isto, ela é variável, porque o esgotamento das fontes não tarda nesta forma primitiva de exploração. A via de comunicação natural e fácil como a que oferecem os cursos d’água constituirá, por isso, o único pólo forte e estável de atração do povoamento” (PRADO JR., 1972, p. 72).
ou comprar castanhais, firmando-se economicamente e entrando na política local”. Como resultado desse arranjo político e monopólio da comercialização das castanhas, a família, na pessoa de Nagib Mutran, concentrou também o poder político, passando a chefiar a administração municipal (MATTOS, 1996, p. 41)10.
Desta forma, a política desenvolvida nas primeiras décadas na região carregava nas tintas do coronelismo, prática que se caracteriza pelo monopólio da vida política por uma ou mais famílias, criando uma disputa acirrada pelo privilégio e controle das instituições do Estado para benefício dos próximos ou familiares. O controle fundiário, a concentração de poderes políticos, a troca de favores e o favorecimento nas coisas públicas eram características marcantes dessa forma de fazer política, além do confronto entre famílias pelo poder. Desta maneira, as intrigas e conflitos armados eram inevitáveis, pois havia uma manipulação das instituições do Estado em favor da oligarquia dominante.
Deodoro Mendonça era o grande líder desse sistema político e o responsável pelas mudanças da exploração dos castanhais (que, de livres ou de serventia pública, constituíram-se em propriedade privada, originando os latifúndios). Essas áreas eram de usufruto de todo o povo, mas sua manutenção nas mãos dos arrendatários era autorizada pelo prefeito. Mendonça os transferiu de forma definitiva para os seus familiares e correligionários e cassou as concessões de seus adversários. Tal prática gerou diversos conflitos e perdurou até a década de 40. O grupo de oposição concentrava-se na oligarquia Mutran e nos representantes da firma A. Borges & Cia, principal agência comercializadora de castanhas.
O castanhal teve o status de sua posse alterado; de livre área de concessão estadual para exploração ou de área arrendada foi se transformando – por meios legais – em propriedade privada. Essa transição foi marcada por interesses políticos, que favoreceram os aliados locais da oligarquia liderada por Deodoro Mendonça. Quem autorizava a conversão dos castanhais do município em propriedade privada era o prefeito, que aproveitou o ensejo para perseguir seus adversários e fortalecer seu domínio. Então, muitas das conversões foram feitas para os correligionários ou familiares de Mendonça.
A exploração e a propriedade dos castanhais resultaram em vários conflitos. As grandes propriedades originaram-se desse processo, via centralização da produção e superexploração dos castanheiros, que recebiam adiantamentos (em dinheiro ou mercadorias) na entressafra e começavam a coletar já endividados. No seu trabalho diário, o castanheiro atingia no máximo dois hectolitros, mas muitas vezes tinham essa medida fraudada (de 20% a 50%) pelos donos dos castanhais.
10 Os patriarcas da família, Kalil e Aziz Mutran, eram imigrantes libaneses que em Marabá abraçaram profissões mercantis (magarefe, marchante, fornecedores de carne bovina e outras) e ganharam destaque no ramo da castanha. Partidário da UDN, após duas derrotas eleitorais, Mutran “conseguiu em 1958 ser eleito prefeito municipal. Nessa época os castanhais pertencentes à oligarquia Mutran somavam mais de 45 mil hectares” (MATTOS, 1996, p. 41). Posteriormente, a família passou também a investir em pecuária.
Os castanhais distanciaram-se cada vez mais, suas extensões aumentaram, demandando mais deslocamentos do castanheiro e criando uma maior dependência em relação ao proprietário. Com a criação de pistas de pouso, ocorreu uma redução de 50% da mão-de-obra necessária, conseguindo-se uma maior produtividade a custos mais baixos.
É interessante e elucidativo notar que não há nenhuma menção a qualquer organização dos castanheiros enquanto categoria para defender seus interesses e se fazer representar. Também não há registro de nenhuma liderança da categoria. Pode-se inferir que o cenário de violência e o isolamento dos castanheiros na mata geraram essa situação.
2.2. O CICLO DO DIAMANTE
A cidade desenvolvia-se economicamente, embora sua estrutura urbana nas primeiras décadas do século XX fosse bastante precária. Alguns conflitos entre patrões de caucheiros e seus serviçais propiciaram a primeira diligência do governo estadual para controlar essa situação, criando em 1904, através de decreto, uma subprefeitura, que à época era sinônimo de subdelegacia de Polícia.
A cidade crescia enfrentando algumas dificuldades, como as enchentes periódicas, com destaque para ocorridas em 1906 e 1910, que destruíram barracões e casebres localizados à margem do rio. Os conflitos entre as oligarquias aumentavam e havia uma ausência de equipamentos urbanos e aparatos do Estado, criando-se um clima de instabilidade e revolta,Em 1919, com a crise da borracha, mais um conflito, desta vez de caráter político. O coronel João Anastácio de Queiroz, alegando perseguição política, depôs o Intendente Pedro Peres Fontenelle, acusando-o de autoritário. O coronel Queiroz armou a população e conseguiu um acordo com o chefe do destacamento militar, enviado pelo governo do Estado; dessa forma ele tomou o poder. (MATTOS, 1984, p. 54)
Esse enfrentamento enfraqueceu a relação da cidade com o governo do Pará e os líderes políticos locais começaram uma negociação com Goiás para serem anexados como cidade deste Estado, pressão política com que conseguiram tornar Marabá sede de Comarca. A condição de cidade só viria em 1923, conjuntamente com a anexação do município de São João do Araguaia, e no ano seguinte Marabá contava com dois mil habitantes, sempre tendo sua população variando em períodos de coleta da castanha. No período de safras, na época das chuvas, a população dobrava. Em poucas ocasiões esses trabalhadores permaneciam na região: somente depois de 1935, quando ocorreu a mineração, que deslocava a força de trabalho de uma atividade para outra. Essa foi uma característica marcante na história da região – o trabalho sazonal.
Em 1926 aconteceu uma grande enxurrada que arrasou a cidade. Conta a tradição que ainda no fim de 1925 dois pescadores e um mestre de navegação procuraram a Intendência do município avisando que haveria grande enchente no ano seguinte: “A nossa previsão é exata,o ‘aruá’ está pondo os seus ovos em pontos muito altos, nas várzeas. Ele coloca os seus ovos fora do alcance das águas da cheia. É um procedimento que aprendemos com nossos velhos pais e não falha” (MOARES, 1998, p. 87).
Os rios Tocantins e Itacaiúnas, obedecendo à previsão, começaram a encher na segunda quinzena de fevereiro e continuavam a subir em março, quando já estava alagada toda a parte baixa da cidade. “Entra o mês de abril e as águas atingem todos os pontos da cidade e alcançaram a população de menor poder aquisitivo”, que se abrigou com parentes e amigos em outras localidades. “No mês de maio, nem mesmo os telhados das casas estavam fora das águas”, conta um memorialista (MORAES, 1998, p. 88). À enchente somaram-se a queda do preço da castanha e as epidemias, agravadas pelo fato de a cidade só ter um médico.
Registre-se que a presença de cheias cíclicas dos rios Itacaiúnas e Tocantins foi fator marcante na história da cidade, produzindo uma particularização: o caráter provisório das edificações próximas às margens do rio e, no fim, de toda a cidade velha.
Enchente na Velha Marabá
retratada em nanquim – Pedro Morbach
Fonte: KLUCK; VON ATZINGEN; RAMOS, 1984, p. 144.
Ao longo dos anos 30, a cidade receberia
alguns equipamentos urbanos, como o Mercado Municipal (1931); um aeroporto (1935); e o Grupo Municipal, com seis salas de aula e um salão (1939). Em 1940 a cidade tinha uma população fixa de 2.984 habitantes. Pode-se perceber que, passadas quase duas décadas desde sua fundação, a localidade não parecia se desenvolver no mesmo ritmo que a sua economia extrativista – a partir de 1927, Marabá já era considerada a maior produtora de castanha da região tocantina. Uma explicação possível é a baixa circulação de moeda no mercado local, o fato de parte importante dos lucros ficar com os intermediários e, ainda, a população adventícia que ocupava a cidade na época da safra:
Quando termina a safra, ao entrar a seca, pára tudo, Marabá murcha e esvazia-se de milhares de sertanejos. Por isso que Marabá não tem colégios, nem hospitais, nem clubes, nem cinemas, nem estradas. Tem “bares” e desenvolvida prostituição, ativos ou paralisados, segundo o ritmo da castanha. (MATTOS, 1996, pp. 35-6)
Essa característica permaneceu até a década de 80, produzido ora pelas safras sazonais, ora pelo afluxo desenfreado de trabalhadores para a extração de minérios.
Em meados dos anos 30, foram descobertos diamantes na Praia Alta, próximo à embocadura do rio Tauiri, descoberta atribuída ao piloto de barcos Jorge Francisco. Em 1938, a população regional começou a alternar as atividades produtivas: no inverno (como os amazônidas chamam o período chuvoso do ano) atuava na coleta de castanha, e no verão, na garimpagem de diamantes, o que era facilitado porque as “Duas atividades não eram incompatíveis, uma vez que a busca de diamantes no fundo dos rios era realizada no verão, quando as águas baixam. Surgiu, assim, um importante fator de fixação da mão-de-obra na região” (VELHO,1972, p. 70). A extração de diamantes foi rapidamente aumentando, saiu dos pedrais e passou a ser realizado dentro d’água. “O rio Tocantins, ainda com muita água de enchente, não impedia a chegada de grandes contingentes de garimpeiros à procura das preciosíssimas gemas internacionalmente conhecidas como diamantes. Esses garimpeiros em sua maioria eram provenientes dos Estados de Goiás e Maranhão; enquanto isso, marabaenses também se mobilizavam parra enfrentar o rio Tocantins, em busca das preciosidades” (MORAES, 1998, p. 72).
Em 1940, encontraram-se milhares de quilates de gemas e o fluxo migratório continuou até 1942. “Até o final de 1943, foi muito fácil a captura de diamantes no rio Tocantins. Já a partir de 1944, época em que o garimpo fácil diminuiu a produção, foi adotado novo modelo de garimpagem, o escafandrismo”, cujo pioneiro teria sido Jorge Amorim, seguido de Leontino de Oliveira, Antonio Pires Borges Leal, Augusto Gonçalves, José Alencar e José Olintho Contente (MORAES, 1998, p. 72).
Seguiu-se ao escafandrismo a secagem dos poços e trechos do leito do rio Tocantins, à busca do cascalho diamantífero, modalidades de altíssimo custo. “Os canais foram invadidos pelos aparelhos de escafandros; as praias, revolvidas; os poços, secos a bomba;as grupiaras e os monchões, devassados” (MATTOS, 1996, p. 46). Segundo Otávio G.
Velho, os proprietários desses equipamentos concentravam de 50% a 60% dos lucros produzidos. Os perigos eram muitos, de forma que ocorreram inúmeros acidentes, alguns fatais (como os que tiraram a vida de Pedro Tocador, no poço do Careiro; de Guimarães, no poço das Corvinas; e de Sebastião Ribeiro, no poço das Pacas, entre outros).
Foi graças a esta atividade que Marabá sobreviveu economicamente à Segunda Guerra, pois o seu principal mercado até então, a Europa, encontrava-se devastado, sendo os Estados Unidos o único cliente neste período. Coube a Marabá, no chamado esforço de guerra, fornecer o cristal-de-rocha – resultado também do processo de mineração e utilizado na radiotransmissão - para controlar e estabilizar a freqüência das ondas sonoras.
O contrabando fazia-se então bastante presente, reduzindo em muito a contribuição dessa atividade para os cofres públicos. Desta forma, embora importante para a sobrevivência imediata da população, não trouxe desenvolvimento para a cidade. “O número de garimpeiros no Tocantins ascendeu aos 30 mil homens, que não deixaram rastros, nenhuma benfeitoria e nem mesmo novas residências em Marabá” (MORAES, 1998, p. 73).
Entre 1944 foi concluída a estrada de ferro do Tocantins (iniciada nos anos 20), que gerou vários conflitos com indígenas e causou a morte de dezenas de trabalhadores por doenças como a malária. Como resultado do término da ferrovia, em 1948 criou-se o município de Itupiranga, com o desmembramento de Marabá dos distritos de Itupiranga e Jacundá. Marabá teve sua extensão territorial e seu campo de influência reduzidos.
No final dos anos 50 instalou-se em Marabá o Banco da Amazônia S.A. (Basa), primeira instituição financeira a se instalar na cidade. O Banco do Brasil chegaria bem mais tarde, em 1964. “Juntamente com a diversificação de atividades nos castanhais e a abertura da Belém- Brasília, a presença dos bancos vai contribuir decisivamente para libertar os arrendatários de castanhal dos tradicionais comerciantes locais” (VELHO,1972, p. 85).
A população de Marabá até 1955 era de seis mil habitantes, e na década seguinte sofreu um aumento considerável; depois, dobrou de tamanho, no período de 1970 a 1980. O aumento populacional no decênio de 1960 e 1970 só não foi maior porque houve o desmembramento dos distritos de São João do Araguaia e Santa Isabel, para criação do município de São João do Araguaia.
3. O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO NACIONAL E A GUERRILHA DO ARAGUAIA
A partir dos anos 60, foi aberta a Rodovia Belém-Brasília, antiga PA 70, que cumpria a função de escoamento da produção de carne – que se iniciava na região. Era o início do processo de integração nacional que tornaria, finalmente, o Pará uma parte efetiva do território brasileiro. Também contribuíram os incentivos do governo federal para a ocupação da Amazônia, com o slogan “AMAZÔNIA: terra sem homens para homens sem terras”. Foi fomentada a ocupação da região através da divisão de lotes de terra, atração para os nordestinos. Esse movimento migratório teve como conseqüência o aumento populacional, mas sem fixação do homem à terra: os colonos vendiam os lotes em menos de um ano (por questões técnicas, falta de incentivo e solos com baixa fertilidade). Houve, porém, um incremento do mercado interno da cidade, em especial do consumo de carne, fortalecendo a pecuária.
No início da década de 70, a região atraiu militantes do PCB contrários aos governos militares, os quais acreditavam que a “revolução brasileira” deveria ser desencadeada a partir do campo, com “focos” de atuação que se espalhariam pelo País. As atividades guerrilheiras começaram em 1972 e perduraram até 1975, quando o Exército, com quase 10 mil soldados, tentou cercar os 69 guerrilheiros e alguns agricultores que os apoiavam na região.
Durante este período, houve, por parte das tropas do governo, um grande abuso de poder; várias pessoas foram mortas de forma violenta, conforme relataram posteriormente moradores da região.
Os guerrilheiros iam se integrando aos pequenos proprietários e fomentando a discussão sobre a posse da terra e os desmandos dos militares na Serra dos Martírios. Com a chegada das tropas do Exército Brasileiro à cidade de São Geraldo do Araguaia, todas as localidades no entorno foram consideradas Área de Segurança Nacional, processo que afetou as relações políticas e, acima de tudo, pôs a área sob influência direta do Exército.
Houve três campanhas militares e a última fase se caracterizou pela eliminação dos guerrilheiros, mesmo os presos com vida; alguns corpos foram pendurados em helicópteros e expostos à população local e outros foram decepados. Aconteceram ainda prisões e grande coação dos moradores locais, como forma de impedir a sobrevivência da guerrilha. “Os dados colecionados dão notícia de que cerca de 70 guerrilheiros e camponeses teriam sido mortos na soma das três campanhas” (ISTOÉ, 5 abr. 2002).
O jornalista Eumano Silva, numa série de reportagens sobre a Guerrilha do Araguaia, encontrou um morador que servia de mateiro ao Exército. No relato feito em várias
conversas, este morador (chamado Cícero) afirmou ter perdido a conta das vezes em que os agricultores locais foram pressionados, até torturados, pelos militares em busca de informações. Fornecer qualquer tipo de ajuda aos pecebistas era considerado um crime sem perdão e os castigos físicos eram bastante brutais (cf. SILVA; BRASILIENSE, 2006). São depoimentos que demonstram a disposição dos militares de encontrar os guerrilheiros, mas também como estes interagiram com os moradores locais.
As ações objetivando evitar a criação de uma zona de influência comunista ou estrangeira não foram, todavia, apenas de caráter estritamente militar. Os governos militares criaram a Lei de Segurança Nacional, interferindo na vida econômica e política da região de forma mais autoritária que em outras localidades do País11. Suas atitudes iam mais além do campo político-administrativo, tomando dimensões econômicas de que é exemplo a implantação do Programa Grande Carajás (PGC). Como apoio energético às diferentes propostas do PGC, foi construída, a partir de 1973, a Hidrelétrica de Tucuruí. Tal empreitada levou um fluxo considerável de trabalhadores e moradores para a região próxima à usina; a idéia era povoar as margens da barragem, no que não se obteve sucesso.
3.1. A DECADÊNCIA DA CASTANHA, O SURGIMENTO DA PECUÁRIA E OS CONFLITOS AGRÁRIOS
A atividade de extração da castanha-do-pará, suas dificuldades técnicas, flutuações econômicas, os conflitos entre trabalhadores e proprietários, sua expansão e a relação homem-natureza sem dúvida resumem, de forma substancial, boa parte da história dos marabaenses. Somente depois dos anos 80 essa importância se alterou.
Como vimos, o extrativismo iniciou-se desde a ocupação no final do século XIX, mas assumiu papel de suporte econômico da vida da cidade apenas a partir dos anos 1920. Já comentamos que em 1927, depois da desvalorização de anos anteriores, Marabá tornou-se a maior produtora da região tocantina. Essa atividade predominou até o surgimento do PGC, sendo a fonte da riqueza das elites de Marabá. Mas, como mencionado, o projeto de integração promovido pelos governos militares (anos 70) e a descoberta de ouro na região (início dos anos 80) produziram um grande ciclo migratório, tornando a questão da ocupação da terra central na geração dos conflitos sociais.
11 Dois exemplos ilustram e simbolizam estas atitudes: o primeiro, a mudança da denominação de Serra dos Martírios para Serra das Andorinhas, com o intuito de que o nome do lugar não fosse associado à Guerrilha; o segundo, o surgimento da liderança do major Sebastião Rodrigues Moura – que ficou conhecido pelo codinome Curió, membro da inteligência do Exército e um dos maiores perseguidores dos guerrilheiros do Araguaia.
No período de 1976 a 1979 registraram-se sete graves conflitos de terras em áreas de castanhais marabaenses, envolvendo cerca de 400 famílias de lavradores. O primeiro deles, ocorrido em sobras de terra do castanhal “Viraçãozinha”, resultou na vitória dos lavradores. A partir daí os donos de castanhais se uniram e organizaram grupos armados (pistoleiros) para defesa das propriedades (MATTOS, 1986, p. 85).
O extrativismo da castanha foi sendo feito concomitantemente ao início da atividade pecuária, ocorrida nos anos 50, mas foi com a chegada das instituições financeiras na praça
de Marabá, com linhas de financiamento para os castanhais, que a maior parte dos proprietários desviou recursos para incrementar a criação de gado.
Note-se que o Sindicato dos Castanheiros de Marabá – patronal – foi constituído em 1961 (teria sido o segundo fundado no Estado, depois do Sindicato dos Estivadores) objetivando “unir todos os produtores de castanha em um bloco homogêneo, para que em classe pudéssemos defender os interesses de todos os produtores”, “que até então agiam isoladamente”. Conta um dos fundadores que “O nosso sindicato passou a organizar a padronização do produto e a adequar a sua venda e o transporte da castanha rumo aos mercados consumidores. Passamos igualmente a pressionar o governo no sentido de fazer a preservação e a conservação dos castanhais” (MORAES, 1998, p. 108). Em 8 de outubro de 1965 esta entidade se tornaria no Sindicato Rural de Marabá, o que mostra já a influência de outras categorias de produtores, dentre as quais se destacavam os pecuaristas.
Com a crise no abastecimento de carne (ocorrido no início de 1950 em Belém), os proprietários de castanhais, que já começavam a consolidar a posse da terra, viram na criação de gado uma alternativa para complementar a coleta de castanha, criando atividades para o ano todo e fortalecendo o uso da terra. A conjugação castanha-gado consolidava a grande propriedade, pois se tratava de uma pecuária extensiva, demandando a abertura de novas áreas e propiciando anexação de mais terras às já conquistadas. Tal iniciativa também tiraria o comércio local da dependência quase exclusiva da castanha.
A espécie escolhida para aumentar a qualidade do rebanho foi a zebu (gir e nelore)12; com a compra de reprodutores de qualidade, em pouco tempo a cidade se tornou auto-suficiente em abastecimento de carne, além de produzir excedente, que seria fornecido à Capital.
Para que tal façanha fosse alcançada, foi preciso abrir pastos, desviar financiamentos, derrubar mata nativa (com utilização de queimada, mas também como fonte de renda pela 12 “O gado bovino compreende três espécies principais: O boi comum (bos taurus), o zebu ou boi indiano (bos indians) e o búfalo (bubalus
bubalis)”. No tocante à pecuária de corte, ou seja, à “criação destinada ao abate para o fornecimento de carne, as principais raças encontradas no Brasil são: Angus, Hereford, Shorthorn, Devon etc. (inglesas), Nelore, Gir, Guzerá (indianas) e indubrasileiras, Red polled, Normanda, Santa Gertudes etc. (mistas)”. Fonte: http://www.aprendaki.com.br/pe_vis.aspp?codigo=214, acessado em 28 abr. 2006.
venda da madeira) e criar pastagens, além do cercamento. Tudo isso gerou um alto custo para o fazendeiro, mas possibilitou a ampliação da sua área de domínio, bem como uma renda paralela, complementando seus rendimentos. Por todos esses aspectos, não era produtiva a formação de fazendas de gado sem uma quantidade mínima de 400 cabeças.
A força de trabalho utilizada para a confecção dos pastos e manutenção do gado era a dos antigos castanheiros. Em função das mudanças produzidas nos castanhais, ocorreu uma fixação dos trabalhadores e a diminuição da sazonalidade. Desta maneira, deslocou-se, mesmo que de forma restrita, a mão-de-obra de uma atividade para outra.
O escoamento da produção de carne era feito pela PA 70 até o término da Rodovia Belém- Brasília. A construção desta estrada facilitou o transporte e fortaleceu a produção. O aumento da atividade acirrou o conflito pela posse da terra entre os produtores, da qual uma das estratégias foi a compra de áreas (causada por endividamento junto aos bancos). Por causa disso, os proprietários que se modernizaram e trataram sua propriedade como uma empresa sobreviveram e começaram a agregar os castanhais que passavam por dificuldades financeiras. Diante destas, acelerou-se o processo de concentração na apropriação da terra ligada à castanha
e à pecuária. Com isso, deu-se uma segunda grande expropriação de produtores, a ponto de reduzir-se a cerca de metade o número de donos de castanhais (que no início desta fase era aproximadamente 90) e, mesmo dentro desse conjunto, boa parte da produção concentrou-se apenas nas mãos de uns seis grupos econômicos maiores. (VELHO, 1976, p. 87).
Percebe-se, assim, que, ao mesmo tempo em que o governo convidava os homens sem terra para ocuparem a terra sem homens, esta era progressivamente centralizada nas mãos de poucos e reduzidas as possibilidades de sobrevivência da pequena propriedade. Por isso, ainda nos anos 70 a sociedade começou a se organizar para enfrentar a nova situação. As organizações ligadas à terra tiveram origem na Comissão Pastoral da Terra (CPT), instituída em meados dos anos 70, quando não havia representação sindical relevante. O próprio regime militar determinava quem seria o presidente das entidades sindicais, como lembraram alguns entrevistados. Isso mudou nos anos 80, com as Comunidades Eclesiais de Base (CEB) e com o início da luta pela terra, que na região teve como marco a ocupação de uma área em São Domingos de Araguaia (atual Paulo Fonteles), em que houve muitas disputas. Nesse momento, segundo depoimentos de moradores, a polícia passou a atuar na repressão aos pequenos agricultores, alinhada aos grandes proprietários de terras.
Em 1983 foi criada a Cooperativa Camponesa do Araguaia e Tocantins (Cocat). Entretanto, em termos sindicais, até 1985 só havia quatro entidades grandes: São João (de que faziam parte São João, Palestina, Brejo Grande, São Domingos, Bom Jesus e Abel Figueiredo), Jacundá, Itapira e Marabá. Todos os sindicatos de trabalhadores rurais ainda estavam sob controle de indivíduos favoráveis ao governo militar e só no início da década seguinte seriam “conquistados” pelos trabalhadores tidos como mais combativos, conforme os entrevistados.
Também segundo entrevistados, em dado momento histórico, por volta de 1975, o aparato do governo militar para combate a Guerrilha do Araguaia chegou a ser utilizado na repressão aos movimentos de trabalhadores rurais. As únicas organizações sociais que tinham alguma atuação no final dos anos 70 eram aquelas ligadas à Igreja Católica: “Na prática, até 80, nós podemos dizer que o único lugar, o único espaço que o povo achava para poder ter um reforço moral, social e diria, de certa forma, política, era nas comunidades, era via Igreja”.
Nos anos 70, houve tentativa de criar um STR – Sindicato de Trabalhadores Rurais, mas a oligarquia castanheira sempre conseguiu impedir a realização da assembléia. Foi em uma igreja,
em Morada Nova, que foi criado o sindicato de Marabá”, já em dezembro de 1980 ou 1981. Os fundadores eram pessoas que estavam em área de conflito de terras. Logo depois da criação desse sindicato, Gabriel Pimenta13, o advogado do sindicato, foi assassinado, depois da defesa dos posseiros do Pau Seco, crime não esclarecido até os dias de hoje.
Fator importante, nesse período, foi a a abertura da Transamazônica e a propaganda oficial a respeito da integração nacional, não obstante tenham sido colonizados pelo Incra apenas dois mil lotes. Antes da Transamazônica a densidade de ocupação era muito pequena, de aproximadamente 0,4 morador por quilômetro quadrado” – e o conflito de terras não existia na região, “não tinha significação”, segundo a visão de entrevistados. Ao demarcar um lote, as pessoas se preocupavam apenas com a largura, não com a profundidade.
Com a abertura da rodovia, entretanto, a imigração nordestina foi maciça, principalmente do Maranhão, mas também do Piauí e Ceará. As áreas oficialmente destacadas para a colonização começaram a ficar cheias, comportando até três famílias; “o povo começou a continuar as vicinais que tinham de sete a 10 km... Eles empurraram e continuaram as vicinais e aí que começou o conflito”. Os primeiros lotes eram de 100 hectares; em 1982, com a chegada do Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), agência doadora de terras originalmente ligada ao Conselho de Segurança Nacional durante os governos militares, este quantum caiu para
50 hectares. Os nordestinos iam para lá fundamentalmente pela terra, não para encontrar trabalho. Houve um choque do nordestino, que convivia com a falta d’água, ao chegar à região, e dificuldades técnicas da adaptação das culturas, por exemplo, do arroz. A chegada da pecuária foi rápida, mesmo na pequena propriedade, com tendência maior para o gado leiteiro.
O Getat – Grupo Executivo de Terras do Araguaia Tocantins era dirigido por militares e refletia as suas preocupações em relação às zonas de fronteira. Mesmo quando o órgão foi extinto e substituído pelo Incra, sediado em Belém, os conflitos de terras não foram debelados
13 No mesmo dia da entrevista, era preso o fazendeiro Manoel Cardoso Neto, o Nelito (irmão do ex-governador de Minas, Newton Cardoso), que estava foragido havia 22 anos, acusado de ser o mandante do crime.
na região, levando à criação da subsede Marabá – o Pará teria sido, portanto, o primeiro Estado a ter duas sedes deste órgão.
Por outro lado, em termos de ocupação territorial, cabe registrar fatos peculiares. Chegar a Marabá há 30 anos, vindo de São Paulo, “Era uma volta assim como pra pré-história.”, declara um entrevistado, e talvez por isso tenha sido tão fascinante”. Assinala que, na época, o movimento era inverso: quem podia mandava os filhos para estudar fora, muitos dos quais não retornavam. Assim, o dinheiro ia para fora, Belém ou Rio de Janeiro.
Prossegue dizendo que os fatos mais importantes da cidade ocorreram nesse período de 30 anos: Marabá ficou sendo região de passagem até pelo menos uns dez anos atrás. Isso criava um ambiente sazonal, em que, por exemplo, nas férias havia maior intensidade na vida social. Lembra que visitava fazendas grandes ou pequenas e não havia árvores. Questionadas sobre o calor e da possibilidade de plantar árvores em torno da casa para refrescar, as pessoas diziam: “Ah! É provisório. Eu vou embora mesmo. Eu não vou ficar aqui. Eu tô aqui só pra ganhar dinheiro.” Não havia nem mesmo a preocupação de fazer uma casa mais confortável e até as pessoas que tinham dinheiro habitavam residências depauperadas.
Até então, Marabá era uma pequena cidade (em termos de desenvolvimento, pois era um dos maiores municípios do Estado, chegando até a atual São Félix do Xingu), maior que as vizinhas, mas isolada. “Pra chegar em Marabá ou era de barco por Imperatriz ou de Belém, antes do fechamento de Tucuruí, ou por avião. Então, a gente vivia muito isolado. No período de inverno era só de barco. A população mais pobre só podia sair de barco. Porque ônibus era impraticável. Você saía pra Belém e passava três, quatro dias atolado na estrada.”
Em 1980 coincidiram dois fenômenos importantes para a história e para a memória locais: Serra Pelada, “como divisor de águas”, e a grande enchente do rio Tocantins. Esta arrasou a economia da cidade, porque cobriu integralmente a Velha Marabá, onde ficava o grande comércio, a Câmara Municipal, a Prefeitura. Nestes perdidos incluem-se quatro mil livros do campus da USP, a maior biblioteca que havia em Marabá na época.
Arrasada pela enchente, a imagem da cidade “era uma coisa terrível”: quando as águas se esvaem “e todo mundo começa a jogar o que estragou no meio da rua parece que teve uma guerra...”. Havia, ainda, “O cheiro horrível da água podre”, a falta de alimentos (os mercados fecharam) e a quase ausência de homens: na cidade ficaram só as crianças e as mulheres, não havia médico ou dentista, pois foram todos para o garimpo.
Assim, em meio ao drama da enchente, surgiu Serra Pelada, que aparecia como a grande possibilidade de salvação econômica da cidade. O garimpo atraiu homens de todo o País e até de outros países tradicionalmente mineradores, como Guiana e Venezuela. No entender de um dos entrevistados, “se Serra Pelada salvou Marabá naquele momento, por outro lado, ela trouxe uma série de problemas a partir daí. Porque atraiu gente de todos os lugares e de todas as índoles e de todos os jeitos”. Surgiram pessoas pedindo esmolas, e a prostituição, que já existia, mas era uma coisa velada, ficou mais clara. “A violência por morte, por... questão de ouro, de bebedeira,
se acentuou... Enfim: se formos fazer um balanço, pendeu muito mais pra o lado ruim do que pra o bom, mesmo porque não deixou muita coisa ... Que vem muito dinheiro, mas não fica nada. E é verdade. Pouquíssima gente segurou alguma coisa”.
3.2. A EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS MINERAIS
A mineração já era conhecida da população de Marabá desde a época dos diamantes e cristais, como visto. Até meados dos anos 60 haviam sido feitos reconhecimentos geológicos
na região da Serra dos Carajás14, os quais ganharam dimensão empresarial a partir de 1966. A
data convencionada para a descoberta do que seria a maior jazida de minério de ferro do mundo foi 31 de julho de 1967, quando o geólogo Breno Augusto dos Santos (cuja curiosidade pela formação geológica da região já havia sido despertada por fotos aéreas que revelavam extensas clareiras em serras e platôs em meio à floresta virgem) confirmou a existência dos depósitos de minério de ferro.
A partir de então, a atividade mineradora deixava de ser uma ação isolada ou da livre iniciativa e passou a ser uma política de Estado. A região, pelas descobertas recentes na área de mineração e
por uma questão geopolítica, tornou-se área estratégica para os governos militares. Donde a grandiosidade do Projeto Grande Carajás (PGC), que incluía uma série de iniciativas na região.
Serra dos Carajás no final dos anos 70
Fonte: Arquivo pessoal de Chico Brito. Gentilmente cedido.
O PGC foi fomentado com duas grandes
obras: Hidrelétrica de Tucuruí e Estrada de Ferro Carajás (EFC). Os principais problemas enfrentados na construção diziam respeito à própria extensão da obra, como o custo financeiro, a dificuldade para a abertura da mata e de contratação de mão-de-obra e a incidência de doenças regionais. De fato, o recrutamento do pessoal encontrava sérios
14 Não deixa de ser curiosa a designação, tendo em vista que não se registram, conforme apurado, indícios de aldeias de índios Carajás na região.
Uma versão plausível é apresentada por um historiador marabaense: em 1590, uma Bandeira paulista composta por 650 homens (negros e brancos), aproximadamente, embrenhou-se pela região do Araguaia-Tocantins. Na altura da Ilha do Bananal, os bandeirantes teriam feito amizade com índios que designavam Carajás (completando o ciclo etnográfico brasileiro, brancos, negros e índios), que os guiou pela mata até tribos indígenas amigas, na altura de Xambioá. Tendo identificado nas índias artefatos feitos de ouro, solicitaram aos chefes da tribo indicativos de como encontrar mais do valioso metal, registrando tudo num Roteiro que atribuía a alcunha de Serra dos Carajás ao lócus indicado pelos índios. Ver Brandão (1998).
problemas de saúde e debilidade física para a natureza do trabalho, além da concorrência do garimpo e de suas promessas de enriquecimento fácil. Com o pouco interesse pelo trabalho, muitos dos recrutadores iam até as missas e cultos e, conjuntamente com os líderes religiosos, tentavam convencer os trabalhadores a se empregarem. Mesmo este esforço acabava tendo poucos resultados, conforme atestam os depoimentos reproduzidos no livro Histórias da Vale. Quanto às doenças, a febre amarela afetava os trabalhadores, que se recusavam a tomar os remédios ofertados pela CVRD. Somente depois da intervenção de um padre, que havia recebido uma ajuda para suas atividades na Igreja, o problema se resolveu.
A construção correu dentro das expectativas e em 1985 o presidente José Sarney fez uma viagem saindo do Maranhão em direção ao Pará. A estrada que levaria minério também levaria gente, deu visibilidade para outras localidades e proporcionou o desenvolvimento da região. Um feito marcante dessa empreitada foi a finalização da ponte (2.310 metros de extensão) em 780 dias, tornando-se a primeira ferrovia com ponte a ser construída em 20 anos no Brasil.
A descoberta de reservas de cobre (em 1977) e a instalação de indústrias siderúrgicas visando à produção de ferro-gusa e do distrito industrial, em 1988, efetivaram a atividade mineradora na cidade. Entre 1980 e 1985 a população cresceu quase três vezes, saindo de 59 mil para 140 mil (sem incluir os garimpeiros de Serra Pelada), criando sérias dificuldades urbanísticas. Mesmo com iniciativas habitacionais da Cohab-Pará e do Sistema Financeiro de Habitação, houve várias ocupações irregulares, formando diversos bairros, processo no qual se fortaleceram as associações de moradores.
3.3. O FENÔMENO SERRA PELADA
Nos anos 80, o processo de consolidação do PGC, a descoberta de ouro na região que ficou conhecida como Serra Pelada, a presença da EFC e o incremento na extração de minérios (ferro, cobre e outros) foram fortalecendo a presença humana na região. De fato, em fevereiro de 1980, a “loucura dourada” tomou conta da região. Foram encontradas algumas pepitas de ouro na Fazenda Três Barras, de Genésio Ferreira da Silva, em um lugar denominado Açaizal – rapidamente, em apenas dois meses, a área era ocupada por 10 mil homens em busca do enriquecimento.
Sem dúvida, a sedutora corrida do ouro foi o fenômeno populacional mais contundente: em apenas dois meses do surgimento da notícia, migraram para Serra Pelada aproximadamente 25 mil pessoas. A economia brasileira passava por imensa dificuldade, a população nordestina sofria com cinco anos de seca, a proximidade do Pará com a região Nordeste e o fluxo migratório existente deste o século XIX (as secas de 1877-79 e 1888-89, o esforço de guerra dos “soldados da borracha” em 1945) fizeram que aqueles sertanejos percorressem o mesmo caminho de miséria e esperança que seus ancestrais haviam pisado. Vieram numa leva tão grande que em pouco tempo (já em 1983) Serra Pelada, como ficou conhecida por sua característica geológica –
um morro sem vegetação –, estava ocupada por quase 100 mil garimpeiros.
Um barranco em Serra Pelada
Fonte: Arquivo pessoal de Chico Brito. Gentilmente cedido.
Nos primeiros meses de atividade,
infiltrou-se entre os garimpeiros o major Curió, o mesmo representante do Serviço Nacional de Informações (SNI) que havia debelado a Guerrilha do Araguaia. O major permaneceu ali pouco tempo, mas o suficiente para fazer um relatório à Presidência da República e propor um sistema de organização e intervenção do Estado. Com o retorno de Curió, agora como interventor e representante do governo, “tudo foi corrigido, a bebida, a prostituição e a exploração foram proibidas” (REVISTA GARIMPEIRO,
1983, p. 3). Curió não veio só: chegaram
com ele a Caixa Econômica, como
compradora do ouro, e algumas outras instituições do Estado como Correios, Companhia
Telefônica, Cobal – Companhia Brasileira de Alimentos, Posto da SUCAM – Superintendência
de Campanhas de Saúde Pública e o Hospital da FSESP – Fundação Serviços de Saúde, polícias
Federal e Militar e até cinema.
O controle do número de garimpeiros foi possível pelo “cercamento” dos acessos à Vila de Serra Pelada: foi criada uma guarita da Polícia Federal, que impedia a entrada de carros e de qualquer pessoa não autorizada. Mesmo com todo este aparato, encontravam-se ali 49 mil trabalhadores registrados e 51 mil furões (como eram conhecidos os garimpeiros sem carteira).
Era uma “cidade” de homens, uma “cidade” de 100 mil homens. Talvez seja esta a principal afirmativa da transitoriedade da sua existência. Era uma “cidade” maior que todas da região, chegou a ser maior que Marabá. Como acomodar tanta gente?
Suas avenidas são largas com curvas que variam pela sua necessidade, casas de palhas de babaçu, cercadas de lascas /.../. Em cada barraco construído, residem de 15 a 50 pessoas, geralmente em redes atadas para dividir melhor o espaço interno das residências (REVISTA GARIMPEIRO, 1983, p. 22).
Evidentemente, não de pode desconsiderar o transitório daquelas habitações, característica das moradias temporárias produzidas pelos sertanejos, que em caso de seca deixavam para trás sem apego algum. Isto posto, além da ausência de laços familiares, aquela área estava condenada a desaparecer com o fim do garimpo.
Com o tempo, passou a existir uma pequena infra-estrutura: lojas, barbearias, lanchonetes, açougues e armazém de secos e molhados, além de igrejas de credos diferentes. Mas, sempre aos finais de semanas, deslocavam-se às centenas para Parauapebas e Curionópolis, núcleos urbanos próximos que ainda não haviam se emancipado de Marabá. Procuravam ali suprir suas necessidades não atendidas em Serra Pelada, tais como bebida alcoólica e mulheres, e sua presença inflacionava o mercado local.
Alguns garimpeiros mais afortunados, que haviam “bamburrado” (enriquecido), chegavam nas localidades e fechavam cabarés para si e meia dúzia de amigos, enchendo o corpo das mulheres de dinheiro. Alguns, mais extravagantes, compravam carros que abandonavam já na primeira batida.
Os motivos mais banais justificavam o fretamento de aviões: conta-se que um garimpeiro esqueceu
seu chapéu e contratou um avião só para ir buscá-lo; outro, humilhado na compra da passagem no aeroporto, fretou um avião da linha comercial para levá-lo ao seu destino, viajando somente ele e a tripulação. Atualmente, “alguns desses garimpeiros que nessa época se deram ao luxo de gastar por conta, hoje estão sem nada, muitos estão sobrevivendo à custa da ajuda de outras pessoas” (SILVA,
2003, pp. 36-8). Diz o povo que o dinheiro de garimpo é maldito, que vem fácil e vai fácil – o que não significa dizer que venha sem esforço, mas que se trata de valores que um agricultor, por exemplo, nunca conseguiria em toda uma vida de esforço sob o Sol.
Oito anos depois da ocupação de Serra Pelada, entre acidentes, doenças e homicídios, somavam-se mais de mil mortes – 60% por assassinato (dados não oficiais, mas produzidos por
um delegado da Polícia Federal, apud MATTOS, 1996, p. 75). Esses dados nos dão a dimensão
da violência na região e, conjuntamente com os conflitos reivindicatórios dos garimpeiros, demonstram uma situação de instabilidade política e social. Esta conjuntura só se agravou com
a diminuição da mineração e a conseqüente desocupação daquele contingente, parte do qual passaria a buscar terras para cultivar, acirrando os conflitos agrários que hoje marcam a região.
3.4. O FIM DO REGIME MILITAR
Com as eleições de 1985, ganhas pelo PMDB de Jader Barbalho, houve uma inflexão na política do Estado. Além da possibilidade de participação política através do voto, o fortalecimento dos movimentos sociais foi algo marcante desse período, quando as associações
de bairros e sindicatos se impuseram; por outro lado, muitas lideranças começaram a se projetar
na vida político-administrativa da cidade. No tocante às administrações municipais, um entrevistado aponta a grande mudança que foi a democratização. Com o fim das nomeações para o cargo de prefeito, surgiram administrações de diversos tipos, mas todas “Com uma certa tendência a mais democracia, mais transparência”.
Isto inclusive porque, a partir de meados dos anos 80, houve um processo de auto-organização
da sociedade emergente do regime militar, especialmente em associações de bairros. Havia uma pressão latente que explodiu no momento em que houve maior liberalização, “Principalmente, eu acho, com o trabalho da Igreja Católica na região”, embora com “uma certa liberdade e autonomia em relação” a esta instituição.
Como já mencionado, os STRs eram considerados “pelegos”, mas a lei proibia a criação de outro que representasse a mesma categoria. A tomada destes sindicatos, a partir de 1985, é tida como “extremamente importante para nós”. “Com esse Sindicato, eles partiram pra briga pra conquistar a terra e conseguiram negociar, em 88, 300 mil hectares das áreas ocupadas. Passaram a ser posseiros legítimos. Aí que nasceu a idéia do Centro Agroambiental do Tocantins (CAT). Nós procuramos gente para ajudar a pensar.”
A partir de 1996, quando foi criada a Fetagri – Federação dos Trabalhadores na Agricultura, os acampamentos ganharam novas dimensões, passando a reunir dez, 12 mil pessoas e já incluindo
nas reivindicações, além da questão da terra, a da infra-estrutura, o crédito e outras, conforme relata o representante da Federação.
“As próprias políticas públicas, eu acho que a partir de 95 começou a entrar nas discussões dos movimentos tanto da cidade como do campo”, completa o entrevistado.
Chama a atenção para o fato de as últimas eleições levarem ao poder vários prefeitos ou vices que eram do PT, o que, no seu entender, “nessa região aqui foi um impacto muito grande”. Relata o processo no qual representantes dos movimentos sociais foram se entremeando nos canais oficiais: “Eu conheço muitos agricultores hoje que são secretários
– de agricultura, particularmente...”. E conclui: “Não vou dizer que é uma maravilha, mas
se a gente fizer uma comparação de 80 pra 2005, eu não tenho nenhuma dúvida que é de
se alegrar e de ter um otimismo muito grande”.
A decadência da extração de castanhas e o fim dos castanhais da região acompanhou esta seqüência de transformações. O entrevistado explica a derrubada dos castanhais pelo fato de
ter havido crescimento da demanda pela terra, pela pecuária e pela indústria da madeira. Von Atzingen complementa: “Existe uma tendência das pessoas dizerem que elas ficaram velhas. Mas uma castanheira vive 600 anos, né? Então, não fica tudo velha ao mesmo tempo”. Com o
fim do poder econômico associado aos castanhais, houve modificação no poder político e
social na região: “dos anos 30 até 60, quem era dono de Marabá era a oligarquia castanheira
Os famosos Mutran, José Almeida, Chamon e outros... Os Miranda... Não os Miranda de agora, os Miranda daquele tempo. Eles eram praticamente os donos da região naquele tempo.
E com a queda econômica deles – na prática hoje, acho que nenhum tem terra. Eles não conseguiram se adaptar. Ou venderam, foi ocupado, invadiram...”
Ele explica, desta forma, que a oligarquia dos castanhais não soube se adaptar aos novos tempos, pois estava totalmente imersa no sistema do aviamento15.
“Quem veio imediatamente depois da oligarquia castanheira foi o madeireiro – hoje, muitos se mudaram pra outro empreendimento, por exemplo, concessionária de carro.” E, segundo sua avaliação, “hoje já tá se discutindo milho, soja... Alguma coisa assim. Não sei se vai chegar até aqui a soja, porque a soja teve um baque tão grande agora que eu acho que vai ser difícil”.
Von Atzingen, presidente da Fundação Casa de Cultura, destaca dentre as diversas transformações ocorridas na região no decorrer desse período a melhoria nas estradas e no transporte aéreo, a instalação de universidades, o crescimento populacional. Sublinha que a cidade sempre foi área de grande circulação e de imigração – os ciclos migratórios coincidem com os econômicos: caucho, diamante, cristal, castanha, ouro, madeira, pecuária, ferro – estes dois últimos são os que se vive atualmente. Destaca que, curiosamente, sempre que um ciclo ia
se esgotando, outro aparecia. Entretanto, nenhum trouxe desenvolvimento sustentável: muita riqueza foi gerada, mas pouca coisa acabou ficando, avalia.
De dez anos a esta parte a mentalidade sazonal da cidade começou a mudar e a vinda de indústrias fixou as pessoas. Com a melhora na infra-estrutura, as universidades etc., “as pessoas não precisam tanto ir mais embora”, analisa Von Atzingen. Está-se inclusive começando a criar uma cultura local. Acredita que hoje já há preocupação em conservar a memória – vários donos de castanhais e de embarcações estão publicando suas memórias, algumas das quais são utilizadas neste trabalho. A produção de literatura de cordel é estimulada e de vez em quando alguém escreve ou a própria Fundação trabalha com este material na zona rural. Pode-se avaliar tal questão como parte da formação da identidade local
e diminuição da influência nordestina, predominante principalmente nos anos 80, quando, por exemplo, os cordéis eram vendidos em feiras.
Fazer esta retomada é importante, pois alinha as características básicas do breve histórico da região, um desenvolvimento atrelado a ações governamentais e à formação e manutenção de grandes propriedades rurais, seja em relação ao extrativismo, à pecuária extensiva ou à
possível transformação destes em grande lavoura monocultora.
15 A chamada oligarquia dos castanhais (cujo modus operandi seriam a perseguição, o assassinato e meios afins) permaneceria no poder,
contudo, até por volta dos anos 90, quando os Mutran deixaram os cargos eletivos, no dizer de outro entrevistado.
Também são relevantes as observações quando às particularidades políticas, em especial, o domínio rigoroso sofrido na época do regime militar, limitando e sufocando as potencialidades políticas e a participação popular. Obviamente, todo o Brasil passou por este processo, mas o caráter de Área de Segurança Nacional deixou a região mais vulnerável aos interesses dos associados ao regime autocrático.
A presença de líderes comunitários, sindicais e de partidos historicamente adversários do regime deixa claras as conquistas políticas e a participação destes nos interesses do Estado. Como diz um depoente, não se altera uma realidade social somente pela substituição do quadro político dirigente, mas pela melhor aquisição de oportunidades de trabalho e desenvolvimento social. Nestas últimas décadas, Marabá vem tentando corrigir danos causados pelas ações e omissões do Estado.
Estas fariam surgir conseqüências não previstas na tentativa de ocupação disciplinada daquela região, ainda nos anos 80. Daí a origem dos núcleos de Parauapebas e Curionópolis, nenhum dos dois planejado inicialmente nos marcos do PGC. Por outro lado, o crescimento desordenado e as dificuldades enfrentadas pelas distâncias acabaram por produzir, a partir de
meados dos anos 80, o desmembramento dessa população, como se verá a seguir.
4. O SURGIMENTO DE NOVOS NÚCLEOS URBANOS
4.1. OS ASSENTAMENTOS DO GETAT
O PGC envolvia várias frentes de ação, no processo de integração nacional, uma das quais foi a criação de assentamentos patrocinados pelo governo federal. Entre suas intenções estava o povoamento da Amazônia, a produção de alimentos para abastecimento dos centros urbanos próximos e a tentativa de dirimir o conflito por terras na região conhecida como “Bico do Papagaio”, que causava grande instabilidade e violência:
Em 1982, na tentativa de diminuir os conflitos de posse de terras e realizar a reforma agrária, o Governo Federal, por meio do Grupo Executivo das Terras
do Araguaia-Tocantins – Getat, implantou o projeto de assentamento Carajás na região Sudeste do Pará. E assim foram assentadas 1.555 famílias de colonos imigrantes vindos, principalmente, dos Estados do Maranhão, Tocantins e Goiás (LIMA, 2003, p. 17).
Conta o senhor Raimundo Nonato da Silva Conceição, técnico agrônomo a serviço da Emater que mora há 21 anos na região, que, naquela época, o órgão federal responsável era o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (Mirad)16, ao qual estavam ligados o Getat e o Incra, os quais, no crepúsculo do governo Figueiredo (e, portanto, do regime militar), desenvolveram um projeto de colonização no Sudeste do Pará.
Na região foram implantados três Centros de Desenvolvimento Regional (Cedere). A primeira área a ser ocupada (1983) foi a do Cedere 1 (oficialmente, PA Carajás 3), no entroncamento de duas VSs17, que atualmente está no município de Parauapebas. Era ali que ficavam os técnicos que dariam suporte aos demais, além do “almoxarifado para distribuir ferramenta pra o pessoal; distribuir alguns alimentos. Depósito de madeira pra construção das casas dos colonos”, como conta seu Valdivino Rodrigues do Prado.
Depois, já em 1984, veio o PA Carajás 2, mais conhecido como Cedere 2, que se localizava onde atualmente fica o núcleo central de Canaã dos Carajás e que deveria ser um pólo de
abastecimento da região. E, por fim, as últimas famílias selecionadas para o projeto chegaram
16 O Mirad tinha as mesmas atribuições que o Incra, o que gerou conflitos internos de difícil superação. Tinha como órgãos vinculados o Grupo
Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (Getat) e o Grupo Executivo de Terras para a Região do Baixo Amazonas (Gebam). Com a extinção
do Gebam, em maio de 1986, e do Getat, em maio de 1987, suas atribuições passaram ao Incra. Fonte:
Técnica e Extensão Rural (Embrater). Criada em 1974 e extinta no início do governo Collor, “coordenava as ações de assistência técnica e extensão rural no País e atuava prioritariamente sobre o processo educacional dos agricultores, o seu padrão de vida e o aumento da produção e produtividade das lavouras e criações”. Fonte:
17 As estradas recebiam as seguintes designações: VP (via principal), VS (via secundária) e uma chamada VE, na área urbana.
no início de 1985 para ocupar uma área mais próxima da Serra Norte (o PA Carajás 1, popularmente conhecido como Cedere 3, atual V. Ouro Verde). Os três Cederes foram pensados, portanto, com funções e estrutura diferentes, o que explica a diferença de desenvolvimento entre eles, somadas às dificuldades de acesso ao Cedere 3, que implicava a travessia do rio Parauapebas numa época em que não havia pontes. A história oficial de Canaã começa, então, em 1984, com a criação do Cedere 2.
Raimundo Conceição ressalta a especificidade da colonização de Canaã dos Carajás: “não foi uma terra, assim, conquistada por lutas, por essas coisas todas. Foi assim o próprio governo que colocou... que assentou esse pessoal...”, ou seja, “Eles não tiveram esse problema” da luta pela terra. Em geral, as terras ocupadas no início do projeto ainda eram de mata nativa, não produziam ainda (exceto um pouco de pastagem ao redor da sede). Havia apenas algumas regiões nas quais pessoas que chegaram em 1980 e até em 1974 produziam alguma coisa, mas “não houve conflito, não teve problema nenhum. Houve um certo acordo entre o órgão de assentamento e as pessoas que estavam aqui naquele momento” e que eram proprietários da área. Conceição destaca mais uma vez que não foram ocupações organizadas, diferentemente
da situação atual: “Não foi como hoje... nós temos a questão do movimento: se organiza, vai lá...Vê se é produtiva, se não é. Aí planeja a invasão, uma coisa assim... Não. Nada nesse sentido. O próprio órgão se encarregava de fazer isso. Quando o produtor vinha pra cá, o assentado vinha pra cá, ele já vinha já sem ter problema nenhum com qualquer tipo de proprietário.” Seu Valdivino, técnico em agropecuária, morador da cidade há 22 anos, arremata dizendo que em Canaã se procurava efetivar o slogan “Terras sem homens para homens sem terra!”. A intenção era formar um projeto-modelo de colonização que combatesse o êxodo rural e fixasse o homem na terra.
Seu Valdivino foi um dos colonos assentados no Cedere. Recém-formado, morava em Goiás e soube, pela supervisora da escola onde estudara, que o governo estava “dando terra pra técnico lá
no Pará”, lá “onde mata dez e deixa 20 amarrado pra outro dia”. Havia propaganda desta cessão
de terras, “Foi muito divulgado”, lembra. Conta que em 1983 vieram 50 técnicos como ele para colonizar a área, e mais 16 chegaram no ano seguinte, sendo espalhados pelas VSs, pois a intenção era difundir tecnologia para os colonos, “dar o suporte”, conforme seu Valdivino.
Habitação de um colono do Cedere no início dos anos 80
Fonte: Arquivo pessoal Raimundo Cavalcanti.
Gentilmente cedido.
Raimundo Cavalcanti Barros, morador desde 19 de agosto de 1983, veio para Canaã como prestador de serviços para o Getat no processo de abertura do Cedere 2 (o primeiro já havia sido concluído), atuando, ainda, na abertura do Cedere 3, parte final do projeto. Conta que havia 240 funcionários atuando na região para o Getat
e o Incra, dos quais a maioria foi embora e outros faleceram. “E eu fui ficando sozinho.
E como de fato aí só sobrou eu mesmo. Fiquei só. E tomei conta disso tudo, com muito jeito. Muito carinho.”
Relata seu Cavalcanti que o processo de assentamento era bastante organizado. O Getat designava determinados funcionários (sempre um par) para trabalhar em vários municípios de diversos Estados do País, recrutando gente para participar do Projeto de Assentamento (PA). A seleção das pessoas que seriam aceitas
no Projeto era feita pelas assistentes sociais, via cadastro, e consistia em exame médico, em saber se o candidato tinha alguma aptidão para a agricultura e se realmente não tinha nenhuma propriedade rural. Os assentados tinham seus lotes de 10 alqueires (50 hectares) atribuídos por sorteio, mas tinham um prazo para vistoriar o local e escolher outro lote, se necessário. Passado o período de seleção, completa seu Valdivino, a logística da Getat contratava uma empresa chamada Jurema, que realizava o transporte das pessoas e da mudança, em ônibus e caminhões.
Seu Cavalcanti avalia que “foi feito um serviço muito bonito. Falando sério. Entrou muita gente boa nessa colônia”. Lembra, ainda, que no início “tudo era muito bem organizado”, de forma que “Era prazeroso a gente trabalhar aqui. Só se tratava de gente boa, pessoas de responsabilidade”. A família “passava por uma rigorosa seleção”: “Quando pintava um safado, a psicologia do cara ia além de tudo e deixava ele pra lá, e assim só veio gente boa pra aqui pra terra”. Havia gente de várias partes do Maranhão, do Ceará, da Bahia, além de sergipanos, potiguares e catarinenses, entre outros.
O projeto previa que os produtores assentados teriam habitação garantida, escolas, assistência técnica, estradas prontas, uma vila (que serviria de apoio aos produtores), posto de saúde, hospital. Este, instalado no prédio onde hoje funciona a Câmara Municipal, é elogiado por seu Cavalcanti: teria “uma senhora sala de cirurgia”, “uma das melhores salas de cirurgia do
Sul do Pará”. A serviço dos colonos havia duas ambulâncias e tratores, caçamba, caminhão, formando um total de 14 veículos. A família ainda recebia os instrumentos de trabalho: foice, machado, enxadão. O projeto também previa que nos primeiros meses os assentados receberiam um salário com que pudessem se manter até a primeira colheita, bem como cesta básica. Fazia parte da estratégia do Getat assentar técnicos agrícolas na área, para agilizar o processo de plantio e também assessorar vizinhos, como mencionado.
“Então, muito disso aí, essa parte de infra-estrutura que o projeto tinha pra oferecer e não ofereceu, possibilitou praticamente o pessoal migrar pra outra região. Venderem seus lotes, venderem suas propriedades e ir embora”, conforme Raimundo Conceição. Já para seu Cavalcanti, o projeto começou a decair quando Figueiredo (1979-85) foi substituído por Sarney (1985-90): os remédios não eram mais expedidos para a região, faltava óleo diesel para funcionamento dos motores, muita coisa passou a depender de “vaquinhas” entre os colonos.
Na avaliação de Raimundo Conceição, as famílias foram assentadas dentro das condições técnicas e de infra-estrutura necessárias, “Mas só que depois não teve manutenção”. Lembra que em 1984 o índice pluviométrico era muito alto, “Acho que porque tinha muita mata aqui
na época”, e com isto as estradas e outras obras se deterioraram rapidamente. Além das estradas, acredita que o “grande vilão” que levou as pessoas a deixarem suas propriedades foi
a deficiência da educação e, em menor medida, da saúde, além da altíssima incidência de malária, já que se tratava de uma área recém-desbravada. Ainda assim, Conceição avalia a implantação dos Cederes como positiva: “eu acho que o objetivo foi atingido, porque na época que a gente chegou aqui, em 85, 86, até 87, ele era um pólo bastante forte, principalmente na produção de grãos: milho, arroz, feijão...”. Conforme suas informações, o excedente da produção “foi todo negociado pra fora; ia pra região e até pra fora do Estado”. Nem por isso, porém, foi um projeto perfeito, pois o contrato deixou de ser cumprido à risca e “muita coisa ficou pendente, porque os produtores ficaram sem assistência médica, escola...”.
O próprio assentamento é considerado o principal marco histórico da região. “O momento em que o produtor chega na sua propriedade com todas as suas dificuldades”, que era um período difícil, principalmente para pessoas que estavam migrando de várias partes do Brasil (Maranhão, Piauí e assim por diante) para uma zona de expansão recém-aberta. É um momento marcante para o assentado, que tem de se defrontar com clima diferente, com a malária, com a falta de infra-estrutura. Partia, em seguida, para trabalhar a sua propriedade de forma manual, pois não havia meios mecânicos para fazê-lo. “O cara tinha que ter braço mesmo, né?”, diz seu Cavalcanti. Jeová, ex-vereador, autor do hino do município, no qual se festeja a formação da cidade pelo povo vindo “do nosso Nordeste, do Sul e Sudeste”, lembra que era preciso “coragem desse povo de lá de Minas, de Goiás, de São Paulo, de todas as regiões do Brasil se
enfiar no meio dessa mata”, “a esperança que tiveram” ao se mudar para uma terra assolada pela malária, “sem condições nenhuma de estrada, de comunicação, de nada”. E a ameaça não
era virtual, mas bem real: “muitos amigos nossos, que vieram na época, morreram de malária, acidentados ou com outras doenças que não tinha condições de tratamento por perto”.
Seu Valdivino narra que, quando receberam a terra, “Era tudo mato. Era tudo bruto”. Os primeiros assentados receberam maior auxílio do Getat, mas para a maioria o grande benefício
era a VS no meio da mata virgem, que foi derrubada, geralmente, por meio de mutirões. A Goiás Rural, que era a empresa subcontratada pela Andrade Gutierrez, fazia uma aberturazinha para a pessoa construir a casa e os colonos se juntavam para derrubar a roça de um ou outro. Muitas vezes, além da derrubada, a limpa e a colheita das roças também era feita por mutirões, organizados pelos próprios colonos. “Era uma coisa bonita e até hoje eu tenho saudade disso.”
Os que chegaram ao segundo ou terceiro ano do projeto já não receberam madeira e nem a telha para construir a casinha de seis por sete metros. “Mas o Getat dava o carpinteiro; dava o caminhão pra levar a madeira até o lote”; quando não mais receberam a madeira, faziam-se casas de pau-a-pique cobertas com palha de anajá, diz seu Valdivino.
As primeiras famílias encontraram os problemas das doenças (a malária, próximo ao rio Parauapebas, teve efeito terrível) e da deficiência na infra-estrutura de estradas. Conta-se que a Andrade Gutierrez fez as estradas de forma descuidada, sobre córregos cobertos com madeira e barro – local onde seria, evidentemente, mais indicada uma ponte. Nas primeiras chuvas, muitas estradas desapareceram e os colonos ficaram ilhados, o que ocasionou muitas desistências. “Aqui tem regiões mais longe, de 40 km a 50 km pra vir pra cá [centro da cidade]. Quando adoecia um não tinha carro pra ir buscar. E aí trazia esse pessoal na rede”, lembra seu Valdivino. Ele, assentado na VS 58, a 30 km do núcleo urbano de Canaã (onde pegava a cesta básica e outros suprimentos, no almoxarifado do Getat), fez o percurso inúmeras vezes a pé,
por não ter bicicleta nem animal de carga.
Como se pode perceber, mesmo planejada, a infra-estrutura prometida no projeto do governo não foi cumprida, criando já nos primeiros meses dificuldades de manutenção dos lotes e para
a permanência dessas famílias na localidade. Destaque especial é dado nos depoimentos ao problema da saúde, afirmando-se que “a questão da infra-estrutura ou a questão da doença na época” foi responsável por algumas desistências. Quando o governo deu condições de trabalhar,
os assentados “deram a resposta”, ou seja, produziram muito.
De fato, seis meses depois da chegada dos colonos já havia produção. Seu Valdivino foi assentado em agosto, derrubou e queimou a mata por volta de setembro e em outubro, com as chuvas, plantou com as sementes fornecidas pelo Getat. Em quatro meses já se colhia arroz,
com 70 ou 80 dias já se tinha feijão, e o milho, com 120 dias. No primeiro ano, a produção foi para subsistência, mas a partir do segundo já começou a haver excedente para comercializar.
Segundo seu Valdivino, as vilinhas foram surgindo principalmente nos entroncamentos das vias secundárias: alguém trouxe uma máquina de arroz, outro começou a vender lanches para
os carros que passavam e assim começava a vida comercial da cidade. Naquele momento, pegavam água nos córregos ou faziam poços do tipo amazônico. Não havia eletricidade, mas os que estavam mais próximos às vias secundárias de Parauapebas começaram a puxar luz da rede. No núcleo urbano, a luz era garantida por um motor.
Seu Cavalcanti18, articulado com outros moradores, foi o responsável pela abertura das ruas
da área urbana. Também transportava a produção dos assentados via caminhão para ser vendida, até o momento em que os compradores passaram a vir buscá-la na própria Canaã. Isso “Foi quando se criou a cooperativa que hoje é onde é o Banco do Brasil aí e outro prédio que tem ali embaixo. Ali é onde a gente acomodava, armazenava os gêneros. Até se adquirir
um preço melhor na praça. Eu cuidava de tudo isso, mas eu cuidava com muito carinho, com muito jeito. Eu gostava do negócio, sabia?”
Abertas as ruas, o cemitério foi construído. Ainda hoje seu Cavalcanti mantém o hábito de registrar todos os que estão ali enterrados. A primeira sepultura guardou o corpo de Maria da Silva de Araújo, morta durante o parto, segundo ele por negligência médica. Seu enterro ocorreu em 22 de janeiro de 1985. Mal sabia seu Cavalcanti que um de seus filhos seria a nona pessoa a ser enterrada naquele cemitério, em 2 de fevereiro de 1988, na força dos seus 14 anos
de idade. Ele conta que o menino era doente quando pequeno, mas nunca mais apresentara nenhum sintoma e o acreditavam curado. Entretanto, apareceu pela região uma doença que não sabem qual era, mas cujo principal sintoma era dor de barriga e seu Cavalcanti passou a transportar pessoas numa velha caminhonete da Prefeitura de Marabá para o hospital em Parauapebas, já que em Canaã só havia três enfermeiros. Seu filho também adoeceu e logo supuseram que estava com a mesma doença de todos. Tendo transportado de Canaã para o hospital levas de oito a dez doentes por viagem, e depois os levado de volta para as respectivas casas, quando deu por si a situação do menino já não tinha retorno. Morto o menino, uns vizinhos seus, comerciantes, tomaram a iniciativa de dar seu nome à rua central da cidade, que
era a VE3 e hoje se chama “avenida Weyne Cavalcanti”.
18 Contratado para ser mecânico, seu Cavalcanti conta: “eu acho que eu nunca nem peguei numa chave pra consertar nada”, mas, em
compensação, “Eu era agente administrativo. Eu era administrador. Era motorista. Era tratorista. Eu era operador de cooperativa. Criei a associação” de moradores, aproximadamente em meados dos anos 80, a qual presidiu durante vários anos, e que depois foi substituída por outra. Cumpria, ainda, o papel de delegado: “Os pequenos problemas que aparecesse por aqui, eu mesmo resolvia da melhor forma possível”.
Weyne Cavalcanti e o registro
de óbitos mantido por seu pai
Fonte: Arquivo pessoal Raimundo Cavalcanti. Gentilmente
cedido.
A outra obra, depois do cemitério, foi a primeira cooperativa. Um serviço de correio já havia sido criado por seu Cavalcanti em 1984, que recolhia a correspondência e levava para a Serra dos Carajás e trazia as cartas de lá para entregar aos destinatários em Canaã. Depois, abriu uma agência dos Correios que funcionou durante anos na própria garagem de sua casa, sendo sua esposa responsável pelo atendimento. O posto
telefônico foi inaugurado pelo então
prefeito Faisal pouco tempo depois da morte de Weyne Cavalcanti. Antes disso, utilizavam o rádio do escritório, pelo qual se entrava em contato com Marabá. Na região não pegava nenhum canal de tv, até que eles ganharam uma torre de 80 metros da Andrade Gutierrez, que
só foi desmontada na atual administração, segundo seu Cavalcanti.
Quando chegaram na região, conta seu Cavalcanti, não havia nenhum meio de diversão. “Era cruel...”; “no início daqui o divertimento não era nenhum. Não podia... Não existia bebida alcoólica de jeito nenhum; era proibido”. Seu Cavalcanti narra que as coisas não eram fáceis e ele, que era fiscal, “me sentia acuado”: se encontrava bebida no boteco, deveria mandar recolher, mas “Aí não fazia o meu forte, não. Aí eu levava o cara no banho-maria; falava ‘Rapaz, tente sair
um pouco escondido... tu não sabe que é proibido?’”. Depois “de um certo tempo começou: uma festinha aqui, matava um aqui, outro acolá /.../. Festa pra aqui, festa pra acolá. Mas dificilmente,
de cada cinco festinha que tinha... Não. Vamos dizer: de cada 10, um dançava”.
Não havia o hábito de se reunirem à noite pra contar “causos”, como é comum no interior.
“A gente trabalhava um pra um lado, outro pra o outro; seis, sete horas da noite chegava todo mundo arrebentado”, e “o divertimento que a gente veio adquirir... era assistir novela depois que eu montei a torre”.
Esta região sempre foi tida como muito calma. Inclusive, no início, até 1985, havia guardas nas entradas e nas saídas do projeto. “Mas aquela região lá de Serra Dourada; Sossego... pra acolá, aquilo era um inferno” em meados dos anos 80. Seu Cavalcanti lembra de um delegado chamado Edson do qual teve de fazer queixa em Marabá, “Que ele tava matando por brincadeira, o próprio delegado. Ele era tão cruel, que ele mandava o cara fazer uma cova e
ele mesmo derrubava o cara dentro da cova”.
Das inúmeras histórias da época, vale mencionar a dificuldade dos transportes: quando precisava levar pessoas enfermas para serem atendidas por médicos, levava-se o doente
de rede até a beira do rio, atravessava-se de canoa e só então se entrava no carro, contando-se que a estrada estivesse transitável – senão, teria de ser carregado mesmo durante todo o caminho. Às vezes, do Posto 70 (marco a 45 km da cidade), as pessoas demoravam dois, três dias pra chegar a Canaã, carregando doente em lombo de animal, completa Araújo. Um momento de alegria, bastante aguardado pela população, foi a chegada da eletricidade, em 1992. E o telefone também, bem mais recente (já no início do Projeto Sossego), resultado de muitas reivindicações da população local: “Fomos tantas vezes, a sociedade, cobrar, em Parauapebas, Marabá, Belém...”.
Além de todas essas dificuldades, outro motivo para a evasão de pessoas dos Projetos de Assentamentos foi a valorização das terras, que começou no segundo ano; com isso, muitos assentados vendiam seus lotes (para migrantes ou para os próprios vizinhos) a preços altos e mudavam-se para Itupiranga, onde o dinheiro obtido com a venda dava para adquirir propriedades bem maiores. Isto não obstante o termo “inegociável” constar no título de ocupação. “Com 150 sacos de arroz eu comprei um lote de um vizinho”, diz seu Valdivino. Os que ficaram tiveram de ter garra e sofreram muita pressão, inclusive dos familiares, para ir embora.
As terras em que se realizaram os assentamentos eram da União, com exceção de duas fazendas que era propriedade privada e que, depois, já em fase mais adiantada do processo, foram ocupadas por posseiros e cuja situação até hoje é irregular: a Fazenda Brasília e a Fazenda Três Braças. Seu Valdivino narra que, “Na seleção das pessoas, ficou muita gente que não pegou lote”. Outro fenômeno ocorrido, de acordo com ele: “Vem uma família com lote, aí ele gostou e trouxe o tio... Trouxe o amigo... Tinha lotes que tinha cinco famílias morando”. Seu Cavalcanti acrescenta os garimpeiros como principais ocupantes, pois isto
se deu na época em que “os garimpos foram fracassando e os pessoal foram buscando lotes
pra ficar na fazenda, essas coisas”. Havia, pois, uma demanda por terras que o projeto não atendeu, donde a ocupação das duas fazendas mencionadas, que “estavam praticamente abandonadas” e seriam propriedade de políticos que não moravam na região e que não opuseram resistência à ocupação. Segundo conta Conceição, representavam grupos que pegavam o mapa e apontavam: “‘Olha, aqui é o Pará, fica bem aqui. Aqui tem essa terra, você quer?’ ‘Fecha aqui pra mim, eu quero essa aqui!”. Seriam propriedades que advinham
da posse de poder político, não de uso real.
A primeira a ser ocupada foi a Fazenda Brasília, de propriedade do Sr. Eli Bardônio – pelo que se recorda seu Cavalcanti, isto teria ocorrido em 1985. “Também uma fazenda grande, de
26 mil hectares, mais ou menos.” A ocupação, até onde se conseguiu apurar, foi espontânea.
Seu Cavalcanti narra que foram feitas tentativas de remover os ocupantes, levando-os para
São Félix do Xingu, mas ali ninguém queria ficar: “A gente levava e quando voltava tinha
200 pessoas dentro da fazenda. A gente levava e quando voltava tinha 300”. Diante da dificuldade da desocupação, o Incra tentou um acordo com Eli Bardônio, mas este não dispunha da documentação, a ocupação se expandiu e se tornou fato consumado.
Já a fazenda Três Braças tinha 30 mil hectares e, de acordo com informações de seu Cavalcanti, fora doada por Jader Barbalho e Asdrúbal Bentes, então presidente do Incra, à família formada por Dr. Rainieri, Dr. Francisco, Maria Helena e Aziel em pagamento a outra propriedade deles que havia sido invadida em Conceição do Araguaia. “O Getat cortou o projeto ao redor da área e deixou ela aqui no miolo”. Assegura que já havia três famílias morando dentro da fazenda quando ela foi doada: “a família do Zé Francisco, há mais de 10 anos lá dentro”, “tinha o finado Zé Branco” e “tinha os três irmãos, outra família grande”. Conta que, por volta de 1986, foi ocupada, “Mas foi invadida por quê? Porque os donos nunca apareceram aqui nem pra cortar um pau”. A ocupação foi organizada pelo pai de um técnico agrícola que morava em frente. Seu Cavalcanti, sem querer, acabou sendo nomeado intermediário de um recado aos donos da fazenda e capatazes, para que não fossem até o local invadido porque poderia dar em morte. Tarde da noite procurou, então, o local onde estavam acampados os responsáveis pela fazenda e lhes deu a mensagem: “Eu digo: ‘Olha, se vocês querem preservar um pouco da vida de vocês, peguem esse caminhão e vão embora agora. Porque aí tá de 1.500 homens só pra quebrar vocês’. E essa foi a mentira que eu joguei, porque não tinha ninguém. Eles tavam parados, escondido dentro da mata. Se passa alguém, eles tinham queimado”. Com esta intermediação da ocupação da atual Vila Feitosa evitou-se, assim, o que seria, até onde se sabe, o único registro grave de conflito fundiário nas vizinhanças imediatas de Canaã.
Registre-se, contudo, que, ao contrário dos demais entrevistados, que dizem que os processos
de ocupação das duas fazendas ocorreram calmamente, seu Valdivino informa que houve conflitos e até a morte de um senhor por apelido Tizico. Lembra, porém, que “dessa época
pra cá não houve mais invasão nessa região”, ao contrário do que ocorre nas cidades vizinhas.
Seu Cavalcanti aponta o ano de 1987 como aquele em que a agricultura iniciou um processo
de decadência e acabou, dois anos depois, cedendo espaço para a pecuária.
De acordo com Raimundo Conceição, foi a inexistência de uma administração municipal mais próxima que determinou a necessidade de organização da comunidade, pois “dentro de uma organização seriam mais fortes”, principalmente na área rural. A primeira associação “surgiu dessa necessidade: pra poder se organizar; poder chegar até Marabá: ‘Olha, nós queremos escolas lá. Nós queremos que as pontes sejam consertadas. Queremos que as estradas funcionem’”.
A infra-estrutura – estradas e armazéns – é fundamental para a região, pois determina as possibilidades de escoamento e armazenamento da produção agrícola, cerne da estrutura econômica até recentemente, antes da chegada dos empreendimentos minerais. Conceição conta que naqueles primeiros momentos a Companhia de Financiamento da Produção (CFP)19
era a responsável pela compra da produção agrícola local, mas os produtores tinham de se deslocar até Marabá para receber o pagamento devido. Toda a produção “tinha que passar por eles; vinham pra cá, traziam milho, arroz... Eles vinham e compravam. Tinha até aquela tabela do preço mínimo... Era a política de crescimento do governo, então a gente [a Emater] fazia essa ponte, né?”. As instalações, contudo, ficavam em Marabá e “Quando o cara ia vender sua produção lá, ele gastava mais nessa viagem do que recebia pelo produto dele”. Foi este, segundo consta, o motivador imediato da primeira organização e um ponto de partida para a criação de outras.
Distribuíam feijão para a Bahia, Tocantins, Maranhão e outros locais. O escoamento da produção era pelo sistema Conab/Sebrasem. A CVRD contribuiu, incentivando a criação da Associação Antonio Vilela (1986), construindo um armazém e cedendo um secador para quem precisasse. A Conab vinha à cidade, comprava a produção e levava Brasil afora. A Associação foi transformada em Cooperativa Agrícola em 1988, e em 1992 se transformou
em Cooperativa Agropecuária de Canaã do Carajás e Região, referência na cidade, embora
não fosse a maioria dos produtores associados.
Assinatura do convênio para
funcionamento dos Correios em Canaã
Fonte: Arquivo pessoal Raimundo Cavalcanti. Gentilmente cedido.
A liderança – ou, pelo menos,
“aquele cara que chamou pra si” a responsabilidade, que teve a idéia de criar a primeira associação –, cujo nome parece ser Gilmar, era técnico agrícola assentado pelo Getat. Conceição não destacaria outros nomes, porque não havia, segundo ele, pois seria um processo de organização coletiva. “Não era
que tinha uma pessoa, assim, não.
Todos se organizavam e iam... Se fosse pra Belém, a gente fazia comissão aqui e ia pra
Belém. Se fosse pra Marabá, ia pra Marabá.” Eventualmente participavam do processo a
Igreja Católica e as evangélicas. “Mas o forte mesmo era quando o grupo queria fazer alguma
19 Esta, ao se fundir com a Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal) e a Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazem), deu
origem à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), empresa pública, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, que iniciou suas atividades em 1991.
coisa se juntar.” A própria Emater teve papel na organização dos pequenos produtores rurais, pois “Quando o crédito rural começou a vir pra cá, um dos requisitos” é que houvesse organização. “Então, consolidou essa organização deles”.
4.2. CARAJÁS E PARAUAPEBAS, A CIDADE - TRABALHO
O que era para ser somente uma área de moradia para funcionários da CVRD, contratados para a construção da EFC, acabou atraindo vários migrantes e se tornando um núcleo urbano tendo também por perto os garimpeiros de Serra Pelada. Nascia Parauapebas, a cidade-trabalho20.
Ainda no início dos anos 80, os três primeiros bairros foram Rio Verde (início da cidade, à beira da estrada), Cidade Nova e Bairro União (planejados para atender aos trabalhadores da CVRD e empresas prestadoras de serviços). A Rua do Comércio (Rio Verde) só tinha casinhas de tábua ou plástico – se ocorresse um incêndio em uma, seria difícil controlá-lo, tão grande era a precariedade, lembram os moradores. No entanto, cumpria sua função primeira, que era a venda de mercadorias aos garimpeiros e funcionários da etapa de implantação do Projeto Ferro Carajás.
Se numa extremidade da rodovia era a atividade mercantil que predominava, na outra, nas proximidades da CVRD, encontrava-se a Cidade Nova, uma área planejada e reservada aos trabalhadores contratados pela empresa.
As condições eram difíceis, segundo Silvana Alves Amaral Santos, moradora antiga, baiana criada em Parauapebas; quando chegou na cidade, “aqui chamava ‘Se Perdi’. Tinha três ruas”. Era
um aglomerado desordenado, um pequeno comércio de beira de estrada atrelado aos recursos oriundos de Serra Pelada, sem expectativa de tornar-se uma cidade.
Alberto Machado Santos, mais conhecido como Paquinha, chegou em 23 de novembro de
1981. Conta que a Constran e a Belco estavam terminando as obras iniciais na Serra dos Carajás e que foi atraído pela propaganda da CVRD e do presidente João Batista Figueiredo, veiculada na televisão: “Serra Norte: o Desenvolvimento da Amazônia. Governo Federal Agindo”, que mostrava máquinas trabalhando no desmatamento. Quando chegou, só existiam bancas (que vendiam merenda para os peões da Constran e de outras empresas) e algumas poucas boates cobertas e tampadas de lona e pau-a-pique.
Passado pouco tempo do início da ocupação no Rio Verde, um fazendeiro chamado Valdir
20 Sobre o nome da cidade, conta uma das histórias mais difundidas entre os moradores antigos que havia um grupo de garimpeiros numa
determinada região e surgiu um peba (espécie de tatu) e correndo no meio deles, que começaram a gritar: “pára o peba! Pára o peba!” Outros dizem que o nome do rio que corta a cidade era Rio Branco, mas um homem achou um peba-canastro muito grande na beira do rio e as
pessoas não acreditavam, perguntando de brincadeira: “e o rio não parou, com esse peba maior do mundo?”. Outro entrevistado informa que
Parauapebas era o nome dado pelos próprios índios, mas que, no PGC, este ficou conhecido como Rio Branco. Os Cadernos da Educação dizem que significa “rios de águas rasas”, mas ele acha que peba é “grande” e que significaria “grande rio branco”. Já um consultor especializado indagado para esta pesquisa, Hélio Consolaro, reporta o nome a uma área onde se reuniriam os índios parauás.
Frausino tocou fogo nos barracos, relatam os moradores, mas a área foi novamente ocupada.
Os primeiros moradores se abrigaram sob a ponte, pois não havia nenhuma abertura para a cidade, só feita depois de 15 dias, quando a questão da queima de barracos amenizou. Abriram em mutirão primeiro a Rua Tocantins, só um pique, acreditando que seria a principal, e cada um ergueu seu barraco. Os primeiros foram feitos de madeira roliça, porque não existia serraria, e só no fim do inverno de 1981 para 1982 é que passou a entrar muita madeira serrada trazida de Marabá.
Chico Brito21 informa que um incremento na cidade aconteceu em 1982, quando uma grande enchente parou o garimpo inteiro; quem tinha condição foi embora para voltar depois e quem não tinha ficou. Alguns comerciantes resolveram vir de Curionópolis, cujas atividades econômicas estavam paradas, colocar banquinhas no Rio Verde, onde havia todo fim de
semana os pagamentos de salários de Carajás.
Parauapebas no início dos anos 80
Fonte: Arquivo pessoal Chico Brito. Gentilmente cedido.
Pedro Newton Torres Araújo, cuja família é de nordestinos do Piauí e do Maranhão, está na cidade
desde 1985, momento em que já existia a corrutela22 formada pela Avenida do Comércio, pela Rua Rio de Janeiro até chegar às duas escolas (Paulo Fonteles e Eduardo Angelim), próximo da Ponte; algumas casas nas ruas próximas do centro; na Cidade Nova, o Colégio havia sido recém-construído
pela CVRD e cedido ao município, bem como o hospital (hoje Hospital Municipal).
21 Chico Brito chegou em março de 1981, a convite da Diretoria da CVRD. Veio para organizar o sistema de custos, pois a obra estava
começando. Ficou um ano em Carajás, como combinado, tendo 15 dias de folga a cada dois meses. Ao fim do ano foi fazer a administração
das obras de Marabá até a barreira da Serra, monitorando a construção das PAs, das linhas de transmissão de Serra Pelada para Carajás, da ponte do Tocantins e da ferrovia. Ficou mais um ano em Marabá, momento em que foi nomeado administrador do distrito de Parauapebas.
22 Expressão regional, principalmente de Goiás, que se refere a aglomerações temporárias de garimpeiros.
Havia uma ausência de infra-estrutura básica, faltava água e o rio – hoje conhecido como “Sebozinho” – era usado para todas as atividades: banho, lavagem de roupas, para beber. Já a Cidade Nova sempre foi um bairro mais organizado, contam os moradores. De fato, foi o único núcleo habitacional planejado, já que os outros surgiram de ocupações irregulares, como o Bairro Liberdade e o da Paz, só para citar alguns.
As dificuldades de toda cidade-rebento são encontradas neste momento: violência, problemas
de comunicação, falta de iluminação, de saneamento, de educação e saúde. Todas as articulações vieram para suprir essas necessidades paulatinamente, via associações de bairros, principalmente. Quanto Chico Brito se tornou administrador do distrito (indicado pelos políticos de Marabá e aprovado diretamente pelo presidente João Batista Figueiredo), veio a energia e lentamente outros benefícios foram chegando, em especial para aqueles que não trabalhavam para a CVRD.
Com a presença do administrador distrital, chegaram a Escola Gen. Euclydes Figueiredo, o primeiro posto dos Correios (em Rio Verde), tratamento de água, coleta de lixo (feito por carroças), quartel da Polícia Militar e uma equipe da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública - SUCAM, além de um posto de telefonia (PARAUAPEBAS EM REVISTA,
1994, p. 8). Este último oferece um bom exemplo do grau de adversidades enfrentadas e como as soluções comunitárias foram importantes: seu Valdeci relata que Chico Brito havia reservado um quarteirão do Bairro União e o doou à Telepará, em 1984, mas a empresa alegou não ter condições de levantar o prédio em Parauapebas e também não havia torre de telefone. Então, no ano seguinte, foi feita uma reunião para pedir o apoio de todos e os próprios moradores construíram em mutirão o prédio onde ainda hoje está a Telemar (nas ruas 11 e 10), com doações feitas pelos comerciantes e com uma torre abandonada que foram buscar em Xinguara. “Aquela casa ali foi construída com o suor do povo de Parauapebas, não
foi a Telepará, não”. Por ser uma terra de migrantes, a comunicação era imprescindível: “a necessidade obrigou nós construir, porque um morava em Minas Gerais, morava outro em Goiânia” 23, assim encerra seu Valdeci esse episódio.
Para “Paquinha”, a questão mais marcante no processo de urbanização foi a chegada da eletricidade: eles ficaram durante quatro anos “no escuro, olhando a luz à-toa lá do outro lado, na Cidade Nova” e sem ter com que se alumiar (não havia nem como puxar “gato” num primeiro momento).
A CVRD projetou a Cidade Nova para as pessoas que chegassem como apoio (ou seja, para
23 Complementamos esse argumento com a história de D. Arlita, mulher de seu Mundico, moradora da Av. do Comércio, que se
encarregava de recolher as cartas e encomendas, pesar, receber e levar para a Serra de Carajás para pôr no correio.Também recolhia as correspondências que houvesse para a cidade e as entregava. Às vezes, também escrevia cartas para algumas pessoas. Levava um dia para botar as cartas no correio, pois as filas em Carajás eram muito grandes. Aí começou a haver um descontentamento e reivindicações para instalação de um serviço de correio local, pois não se recebiam telegramas etc. “Energia, telefone, tudo aqui foi uma luta nossa.”
prestadores de serviços, e não para funcionários, que morariam no Núcleo Urbano de
Carajás). Havia exigência de que as construções fossem de alvenaria, mas nem havia fábrica
de tijolos na região (o material de construção vinha de Marabá). Chico Brito afirma ter negociado para tentar colocar as melhores construções na frente da pista, bem como o comércio pesado, pois algumas ruas foram construídas para agüentar trânsito de carretas, outras não. Por sua vez, o Núcleo Urbano de Carajás foi inaugurado em 1988 para dar residência aos funcionários da CVRD, tendo sido antecedido pela Vila de N5, que abrigou os trabalhadores da fase de construção do Núcleo.
Aos poucos as coisas iam caminhando na direção certa, nos dizeres de Chico Brito, mas o já citado protesto dos garimpeiros “bagunçou o coreto”. Esse fato está relacionado à assinatura
da Lei Curió, em 1983, já mencionada neste histórico, quando os garimpeiros fecharam as vias de acesso e tomaram as principais cidades da região – entre seus objetivos estava invadir
a Serra dos Carajás, asseguram os moradores. Conta Aziz Nacib Ab’Saber, geógrafo e professor livre-docente da USP, que os garimpeiros “depredaram a cadeia dentro de Parauapebas, e depois rumaram para o hospital /.../ desistiram e foram para a escola, a única
da região, e a diretora também os enfrentou: ‘não vão queimar, não. Se fizerem isso estarão queimando o futuro do seus filhos’”. Então, pararam com o processo e resolveram subir a serra rumo a Carajás” (CVRD, 2002, p. 150). Importante observar que os garimpeiros atacaram os equipamentos urbanos pensando serem da CVRD, pois desconheciam que todos
já havia sido doados para o município de Marabá.
Prédio público destruído pela Revolta dos Garimpeiros
Fonte: Arquivo pessoal Chico Brito. Gentilmente cedido.
Foi a partir desses acontecidos que se desencadeou o processo de emancipação de Parauapebas, fruto de muita luta e organização dos seus moradores. Isto porque, segundo conta o então administrador Chico Brito, pediu ajuda à Prefeitura de Marabá, pois não havia como manter o funcionamento da cidade com os prédios públicos totalmente destruídos, e recebeu uma negativa como resposta. Porém, havia uma lei aprovada pela Câmara que rezava que 10% da arrecadação de Carajás deveriam ser devolvidos em forma de obras, benefícios, pagamento de pessoal de Parauapebas. Isso nunca foi efetivado e se conseguia tocar a administração sem esse dinheiro, afirma, mas, com a depredação da cidade, os valores se fizeram necessários para a reconstrução. Com o quebra-quebra, Chico Brito foi cobrar dos políticos de Marabá os 10% de impostos que não haviam pago, o que recusaram. Diante da negativa, disse: “vocês não querem perder 10%, vão perder 100%, porque eu vou começar
um movimento e vou separar a cidade”.
“Paquinha” lembra que em 1984 houve a primeira eleição para prefeito de Marabá pelo povo, que levou à chefia da administração municipal Hamilton Bezerra24. Os moradores de Parauapebas ficaram indignados com a frase da vice-prefeita Adelina em resposta à cobrança que faziam de benefícios: “primeiro eu vou cuidar de casa [Marabá], depois eu vou cuidar do quintal
[Parauapebas]”. “Isso virou uma ferida muito inflamada no coração dos parauapebenses”, arremata seu Ivo Gama. O clima de inconformidade política estava na pauta do dia.
Desde junho/agosto de 1984 até 1985 foi muito difícil a articulação para a emancipação, conforme narram: reuniam-se apenas umas 10 pessoas, representando partidos políticos, sindicatos etc., mas o processo não disparava. Muita gente trabalhou contra, dizendo que era jogo político, que era inconstitucional. Alguns episódios ocorridos em 1986 facilitaram o convencimento das pessoas no sentido de buscar a emancipação, como o da véspera de eleição de 1986. Em 1985 apareceram dois candidatos a deputado estadual que tinham voto
na área: Giovanni Queiroz, do PDT, e Carlos Cavalcanti, do PMDB, partido do governo. Negociaram com este último o apoio à candidatura em troca do compromisso de lutar pela emancipação. Foi-lhe dada toda a documentação pronta e seu primeiro ato após eleito foi apresentar o requerimento pela criação do município de Parauapebas.
O processo continuou com a verificação dos valores de arrecadação municipal, do número de habitantes, a feitura de abaixo-assinados e outras ações legalmente necessárias. De tal forma que, eleito, o deputado Carlos Cavalcanti pegou toda a documentação já pronta e encaminhou projeto de lei pró-emancipação de Parauapebas. A comunidade começou, então, a se
interessar mais e passou a acompanhar de perto, indo a Belém, participando das arrecadações
24 Na verdade, como área de segurança nacional, Marabá só teve a primeira eleição para prefeito em 1985 (os outros municípios, em 1982),
que foram ganhas pelo PMDB. Até então, o prefeito era indicado pelo governo federal.
para financiar as viagens etc. Tendo sido concluído o processo na Assembléia Legislativa, esta o enviava para a Câmera de Vereadores do município-mãe, a qual deveria emitir um documento concordando com a marcação da data do plebiscito. Marabá inicialmente se recusou a fazê-lo, mas negociações políticas envolvendo possíveis candidatos de Parauapebas levaram os administradores e vereadores marabaenses a repensar sua postura.
Uma liderança do Bairro Liberdade explica a emancipação assim: “nas imediações de 86, 87, então, foi dado início ao plebiscito”, num momento em que “o Brasil ia entrar na década de voto, era o povo que queria, o voto direto”. Influenciou na decisão pela emancipação o fato de que “a distância era muito grande, a dificuldade muito grande pra ir pra Marabá, tudo tinha
que ir pra Marabá, termos de documentação” e tudo o mais.
População de Parauapebas se mobiliza pela emancipação
Fonte: Parauapebas em Revista.
De início, Curionópolis também quis se emancipar com Parauapebas, mas depois resolveu fazê-lo
separada e paralelamente – o que foi considerado bom, pois seria um peso em termos de gastos para Parauapebas. O conhecimento popular toma a data do plebiscito como o próprio movimento
de emancipação, pois não se recorda de todo o trabalho prévio para motivar e convencer a população local (então, 35 mil pessoas). A consulta popular aconteceu em 24 de março de 1988,
com 111% de votos “sim” e uns 2% “não”: como não havia fiscalização, todo mundo podia votar
quantas vezes quisesse, tão deslavadamente que os organizadores pediram para alguns votarem não para não ficar tão evidente, contam os moradores antigos, aos risos.
Fica patente nos relatos que a vitoriosa campanha emancipatória se deveu aos arranjos políticos e à pressão de alguns homens influentes junto à Assembléia Legislativa, mesmo a população tendo participado plebiscitariamente. Por isso, a ironia na menção das percentagens: se fosse séria a votação, algo estava errado no resultado. Ou seja, a cidade já estava emancipada antes da consulta popular.
4.3. CURIONÓPOLIS, A CIDADE GARIMPEIRA
A cidade nasceu sob o signo da “loucura do ouro”. Originária do entroncamento do km 30, área reservada para o comércio improvisado, com intuito de atender às necessidades dos garimpeiros que trabalhavam na Serra Pelada, teve seu desenvolvimento umbilicalmente ligado à exploração do garimpo.
Houve uma ocupação singela no período da construção da PA 275, quando algumas famílias
se fixaram às margens da recém-aberta rodovia, como conta um entrevistado na região:
Quando foi em 76, a Vale do Rio Doce começou uma estrada que dava da PA 275 a Carajás. E essa estrada saiu e a gente fez um acesso; da onde nós morava até a Estrada de Carajás era 7 km, nós morava retirado da estrada. Da fazenda que a gente morava, que era a Fazenda do Bom Jesus do Ninho, outro fazendeiro que hoje é proprietário dela, com o passar do tempo, essa pessoa que nós trabalhava, que era o seu Dimas, vendeu a fazenda e nós, em
77, nós viemos morar na beira da estrada. O pai passou a ser gerente dessa fazenda do S. Sebastião Naves.
Estes pioneiros relatam que as primeiras famílias chegaram à área motivadas pela abertura de estradas, mas que ainda não caracterizavam uma ocupação significativa: eram ações isoladas que geravam algumas lanchonetes de rodovia. Nesta época, a área era conhecida como Serra Leste, denominada assim por um projeto da CVRD (somente quando da garimpagem chamaram de Serra Pelada, por desconhecerem a denominação dada pela Companhia).
Nos primeiros anos da exploração do ouro, até 1983, Curionópolis era o centro da movimentação dos garimpeiros. Nos dias de semana, depois das atividades de mineração, a região era ocupada pelos trabalhadores, que vinham para a localidade aliviar as tensões do garimpo. Para tal fim, encontravam os serviços de prostituição e o contrabando de bebidas alcoólicas, tendo em vista a proibição que vigorava na Serra. Neste clima de tensão, sempre aconteciam brigas e assassinatos.
O saldo dos finais de semana podia ser contabilizado ao amanhecer de segunda-feira, com cinco ou seis cadáveres anônimos espalhados pelas ruas. Em geral esses crimes não se constituíram em processos, para apuração de responsabilidades. /.../ O estigma da violência foi tão forte que, naquele período, as pessoas referiam-se a Curionópolis como “30” de dia e “38” à noite, numa clara alusão ao calibre do revólver (SILVA, 2003, p. 15)
A procura do ouro, a violência gerada pelo garimpo e a migração em grande escala foram as marcas iniciais da formação da cidade. É possível observar, pela descrição acima, que a impunidade e a violência campeavam a localidade.
O “30”, como era conhecida a área de comércio e da moradia, era composto de alguns familiares de garimpeiros e de pessoas que não conseguiam participar diretamente do garimpo, vivendo, inicialmente, de forma improvisada em barracas de lona, papelão, plástico preto ou palha. No entanto, começam a surgir pensões, bares e boates. No “31” ficava concentrada a zona do meretrício, com mulheres vindas em grande quantidade do Maranhão; normalmente eram separadas (abandonadas pelos maridos) ou, quando não, iludidas com a promessa de empregos por agenciadores.
A presença desse tipo de serviço acrescentava uma série de doenças a tantas outras próprias
da região – as DSTs. A ocorrência dessas enfermidades era grande, tinha até “profissional” especializado na venda de antibióticos para o tratamento, chegando a atender 15 pessoas por dia. Seus serviços iam além da venda de medicamentos: também traziam à luz os novos rebentos gerados nas boates.
Segundo Tânia da Silva, historiadora da região, no período áureo dessa atividade chegaram a existir cerca de cinco mil mulheres trabalhando como prostitutas. Muitas delas adotavam o sistema conhecido como chave: elas usavam quartos disponíveis e cobravam de seus clientes. Algumas chegaram a acumular alguma coisa, outras se casaram com garimpeiros e tornaram-
se moradoras da cidade, mas na sua maioria foram exploradas pelos donos dos cabarés.
A história dos cabarés em Curionópolis teve seu tempo de glória nos anos de 1984 a 1985, passando por crises após o fechamento do garimpo de Serra Pelada. A partir dos anos 90 até os dias atuais vem ocorrendo uma queda muito grande nesse ramo, “o ganho de hoje só
dá para comer”, diz Maria Augusta. (SILVA, 2003, p. 37)
O legado desse período é tão forte que um dos entrevistados afirma que a cidade se construiu neste momento, situação que não se repetiria, nem mesmo com sua emancipação.
Curinópolis foi construído até 82. De 80 a 82. De lá pra cá nunca mais construiu nada. Nós chegamos aqui em Curionópolis a possuir 66 mil habitantes. E com o passar do tempo o nosso potencial só vai caindo. Hoje, nós estamos com 19.500 habitantes. Por quê? A maioria do nosso povo vem atrás de um garimpo. Como acabou os garimpos, como paralisaram os garimpos, as famílias voltaram, todo mundo; a maioria, 80% a 90% desse povo são maranhenses, são agricultores. Aí, voltaram tudo pra agricultura, porque nós não temos assentamento em nosso município.
O papel do administrador Manoel Alves de Sousa foi significativo para a efetivação dessa
“construção”. Ele diz que durante sua administração foram abertas ruas, construídas cinco salas
de aula na Escola Getat, além de mais uma escola, do Serviço Especial de Saúde Pública - SESP e a instalação de posto telefônico.
Divulgação de obra de
saneamento com parceria da CVRD em 1993
A população de Curionópolis engajou-se na campanha pela emancipação de Parauapebas. O momento político favorável e as motivações semelhantes às da cidade vizinha fizeram que a luta fosse conjunta. Mesmo que depois tenham resolvido emancipar duas cidades, e
não uma.
Fonte: Arquivo pessoal Chico Brito. Gentilmente cedido.
5. O MOMENTO PÓS-EMANCIPAÇÃO E AS ADMINISTRAÇÕES
A instalação do município de Parauapebas se deu em 1º de janeiro de 1989, com a posse da Câmara e do administrador eleito em novembro. O primeiro prefeito foi Faisal Faris Mahmoud Salmen Hussain (1989-92), que também foi um dos primeiros doutores da região, então contratado pelo Getat. Nos depoimentos coletados, a primeira administração aparece de forma dúbia: para uns foi importante para o desenvolvimento da cidade, enquanto outros apontam o desvio de recursos e a corrupção como marcantes; assim, a compra de uma patrulha de máquinas, a construção da Praça Mahatma Gandhi e da escola Paulo Fonteles, a pavimentação
de dois terços da Av. do Comércio e mais seis quilômetros de ruas, realizadas em sua gestão, só teriam sido pagas na seguinte (PARAUAPEBAS EM REVISTA, 1994, p. 12).
O segundo prefeito foi Chico das Cortinas (1993-96), cuja administração foi marcada por ações importantes: o convênio com o BID e a CVRD para o abastecimento de água e coleta de lixo, fortalecendo o saneamento básico (o montante desse acordo girou em torno de US$ 9,3 milhões), obra até hoje considerada a “única de valor” na cidade por boa parte dos entrevistados. Os bairros cresciam e nasciam e precisavam de uma infra-estrutura, pois os conflitos entre ocupantes e proprietários só aumentavam. Assim, conta Pedro Newton, o saneamento básico surgiu de luta e
de pressão da população, mas uma luta surda e não organizada, decorrente da necessidade advinda
do inchaço populacional. Os interesses políticos diferentes se apropriavam dessa situação e começavam a debater em rádio etc., ampliando a luta.
Os depoentes narram que não havia os problemas de enchentes que hoje assolam a cidade: “Ele [o rio] faz isso aí porque as pessoas tão entupindo ele de lixos”, “ele tá inchando, porque
ele não tem como a água correr”, “Então, ele tá entrando, tá caçando vazante”. Naquele período, na época chuvosa, atravessavam o rio de canoa, pois não havia estradas propriamente ditas, mas trilhas que utilizavam quando as águas estavam baixas. Também havia muita “gambiarra” elétrica, o que acabou gerando acidentes com mortes (duas, pelo que informaram) e, no fim das contas, o corte da energia ainda na época de Chico das Cortinas.
Joana Nascimento, a D. Joaninha, que veio de Santa Inês, do Maranhão, chegou em 1990 quando a ocupação do Bairro da Paz25 já estava se iniciando. A região era uma “solta” (pastagem onde o gado se refaz das viagens), uma fazenda pertencente ao proprietário
Serraria. Sendo muito próximo do Rio Verde, um grupo da população que vivia em casas de
25 D. Joaninha diz que puseram em votação outros nomes para a localidade, até então chamada de “invasão”. Foram levantados nomes
como Jader Barbalho e outros, mas ficou Bairro da Paz como contraponto às brigas que ali ocorriam. A maioria das ruas teve nome escolhido pela entidade; outros foram postos por Apinagés, uma das lideranças do bairro. Não havia ainda ruas abertas, eram só caminhos, “veredas”. Por reivindicação dos moradores, foi aberta a rua Sol Poente, bem como vieram outros benefícios para o bairro.
aluguel combinou entre si e obteve anuência do então prefeito para ocupar a área. A ocupação começou pela rua Santa Maria, na entrada da fazenda, onde havia um caminho para o gado, e dali foi se expandindo, não havendo outras frentes de ocupação.
O Bairro Liberdade surgiu em idênticas circunstâncias, de acordo com as lideranças, diante da necessidade de moradia dos migrantes. “Aí, os proprietários de fazendas foram sendo prensados e a cidade vindo e crescendo e eles se agoniaram com medo de serem tomados”, porque inúmeras outras áreas da cidade já haviam sido ocupadas de forma irregular pela população. Assim, surgiram loteamentos26: “o Luizinho, que era o fazendeiro ali da frente, ele loteou a parte dele, que é aquela parte ali do estádio. O do fundo, que é o Chiquito, loteou o dele. O outro ali que é o Velho Inelson, que era coisa de Eldorado, vendeu a parte dele. Aí, sobrou esse daqui, que hoje é o Cortinão”. Em 1993, o prefeito Chico das Cortinas desapropriou terrenos, indenizou os antigos proprietários e construiu as casas para pessoas que moravam na beira do córrego. A ocupação foi, então, crescendo rapidamente, com moradores vindos principalmente do Maranhão, mas também piauienses, cearenses e outros.
D. Joaninha, líder comunitária, conta que Chico das Cortinas havia colocado água no Rio Verde e Cidade Nova, mas dissera que no Bairro da Paz não havia condição. Por reivindicação dos moradores é que o fornecimento foi expandido até ali e nesse processo o atual prefeito, Darci Lermen, ajudou. Antes disso haviam pedido um poço artesiano, onde fica atualmente o bar Terraço Bentinho e, antes, um PMBox que veio atender às reivindicações da comunidade por mais segurança, tudo isso no governo Chico das Cortinas, por volta de 1994. A abertura das ruas veio pelo mesmo período, havendo sido iniciada por Faisal (Sol Poente) e continuada pelas administrações posteriores.
As pessoas que moravam na “Invasão” – primeiro e duradouro nome do Bairro da Paz, a maior de todas numa cidade feita de ocupações irregulares – eram discriminadas, afirma D. Joaninha. Era uma luta para serem iguais aos outros moradores da cidade, mas considera o problema hoje superado. Mesmo tendo já passado tanto tempo, porém, a situação fundiária nunca foi regularizada.
Esse período era de grandes dificuldades e a CVRD, na pessoa de seus funcionários, começava a interagir com a comunidade, propiciando uma relação positiva que ainda permanece na memória de lideranças. Conta D. Joaninha que Sônia Floriano e Carmem (Delpará) foram duas pessoas da CVRD que ajudaram muito a comunidade naquele momento
e, reafirma, a Companhia nunca sonegou ajuda para as pessoas.
Ainda no período de ocupação, os líderes tiveram a preocupação em deixar área para o colégio e para a Igreja Católica, mas ambas foram invadidas. Após negociação, a área da escola foi
26 O processo cresceu nos últimos dois anos em bairros que se localizam no extremo da área habitada, nas quais, por temor às invasões, os
proprietários estão procedendo aos loteamentos, antecipando-se a eventuais problemas.
liberada. D. Joaninha relata que começaram a puxar “gatos” e em 2002 a Associação conseguiu que a Celpa pusesse luz. Foram feitos inúmeros mutirões para construir casas (por exemplo, para pessoas doentes), abrir ruas etc. e o pessoal da CVRD também ajudou nisso (os moradores do Núcleo de Carajás criaram, inclusive, uma instituição, a Bom Samaritano, para ajudar os moradores do Bairro da Paz). Outro episódio importante foi a construção da Igreja Bom Jesus de Nazaré, em terrenos comprados pela associação. A líder D. Joaninha faz questão de registrar o agradecimento à CVRD, que muito os ajudou no processo de ocupação.
A cidade quase duplicou sua população num período curto de dez anos; a característica adventícia não mudou, tem-se uma população ainda flutuante, mas as ocupações só aumentaram com a fixação de novos moradores.
Eleita Bel Mesquita (1997-2004), terceira prefeita (eleita pelo PSDB), com quatro meses fez a estrutura básica da ponte para atravessar o rio, reivindicação dos moradores. Nesse momento
foi criada a associação de moradores do Bairro Liberdade, ainda informal. “E aí, a gente lutou, se organizou, correu, fomos pra Câmara; aí, foi que vieram e botaram os transformador
pra melhorar um pouco enquanto colocava uma rede de energia”, isso já em 2002. As crianças tinham aula numa escola alugada, mas conseguiram, pela organização, uma escola de
verdade. Conseguiram também asfalto, embora classifiquem de qualidade baixa.
D. Joaninha (Bairro da Paz) e a então prefeita Bel Mesquita (E)
Fonte: Arquivo pessoal Joana Nascimento. Gentilmente cedido
A formação dos bairros mais recentes tem um exemplo no Bairro Bethânia, que se constituiu entre 2001 e 2003, quando a ex-prefeita comprou a área, de 19 alqueires e meio (com diversas áreas de risco) para a construção de casas populares. A notícia, porém, que era segredo, vazou, e houve pressa em sortear os lotes antes que houvesse uma ocupação desordenada27.
No final de 2001 e início do ano seguinte, foram sorteados os primeiros 1.886 lotes, vários dos quais inadequados para a construção de casas (em baixos, dentro de córregos, em cima do morro), o que obrigou a novos sorteios. A população até hoje não tem nenhuma documentação comprobatória – para todos os efeitos, trata-se de uma ocupação irregular.
Para encerramento dessa apresentação histórica, foram escolhidos alguns depoimentos dos moradores do Bairro Liberdade, que se queixam de que “de oito anos pra cá que veio acontecer muitas coisas que não tava acontecendo em Parauapebas”, responsabilidade das pessoas que chegam de fora: “Lá onde ele morava muitas vezes ele já saiu de lá porque fez alguma coisa de errado. E aí corre pra Parauapebas”. Ou seja, a violência tem sido ampliada, no entender dos moradores. Afora isso, acham a cidade boa: “Porque morei em Tucuruí, passei em Altamira do Xingu, conheço bem Marabá... Mas pra mim Parauapebas é o único lugar da gente morar...”. Outro morador concorda: “aqui é melhor pra pessoa trabalhar, pra ganhar dinheiro”. Há até quem vá embora, “Mas é difícil: comeu açaí, ficou! Não tem jeito.”
Fica evidente no relato dos moradores que a CVRD faz-se constituinte da história de Parauapebas.
5.1. A EMANCIPAÇÃO DE CURIONÓPOLIS
Por sua vez, Curionopólis conquistou sua emancipação político-administrativa em 1988, desmembrando-se de Marabá e ganhando este nome em homenagem ao major Curió. A primeira eleição ocorreu em 15 de novembro do mesmo ano, saindo ganhador o sr. Salatiel Almeida (1989-92). Algumas mudanças foram imediatas, como nos lista um entrevistado.
Aí, nós tivemos a oportunidade de ser contemplados com uma Câmara Municipal, com delegacia, veio energia, veio cartório ao município e aí, começamos a viver como uma cidade. Com tudo aquilo que a gente tanto esperava e tanto sonhava. Veio banco ao município e com o decorrer do tempo nós perdemos o banco. Foi grande a reivindicação. Passamos vários anos sem banco aqui. O banco que atuava na época era o Bamerindus e com
o espaço do tempo, o Bamerindus saiu de circulação28.
27 Diretores da Associação dos Moradores do Bairro Bethânia (AMBB), sob presidência de seu Raimundo, segundo contam as lideranças
ouvidas, apropriaram-se indevidamente dos lotes e venderam a maioria, inclusive aqueles originalmente destinados a equipamentos públicos
e inclusive o próprio terreno da associação. De acordo com o que contam, houve lotes vendidos até 12 vezes, o que teria originado o assassinato de dois presidentes.
28 O sistema bancário só se fortaleceu com a instalação do Banco do Brasil, em 15 de abril de 2003, facilitando as atividades comerciais da região.
Outros prefeitos foram João Chamon Neto (1992-96), Osmar Ribeiro da Silva (PMN), eleito
em 1996 e o atual, Sebastião “Curió” Rodrigues Moura, eleito em 2000 pelo PMDB e que está no segundo mandato.
Nos anos 90, com a falência de Serra Pelada, houve um esvaziamento da cidade por causa do retorno de muitos moradores para suas cidades de origem. Outro fator que aumentou os problemas foi a emancipação de Eldorado, em 1991, ficando como alternativa econômica para região a agropecuária. Em Curionópolis, possuidora de terras férteis, a venda de produtos como mandioca, feijão, banana, arroz, melancia café, tomate, entre outras frutas, em pequenas feiras, garante a circulação de moeda.
O município é considerado um dos maiores produtores de gado bovino da região, com um rebanho estimado em quase 300 mil cabeças de gado em 2003, além de rebanho suíno e eqüino. Mas não consegue criar empregos nos setores que dão suporte a essa atividade, como frigoríficos, açougues, curtumes etc. (SILVA, 2003, p. 49). Apesar dos altos índices de produção, a situação do município é de penúria. Quando assumiu a Prefeitura, em 2001, um dos primeiros atos do prefeito Curió foi decretar estado de emergência, com intenção de chamar a atenção do governo do Estado para a situação de miséria na cidade, em que a principal fonte de emprego são os cargos públicos ofertados pela administração municipal.
Existe uma expectativa da cooperativa de garimpeiros, bem como do sindicato da categoria,
de reabertura do garimpo de Serra Pelada, além do pagamento da indenização que julgam merecer por parte do governo federal, relativa a diferenças nos depósitos efetuados em ouro convertidos em moeda corrente na Agência da Caixa, instalada no garimpo.
5.2. DO SONHO DO ELDORADO À DISPUTA PELA TERRA
Após a emancipação de Curionópolis, Eldorado do Carajás passou a fazer parte desta cidade, com a qual partilha o início de sua ocupação. Por este motivo, o relato aqui exposto parte do processo emancipatório que caracterizará o município distintamente. Trata-se de uma localidade estratégica, pois dá acesso à PA 150 e à PA 275. Seu João Alves Carneiro, morador antigo e historiador autodidata, conta que foi atraído para a região por essas características de localização. Outros moradores também acreditavam que, por tratar-se de
um entroncamento de vias, o núcleo se desenvolveria rapidamente.
Relata seu João Carneiro que, ao chegar na região, por volta de 1981, “não existia praticamente nada a não ser extração de ferro de Carajás, e o ouro de Serra Pelada; e a criação de pecuária, né? O gado também já tinha bastante. Mas quando se tratava da parte de produção de grãos,
arroz, feijão, nada existia”. Viviam basicamente da produção de subsistência, da pesca e da carne de caça, tanto que o dono do primeiro hotel (Manuel Paulo da Costa) servia aos seus hóspedes carnes de paca, tatu e outros animais capturados na região por caçadores.
Seu João continua a conversa afirmando que havia por parte do Incra incentivo aos posseiros que chegavam na região com a intenção de ocupar terras que eram da União, ou mesmo do Estado, para a produção de alimentos. Cita que em 1980 uma área chamada Castanhal Cristino, uma fazenda aflorada, dominada por fazendeiros, foi comprada por Geraldo de Mendonça Lima, que loteou a fazenda e organizou uma ocupação designada Rio Vermelho, homenagem ao rio que banha a cidade.
Foi a partir desse núcleo, organizado por iniciativa particular, que começaram as reivindicações por melhorias para a localidade, e uma das primeiras conquistas foi a escolinha para alfabetização de crianças.
Acompanhando esse movimento, agora com o auxílio de órgãos do Estado como o Incra, além
do STR, terras foram desapropriadas para o povoamento. Alguns moradores de Parauapebas foram os primeiros a participar dessa empreitada. D. Maria de Lourdes Viana da Silva, coordenadora do Centro Comunitário do D. Bosco, que chegou a Eldorado em 1987, seguida de mais sete famílias para a ocupação desses lotes, conta como foi:
Nós organizamos e cortamos esse lote aqui tudinho com a ajuda do Incra e do sindicato. Dividimos tudo em lote. As primeiras pessoas além de nós, foi o pessoal de Jacundá. Aí, nós separamos aqui a área de coleta, de hospital. Esse setor onde existe o Centro Comunitário, nós também já deixamos uma área já separada. Aí, o pessoal foi chegando e nós fomos fazendo os barraquinho...
Seu João destaca essa ocupação como momento importante para a cidade, diz que foi uma intervenção política de Jader Barbalho e que a desapropriação ocorreu sem conflitos. A importância desse loteamento reside na chegada organizada de pessoas e no aumento populacional, propiciando mais poder de pressão.
A agricultura era atividade predominante no início da ocupação, basicamente mandioca, feijão, arroz, milho e banana. A área foi dividida em várias colônias agrícolas (Sereno, Vilinha, Motor Queimado I e II e outras), mas a presença da grande propriedade também era importante, e a apropriação da terra pela violência, marcante.
Seu João Alves de Carneiro narra que foi sob a mira de armas que nasceu a maioria das
fazendas da localidade:
A mira da arma significa dizer: você é dona de uma fazenda, eu sou sindicalista rural; reúno os trabalhadores, e invado a sua fazenda. Eu invado a terra porque... Porque que eles tinham esse pensamento de invadir
as terras? Porque existia e existe até hoje /.../ O Incra não documentava com tinta definitiva, ele dava só um tipo de ocupação. Baseados nisso, os trabalhadores entendiam que a terra era da União. E que estava ocupada por grandes fazendeiros e os latifundiários. Então, eles compreendiam que
se eles [fazendeiros] tinham o direito de apropriar a terra, eles
[trabalhadores sem-terra] também tinha o direito. E aí o uso da força.
A concentração de terras foi atraindo o capital madeireiro: no início dos anos 80 havia de 15
a 20 serrarias na cidade; conjuntamente com eles veio a energia elétrica necessária para a manutenção da atividade (conta-se que o setor madeireiro, como maior beneficiário deste recurso, bancou a campanha de implantação e os seis primeiros meses de custo de instalação). Em 1993, cada empresa empregava, em média, cerca de 50 trabalhadores, evidenciando a presença maciça da atividade extrativista. Mas o setor enfrentou duras dificuldades em função da política recessiva de meados da década de 90, a alta tributação e defasagem de preço no mercado internacional. Fatores combinados, a diminuição desta atividade e a injeção
de recursos na pecuária trouxeram fortes mudanças nas relações de trabalho, acirrando ainda mais os conflitos pela posse e concentração das terras, um problema estrutural na região, causando vários conflitos (PARÁ, 1993, p. 2). Como lembra seu João,
Travava-se grandes conflitos armados. Por exemplo, o primeiro conflito armado aqui foi na conquista da terra; da Fazenda Água Fria e Pedra Furada... E os trabalhadores liderados por Arnaldo Delcídio Ferreira... Eles formavam um agrupamento de homens... O fazendeiro ficava com raiva, contratava um pistoleiro e ia pagar pra lutar contra os colonos, os grileiros... E isso foi assim. Toda fazenda foi tomada assim...
D. Lourdes chegou, como as demais pessoas, com a preocupação de ter suas terras e melhorar
de vida; vieram dispostas a se fixarem no local, portanto, lutaram por melhorias. Entre as várias conseguidas estão a criação de uma associação, a vinda das escolas, centro de saúde etc.
Em 1988, a população de Eldorado participou ativamente da emancipação de Curionópolis, pois acreditava que a sede administrativa ficaria nas localidades da atual cidade. Isso não aconteceu, gerando um grande mal-estar entre as lideranças do movimento. Então, estava
plantada a semente da discórdia que frutificaria em 1991.
Este fato gerou um certo descontentamento entre os moradores do município
de Eldorado, o que se constitui em um dos elementos primordiais, por conseguir manter a sua população em permanente mobilização para conquista de sua emancipação. Logicamente que outros fatores somaram-se àquela insatisfação: o crescimento populacional, que não foi acompanhado pela expansão dos serviços considerados essenciais para a comunidade e a crença que a emancipação por si só seria a solução para todos os problemas da comunidade. (PARÁ, 1993, p. 8)
Essa animosidade chamou a atenção da Câmara dos Vereadores de Curionópolis, que enviou documento à Assembléia Legislativa do Estado alertando para as intenções dos moradores do distrito de Eldorado e as conseqüências desastrosas para a economia local
de uma emancipação.
Cumpridas as formalidades, contudo, foi realizado, em 28 de abril, o plebiscito, com a participação necessária dos eleitores para caracterizar a emancipação. Foram 1.415 votos, 30 deles “não” e 58 em branco. Em dezembro de 1991, o então governador Jader Barbalho sancionou a Lei 5.687 e criou o município de Eldorado do Carajás. O nome é a somatória do sonho do El Dorado mítico, região onde abundaria ouro, com um “Carajás” acrescido em referência ao Projeto Carajás (e não aos índios, donde estar no singular e não no plural), além
da esperança da criação de um Estado independente – o Estado de Carajás, projeto almejado pela elite política da região Sudeste do Pará.
O primeiro prefeito da cidade foi José Vicente Correa Neto. Seguiram-se Jair da Campo
(PMDB), Domiciano Bezerra Soares (PSD) e o atual prefeito, João de Castro Barreto (PDT).
Cabe aqui um parêntese: D. Maria de Lourdes nos fala que a CVRD foi fundamental para implementação de projetos sociais na região, em especial o Centro Comunitário, que até recentemente prestava serviços na área de saúde. Ela expõe:
No mandato do Vicente Correia que nós conseguimos esse recurso da Vale do Rio Doce e nós fizemos o projeto da Associação e tinha uma irmã que ficava aqui no meu barraco, em Eldorado. Ela sabia que nosso projeto era criar um Centro Comunitário pra que desse apoio às pessoas carentes. Tanto no medicamento, mas como tivesse uma área que atendesse saúde, tivesse um laboratório igual nós temos. Foi quando o Dom José conseguiu pela Vale do Rio Doce um convênio pra construir um centro comunitário lá em
Parauapebas, um clube de mães em Curionópolis e não conseguiu pra nós aqui.
O bispo D. José e a irmã citada foram a ponte entre a CVRD e a comunidade, que acabou conseguindo também o benefício.
Entre os confrontos entre fazendeiros e trabalhadores sem-terra e sindicalistas, dois tiveram grande repercussão: o assassinato de Irmã Adelaide Molinari (1985), quando ia ao encontro
de Arnaldo Delcídio Ferreira (delegado do STR de Marabá em Eldorado) na rodoviária desta cidade. A intenção do pistoleiro era matar Delcídio. “O tiro disparado atravessou o corpo do sindicalista e atingiu a religiosa na altura do pescoço. Arnaldo sobreviveu ao atentado, mas a religiosa teve morte instantânea” (O LIBERAL, 16 nov. 2003)29. Diz-se comumente que o líder sindical foi assassinado pelos fazendeiros, destino comum aos que contrariavam a posse
da terra na localidade. Já Irmã Adelaide Molinari é reconhecida pela sua inserção nas lutas por melhoria em toda a região. Quando da sua morte, de que se trata mais adiante, a associação criada pelas mulheres de Eldorado homenageou-a, chamando-se Associação de Mulheres Irmã Adelaide.
Outro conflito sério, que obteve maior repercussão ainda, foi o massacre de 19 agricultores sem- terra, militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), passando para a história recente do País como o Massacre de Eldorado do Carajás. O MST organizou a ocupação
da fazenda Macaxeira, em Curionópolis, por mais de 1.200 famílias, no dia 5 de março de 1996.
No mês seguinte, mais precisamente no dia 15, manifestantes marchavam até Belém, obstruindo
a rodovia PA 150, na altura da Curva do S, em Eldorado do Carajás. O governador Almir Gabriel ordenou a desobstrução da estrada pela Polícia Militar. Durante a operação, houve confronto: 19 sem-terra foram mortos e contaram-se 70 feridos, entre sem-terra e PMs.
Este episódio ainda está presente na memória dos moradores locais, conta D. Maria de Lourdes (que conhecia alguns dos trabalhadores envolvidos, pois fazia sempre visitas no intuito de auxiliá-los nas suas necessidades, em especial, com medicamentos naturais). “Daqui mesmo, morando em Eldorado só tinha uma pessoa. Os outros tudo eram de Parauapebas, Curionópolis, dessa região toda aí. Daqui só morreu um”, afirma seu João Carneiro, que continua: “Vi os
corpos. Fui testemunha de ver assim: ó. Eu vou te falar: é terrível”.
29 Nesta mesma matéria, que noticiava o julgamento do acusado José de Ribamar Rodrigues Lopes pelo assassinato da irmã, era também
divulgado o conflito sério entre os proprietários das fazendas União e Santa Rosa, que estavam na iminência de um confronto com os
“invasores” das fazendas, segundo o próprio delegado de Polícia, após uma vistoria no local.
Memorial aos 19 sem-terra mortos no Massacre da Curva do S
Fonte: Projeto Pará/Arquivo Diagonal Urbana.
Seu João conclui seu relato do episódio assim:
Olha, esse confronto, ele se deu quando os fazendeiros se reuniram nessa região pra combater esse movimento, eles faziam consórcio de fazendeiros; armava o pessoal deles pra combater. Porque eles consideravam que isso era uma ameaça pras terras; eles iam perder as terras. E a terra pra eles era a riqueza, porque tinha a castanha, tinha a caça, tinha a pesca, tinha tudo... E eles queriam derrubar pra fazer pastagem... então eles tinham a terra como grande fonte de lucro também. Como eles viram os trabalhadores se aproximar e se arregimentar pra tomar essas terras, eles começaram também a se armar pra combater o trabalhador. Agora eu acredito que isso... No meu ponto de vista mesmo, não houve [premeditação nas mortes]... Pela pretensão do governo, mandar fazer isso. Foi um confronto que houve na hora. Falta de preparo...
Passados dez anos do acontecido, nenhum dos acusados está preso. E, como afirma seu João:
“O que houve foi só que a área que eles queriam foi desapropriada, em função da morte deles. Essa foi a maior coisa que houve aí”.
Seu João, mesmo afirmando que o clima atualmente é de tranqüilidade, não deixa de mencionar que os conflitos perduram até hoje e que o massacre de trabalhadores sem-terra amenizou o enfrentamento, mas não o problema. Outro entrevistado, seu Dionísio Godinho, atual presidente do STR, afirma, sobre as mudanças trazidas pela repercussão do Massacre: “Olha, sinceramente, pra muitos do PA 17 de Abril melhorou. Agora de modo geral, não. Nunca melhorou. Porque é uma briga de Estado com um grupo de um município... e aquilo que eu acabei de falar: quem morreu, morreu; quem ficou, ficou. E pronto”.
Como a região é muito violenta, com histórico de assassinato de posseiros e líderes sindicais e religiosos, é de se perguntar em que reside a diferença do Massacre da Curva do S. O advogado da CPT entrevistado em Marabá não soube dizer das causas, mas salientou como diferente o impacto e a repercussão que gerou, além do fato de estar muito próximo deles. “Nós víamos os corpos andando pela cidade na carroceria de um caminhão”, “E isso parece que acordou o próprio movimento social de uma letargia que ele vinha tendo, né? Tinha algumas movimentações, mas a sociedade não abria o olho pra aquilo”.
5.3. CANAÃ DOS CARAJÁS, A TERRA PROMETIDA
A emancipação de Parauapebas foi importante para a população de Canaã, que participou ativamente do processo. Se havia dificuldades com a sede em Parauapebas, pode-se imaginar
o quanto não era complicada a situação quando toda a região fazia parte de Marabá, a 230 km
de distância e com estradas em péssimo estado de conservação. “Quantas vezes a gente saía daqui de carroceria de caminhão pra ir em Marabá resolver coisas de escola ou qualquer outro assunto ligado à área do município”?, lembra Jeová. “Então, quando emancipou, pra nós, foi um momento história de grande importância.” Entretanto, não resolveu os problemas
da cidade e os moradores passaram a pleitear sua própria administração.
Conforme conta Conceição, “como todo e qualquer processo de cidade que se emancipa tem
os interesses”, pessoais ou coletivos, que “puxam” a emancipação. “Claro, aqui não foi diferente.” Mesmo assim, a emancipação contou com participação popular, principalmente porque a população acreditava que as distâncias dificultavam o desenvolvimento da cidade. Assim, “o pessoal divulgava entre a comunidade, explorava” a idéia de que, “para que tivesse estrada boa, tivesse banco, tivesse um telefone... Enfim, tivesse toda uma infra-estrutura que uma cidade necessita pra sobreviver, ter uma qualidade de vida melhor, achavam que poderia passar por essa questão da emancipação política do município”.
De acordo com seu Cavalcanti, quando Canaã era distrito de Parauapebas não havia subprefeito ou administrador distrital, porque a área era restrita ao Incra – na verdade, ainda é
propriedade federal, pois o projeto nunca foi emancipado. O que motivou o interesse pela emancipação, que se deu sem rupturas e até com o apoio de Parauapebas, relacionava-se à ausência de investimentos. Segundo lembra seu Cavalcanti, “Pela renda de Parauapebas, a gente como primeiro distrito tinha direito que a Prefeitura gastasse no Cedere 2 R$ 800 mil. E não era gasto 100”. Vivia-se, então, em situação complicada em termos de saúde, educação e principalmente no que diz respeito às estradas – chegaram inúmeras vezes a ir a pé a Parauapebas, ou de trator, porque eram os únicos meios. Seu Cavalcanti lembra de uma das viagens: “eu saí de Parauapebas nove horas da noite. Andei a noite todinha... chovendo e eu andando. Cheguei, entrei nessa casa no outro dia às oito horas da noite. Uma noite e um dia sem parar. Parei em algum lugar por aí pra comer, tomar um café de manhã na casa dos colonos...”. Se a Prefeitura de Parauapebas gastasse aquilo que era determinado por lei, afirma, a situação seria bem diferente.
Costa se lembra, da época em que chegou, início dos anos 90, da dificuldade de acesso,
da pequena população, da ausência de energia – a não ser a fornecida por um motor. Interessava a emancipação porque, conforme acreditavam, assim “Teria mais possibilidades, mais facilidade pra fazer alguma coisa aqui dentro do município”, já que “Passaria a ter um prefeito. Passaria a ter o Executivo, o Legislativo. E naquela época era pouco... Tinha uma assistência, até certo ponto, do prefeito de Parauapebas, mas não era aquela coisa que... satisfatória pro povo”.
Segundo foi apurado, não houve resistências por parte de Parauapebas ao desmembramento, pelo contrário, Faisal Salmen (então prefeito) até ajudou no processo, mesmo já sabendo que havia um projeto grande que poderia ser instalado a qualquer momento no local onde viria a
ser Canaã. Costa confirma que o povo participou do processo, das reuniões feitas na cidade; e incentivava a ida de alguns a Belém quando das audiências relativas ao caso. Ao que se recordam, não houve apoio de nenhum deputado no processo, durante o qual enchiam ônibus
de pessoas que iam à Assembléia Legislativa, em Belém.
Lideranças pleiteiam emancipação de Canaã em Belém
Fonte: Arquivo pessoal Raimundo Cavalcanti. Gentilmente cedido.
Das lideranças do processo de emancipação, foram citados Jeová (vereador na época),
Manuel de Deus, pastor Miguel, Antônio Chorão, seu Alfredo da Farmácia, Mizael (então vereador representando Canaã, hoje vice-prefeito), Hélio Costa (candidato a vice-prefeito pelo PMDB na primeira eleição), seu Manoel, Juca, seu Zé da papelaria, Dr. Bento. Em termos de entidades, mencionam-se as igrejas em geral. Também já havia algumas organizações na cidade, como associações de moradores, embora muito pequenas, que apoiaram o movimento. Os comerciantes, os produtores rurais e a sociedade civil como um todo participaram do que redundou na emancipação, ocorrida em 5 de outubro de 1994, através da Lei Estadual 5.860. Só depois da emancipação se passou a falar “zona rural” e “zona urbana”, até então tudo era “zona rural”, no entender da população local.
A emancipação político-administrativa de Canaã foi considerada um momento histórico pelos entrevistados, a partir do qual a cidade foi crescendo, “Foi havendo desenvolvimento aqui dentro”, pois anteriormente o potencial mineral não era tão explorado, mesmo já tendo havido pesquisas que davam conta da existência do minério. Com o decorrer do tempo, assevera Conceição, “foi se propagando essa possibilidade de se instalar um projeto de mineração aqui dentro do município. Então foi esse momento, que eu acho que foi o
momento histórico, de transição entre aquele momento em que era uma colônia agrícola, que produzia tudo, e passar pra ser um município emancipado, uma cidade”.
Conseguida a emancipação, os primeiros candidatos a prefeito foram Cimar Gomes da Silva e Anuar Alves da Silva. O eleito foi Cimar, do PSDB, que teve o mandato cassado devido a supostas irregularidades. Nas segundas eleições, apresentaram-se Anuar, Hélio e Misael, ganhando o primeiro. Nestas últimas eleições, os candidatos foram Anuar, Cláudio Almeida e Josenilton Nascimento de Oliveira, o “Ribita” (PT), tendo ganho este último. Outros que foram prefeitos: Raimundinho e Tião, que ocuparam o cargo interinamente por problemas nas administrações.
Costa avalia a primeira gestão da cidade como não correspondendo às expectativas da população acerca dos benefícios da emancipação.Mesmo com uma primeira administração
tão conturbada, Hélio Costa conta que “Teve algumas obrazinhas. Não foi coisa assim muito significativa, porque a arrecadação também era muito pequena”.
Na segunda eleição, o próprio Costa foi candidato a prefeito pelo PSB, com um vice do PT, mas perdeu a eleição, por 69 votos de diferença (num colégio eleitoral de 6.700 eleitores, aproximadamente, o que dá 1% de diferença), para Anuar, eleito pelo PDT. Esta administração, segundo Costa, “deixou muito a desejar na época”, principalmente nos seus dois primeiros anos. Na segunda metade do mandato a CVRD deu início à implantação do Projeto e “Aí melhorou bastante”, com a instalação de diversas empresas no município, o que movimentou o comércio – segundo Costa, o prefeito apoiou a vinda das empresas e também
os trabalhadores que chegavam. BJeová transforma em palavras as idéias que nortearam o processo: “Quando elegemos o primeiro prefeito aqui, nós tínhamos o sonho de ver as coisas melhorarem bastante. E este sonho ainda permanece. Não vimos isso acontecer ainda, mas acreditamos tanto no futuro de Canaã que acreditamos que vamos ver Canaã se desenvolver”. Conta que sentiam necessidade da emancipação porque tudo os obrigava a ir “pra Marabá,
pra Parauapebas atrás das coisas... Sempre... Às vezes, voltava decepcionado. Então achamos que a melhor maneira seria se emancipar e ter a nossa cidade, porque aí teria condições de cobrar mais direto”, nos dizeres de Jeová.
Após a emancipação, foram feitas várias reuniões e houve muitas sugestões de nomes para o novo município. O escolhido, Canaã dos Carajás, é uma referência bíblica à terra prometida,
“terra que emana leite e mel”, e foi sugestão do pastor Miguel.
5.3.1. CANAÃ DOS CARAJÁS HOJE
Explica seu Valdivino que em Canaã “A pecuária veio se expandindo com a necessidade de outros grandes produtores que estavam ao redor”, os quais influenciaram os assentados para que oferecessem pasto pelo sistema da meação. Assim, a criação de gado foi se propagando e, concomitantemente, começaram a aparecer laticínios na região (Parauapebas, Eldorado do Carajás). Hoje, existem dois laticínios na cidade.
O pessoal da pecuária está muito bem, dificilmente se vê uma pessoa pobre. Mesmo os que chegaram aqui sem nada hoje têm suas 200, 300 cabeças de gado, terra bem formada. Posso afirmar que aqui não tem mendigo, mas as cidades vizinhas são cheias. (LIMA, 2003, p. 30)
A criação de gado tem como foco a produção leiteira; destaque-se a indústria e comércio de laticínios de Canaã, que produz diversos tipos de queijos e manteiga e da qual 90% da produção são vendidos para Estados do Sudeste e do Nordeste. Esse processo propicia a maior fixação dos trabalhadores, valoriza a pequena propriedade e evita o abandono das atividades agropecuárias, tendo em vista que essas propriedades produzem outros produtos agrícolas.
Sobre benefícios estruturais como a eletricidade, seu Valdivino relata que “em 2000 ela começou a crescer pra alguma ruazinha. A Vila Mozartnópolis, chegou lá agora em 95. E tem várias ruas ainda hoje que não são contempladas. A minha rua, por exemplo, até hoje ainda não está contemplada. A gente está na luta aí pra adquirir esse projeto Luz para Todos”.
Quem não tem dinheiro para manter um motor a diesel ainda se vira à base do candeeiro.
6. FONTES E BIBLIOGRAFIA
6.1. LISTA DE ENTREVISTADOS – CANAÃ DOS CARAJÁS
Atribuições
Morador há três anos, empresário, , tocantinense.
Morador há 20 anos, ex-vereador.
Morador há 21 anos, agrônomo, atuante na região..
Morador há 15 anos, comerciante, político.
Morador desde 19 de agosto de 1983, funcionário público aposentado.
Morador da cidade há 22 anos, goiano, técnico em agropecuária...
6.2. LISTA DE ENTREVISTADOS – CURIONÓPOLIS
Atribuições
Maranhense, moradora desde 1984, liderança de entidade comunitária
Qautro Pioneiros
Maranhense, liderança
Goiana, moradora desde 1981 e empresária
Vereador
Goiano, morador desde 1981, atuante na administração pública e empresário
Maranhense, moradora há 20 anos, liderança
Maranhense, moradora desde 1983, liderança ligada à Igreja Católica.
Presidente da Associação de Setor Produtivo local.
6.3. LISTA DE ENTREVISTADOS – ELDORADO DO CARAJÁS
Atribuições
5 Lideranças de Associação de Mulheres.
Gerente da Associação de Setor produtivo patronal.
2 Gestores públicos
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Maranhense, historiador autodidata, morador desde 1981
6.4. LISTA DE ENTREVISTADOS – MARABÁ
Atribuições
Estrangeiro, morador há 31 anos, ligado há agropecuária e ao cooperativismo.
Liderança de trabalhadores rurais.
Morador há 22 anos, sindicalista da educação.
Prudentino, morador há 16 anos, sindicalista do setor patronal rural.
Morador há 15 anos, advogado
Catarinense, morador da cidade há 22 anos, político, sindicalista do setor patronal.
Gaúcho, morador há 14 anos, ligado à assistência social.
Paulista, atuante na área cultural.
6.5. LISTA DE ENTREVISTADOS – PARAUAPEBAS
Atribuições
Morador desde 23 de novembro de 1981.
Maranhense de Indaré-Mirim, moradora antiga
Presidente de associação comunitária.
Liderança do Bairro Altamira
Diretor da Escola rural
Piauiense, presidente de sindicato e liderança de Bairros
Morador antigo
Liderança de bairros
Tocantinense, liderança de bairros, morador desde 1989.
Representante de bairro no Orçamento Participativo
Diretora de creche
Representante de Esporte Lazer
Morador há 10 anos, representante para Esporte e Cultura
Morador há oito anos, supervisor de área e pastor da Assembléia de Deus
Morador desde março de 1981, , político
Diretor do Sindicato de trabalhadores.
Vice-Presidente deentidade de produtores rurais
Coordenador de Distrito.
Morador desde 1986, comerciante.
Moradora desde 1990, e liderança do bairro.
Morador desde o início dos anos 90, presidente de entidade, Membro do Conselho comunitário
Liderança de Bairro
Morador desde 1983, antigo dono de cabaré.
Morador desde 1992.
Maranhense, moradora desde 1980, liderança de Bairros.
Membro da Pastoral da Criança
Liderança de Bairro, moradora há 15 anos.
Associação de Mulheres.
Morador desde 1985, presidente de entidade comunitária.
Morador antigo
Associação de Moradores
Baiana, moradora antiga
Ex-presidente de Sindicato dos Trabalhadores Rurais
7. BIBLIOGRAFIA
BRANDÃO, José da Silva. As Origens de Marabá (1590-1913). São Sebastião do Paraíso- MG, ChromoArte, 1998.
BRUM, Eliane; AZEVEDO, Solange. À Espera do Assassino. Época, n. 393, 28 nov. 2005, pp. 95-102.
COTA, Raimundo Garcia. Carajás: a invasão desarmada. Petropólis, Vozes, 1984. CVRD. Histórias da Vale. 2002.
FOLHA ONLINE. Veja a Cronologia do Caso de Eldorado dos Carajás. Disponível em:
GONÇALVES DIAS. Marabá. Jornal de Poesia. Disponível em:
ISTOÉ. A Batalha da Borracha. Disponível em:
KLUCK, Hilmar H.; ATZINGEN, Noé C. B. Von; RAMOS, Avanir T. et al. Marabá. S/l, s/e, 1984.
LIMA, Janice Shirley Souza. Educação Patrimonial: na área do Projeto Serra do Sossego – Canaã dos Carajás (PA). Belém, MPEG/CVRD-MSS/FIDESA, 2003.
MORAES, Almir Queiroz de. Pelas Trilhas de Marabá. São Sebastião do Paraíso-MG, Chromo Arte, 1998.
PARÁ, Governo do Estado. Novos Municípios Paraenses: Eldorado do Carajás. Belém, Seplan, 1993.
PARAUAPEBAS EM REVISTA. Parauapebas, ano 1, n. 1, 1994.
PAYSAGE. Fazendo Parauapebas para o século XXI. Edição especial n. 2, [1999?].
PRADO JR. Caio. Evolução Política do Brasil e outros Estudos. São Paulo, Brasiliense, 1971.
. História Econômica do Brasil. 15 ed. São Paulo, Brasiliense, 1972.
. A Questão Agrária no Brasil. 4 ed. São Paulo, Brasiliense, 1987.
PRADO, Maria Lígia C.; CAPELATO, Maria Helena R. “A Borracha na Economia
Brasileira da Primeira República”. In: FAUSTO, B. (Org.). O Brasil Republicano t. III, v. 1:
Estrutura de Poder e Economia (1889-1930). São Paulo, Difel, 1985. REVISTA DO GARIMPEIRO. Ano I, n. 1, dez. 1983.
SILVA, Eumano; BRASILIENSE, Ronaldo. Cortando cabeças no Araguaia. Correio
Brasiliense.
SILVA, Tânia Ribeiro da. Curionópolis: resultado da migração – pós 1980. 2003. Monografia (Graduação) apresentada ao Curso de História da Universidade Federal do Pará.
VEJA. A Lei do Garimpo (reportagem especial). 7/8/1985.
VELHO, Otávio Guilherme. Frentes de Expansão e Estrutura Agrária. Rio de Janeiro, Zahar editores, 1987.
8. ANEXO FOTOGRÁFICO
Composição na Estrada de Ferro Carajás
Fonte: Arquivo pessoal Chico Brito. Gentilmente cedido.
Seu Manuelito, dono de cabaré no início dos anos 80, que se orgulha de seu Diploma de Pioneiro:
Fonte: Diagonal Urbana, 1º trimestre de 2006.
Crescimento de Parauapebas: a primeira foto é de 1983, a segunda, de 1986:
Fonte: Arquivo pessoal Chico Brito. Gentilmente cedido.
Prédio público destruído pela revolta dos garimpeiros:
Fonte: Arquivo pessoal Chico Brito. Gentilmente cedido.
Mobilização para o plebiscito que
decidiria pela emancipação de Parauapebas:
Fonte: Arquivo pessoal Chico Brito. Gentilmente cedido.
Manifestação de apoio ao ex-prefeito Faisal, cassado durante o mandato:
Fonte: Arquivo pessoal Chico Brito. Gentilmente cedido.
Rua Luiz Gonzaga (Bairro da Paz/Parauapebas) nos anos 90
Fonte: Arquivo Joana Nascimento. Gentilmente cedido.
Protesto dos carroceiros contra contratação de empresa que
passaria a coletar o lixo doméstico, tarefa que até então era deles:
Fonte: Arquivo pessoal Chico Brito. Gentilmente cedido.
Eldorado do Carajás nos anos 90:
Fonte: Arquivo pessoal D. Maria de Lourdes Viana da Silva. Gentilmente cedido.
Espaço para construção do Centro Comunitário D. Bosco/Eldorado do Carajás
Fonte: Arquivo pessoal D. Maria de Lourdes Viana da Silva. Gentilmente cedido.
Início da construção do Centro Comunitário
D. Bosco, patrocinado pela CVRD (Eldorado do Carajás)
Fonte: Arquivo pessoal D. Maria de Lourdes Viana da Silva. Gentilmente cedido.
Inauguração do Centro Comunitário D. Bosco:
presidente (D. Maria de Lourdes),bispo, diretor da CVRD:
Fonte: Arquivo pessoal D. Maria de Lourdes Viana da Silva. Gentilmente cedido.
DIAGONAL URBANA CONSULTORIA
DIRETORIA
Kátia Maria Bello de Mello
Álvaro Oscar Ferraz Jucá
Vilma Dourado Matos Maia Gomes
Nadja Maria Bello de Mello
Maria José de Albuquerque
EQUIPE TÉCNICA
COORDENAÇÃO GERAL
Diretor do contrato: João Jaime de Carvalho Almeida Filho – Arquiteto e Urbanista
Álvaro Oscar Ferraz Jucá – Economista
Kátia Maria Bello de Mello – Engenheira Civil
Tânia Bacelar – Economista
DIMENSÃO ECONÔMICA
Ceplan Consultoria
Coordenador: Aldemir de Souza – Economista
Jorge Jatobá – Economista
Leonardo Guimarães Neto - Economista
Tânia Bacelar – Economista
Tarcísio Patrício de Araújo – Economista
Assistentes de Pesquisa:
João Salles – Estagiário
Jurema Regueira – Economista
ESTUDO DOS EMPREENDIMENTOS DA CVRD Coordenador: Ulisses Ruiz de Gamboa - Economista Agnaldo Souza – Economista
Alexandre Berzaghi – Economista
Gabriel Marchesini – Engenheiro Civil
DIMENSÕES SOCIAL, URBANA E HISTÓRICA Coordenador: Eliana Fernandes Cruz – Assistente Social Carolina Passos Silva – Arquiteta e Urbanista
Fernanda Amorim Militelli – Arquiteta e Urbanista
Maria Angélica Drska – Socióloga
Izabel Cristina Arruda – Assistente Social Mayumi Yrie – Arquiteta e Urbanista Rosana Bacron – Psicóloga
Vânia Noeli de Assunção - Socióloga
Lenice Souza Santos - Estagiária
PESQUISA QUALITATIVA - SÓCIO-CULTURAL
Vânia Noeli de Assunção – Socióloga
PESQUISA QUALITATIVA – ECONOMIA
Osmil Galindo – Economista
GEOPROCESSAMENTO
Coordenador: Frederico Roman Ramos – Arquiteto e Urbanista
Marcos Martines – Geógrafo
Tatiana Sayuri Jo - Engenheira Cartógrafa
Cosme Souza Santos - Estagiário
CONSULTORES TEMÁTICOS
PROJEÇÕES ECONÔMICAS – MATRIZ INSUMO PRODUTO
Francisco de Assis Costa – Economista – Professor e pesquisador do Núcleo de Altos
Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará – Naea
PROJEÇÕES DEMOGRÁFICAS
José Marcos Pinto da Cunha – Estatístico; Roberto Luiz do Carmo, Paulo M. Jannuzzi, Wilson Fusco, Ricardo Ojima – Sociólogos / Pesquisadores do Núcleo de Estudos da População da Universidade de Campinas - Nepo
EDUCAÇÃO
Osvaldo Fernandes – Licenciado em Letras – Formar Consultoria
SAÚDE
Ana Muller – Médica Sanitarista
SEGURANÇA
André Zanetic – Sociólogo Túlio Khan – Sociólogo Isabela Gazzola - Socióloga
RESÍDUOS SÓLIDOS
Bertrand de Alencar Sampaio – Engenheiro Civil
SANEAMENTO
Sebastião Ney Vaz – Engenheiro Sanitarista
STAKEHOLDERS LOCAIS
Maria Alice do Amaral Abado Henne – Socióloga
MARCO REGULATÓRIO E COMPROMISSOS DA CVRD
Maria Luiza Granzieira – Advogada
ASSISTENTES ADMINISTRATIVOS
Camila Valente – São Paulo
Weudisley Valeriana Matos – Parauapebas
Elizabete Castro - Parauapebas
EDITORAÇÃO Clovis Machado Daniel Spinasco Fabiula Beloto Baldin
REVISÃO DE TEXTO
Agnaldo Alves de Oliveira